21 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, militarização das escolas e segurança pública

Por Vilmara do Carmo*

Nunca vivi um momento de tamanha incerteza e receio quanto ao futuro como agora. Não falo do próximo ano. Falo da semana que vem, do dia de amanhã, da próxima hora. Qual novo absurdo vamos ter que suportar desse (des)governo Bolsonaro e seus cupinchas? O cenário impõe que nada é mais imperativo do que agirmos de forma democrática, no radicalismo que exige esse conceito.

É com essa inquietação que sugiro a reflexão sobre os ataques à educação pública no Distrito Federal via militarização das escolas, durante esses 21 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres – no Brasil, realizado de 20 de novembro a 10 de dezembro. Isso porque na mira desses ataques estão, majoritariamente, mulheres e meninas. O mais recente deles foi realizado no dia 24 de novembro, no CED 01 da Estrutural, escola cívico-militar.

Em alusão ao Dia da Consciência Negra, foi proposta a exposição de charges alusivas à data no mural da escola. Entre as charges expostas, algumas do cartunista Carlos Latuff, que faz crítica contundente à abordagem policial junto à população negra. Os trabalhos de Latuff escolhidos por alunas, alunos e alunes estão respaldados pela realidade. A 15ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra que, em 2020, 78,9% das pessoas mortas em intervenções policiais eram negras. Um percentual registrado com pequenas alterações em anos anteriores.

Mas a exposição das charges refletindo sobre abordagem policial/racismo incomodou o tenente que ocupa o cargo de diretor disciplinar do CED 01 da Estrutural, que solicitou à vice-diretora da escola, professora Luciana Pain, a retirada dos trabalhos. Ela se negou. E não bastasse a incoerente solicitação do tenente, o deputado bolsonarista Heitor Freire (PSL-CE), assim que soube do caso pelas redes sociais, invadiu a unidade escolar, reforçando o pleito do tenente diretor disciplinar do CED 01 da Estrutural. Novamente a professora Luciana Pain se recusou a vetar os trabalhos, argumentando que não se tratava de um ataque à polícia militar, mas de uma crítica ao racismo, na voz de estudantes que vivem diariamente aquela realidade. “Você vai cair”, disse o parlamentar à vice-diretora – uma mulher –, como forma de intimidá-la: prática recorrente por integrantes de setores reacionários, como o que apoia o governo Bolsonaro.

Essa não é a primeira vez que uma escola militarizada cai em vexame nacional. O CED 03 de Sobradinho também foi parar na mídia após alunas denunciarem casos de assédio sexual por policiais dentro da escola. Um dos relatos feito por uma aluna diz: “Uma aluna foi assediada por um sargento, e a outra levou um tapa na bunda. O mesmo pegou seu número e o de sua irmã em arquivos escolares, e por meio do WhatsApp incomodou-a com frases do tipo ‘beijinhos no canto da boca'”. Uma situação pavorosa!

Podemos ainda citar o caso ocorrido na escola cívico-militar Colégio Militar João Augusto Perillo, na cidade de Goiás, onde uma aluna foi constrangida a ficar nua durante uma revista realizada no banheiro na unidade que deveria ser direcionada à educação que liberta, e não à opressão.

Essas e outras tantas situações corroboram com a tese defendida por nós, educadoras, de que a militarização das escolas ataca, sobretudo, nós, mulheres. Somos nós a maioria nas escolas, seja como regentes, funcionárias, gestoras, alunas. E, diariamente, nos vemos pressionadas a abrir mão do nosso direito de cátedra e de liberdade de expressão para atender determinações que estão na esfera de quartéis e não de unidades escolares.

Temos plena consciência de que a segurança pública é essencial também para quem está dentro das escolas, principalmente para nós, mulheres. Entretanto, é um equívoco inominável tentar transformar o espaço do ensino-aprendizado no da ordem-punição. É dentro das escolas que podemos transformar o que está para além dos muros que a delimitam. Mas jamais conseguiremos realizar essa urgente e necessária ação sem a possibilidade da educação que atua para a formação de pessoas críticas ao racismo, ao machismo, à homofobia e às diversas formas de opressão.

Ao lambuzar com o verniz da “disciplina” práticas de assédio moral e até sexual contra mulheres e meninas, a militarização das escolas públicas do DF escancara que este é um projeto falido, pelo menos para quem pensa em uma educação que crie possibilidade de transformação da vida das pessoas e do mundo, o que jamais poderá ser feito diante de práticas que pretendem calar as mulheres ou, no mínimo, não lhes dar voz.

É por isso que nós, educadoras, mais do que nunca, temos que ter ciência e consciência do que é a militarização das escolas e da sua ineficácia para a qualidade da segurança pública. Temos que exigir do GDF ações que, de fato, sejam eficazes no enfrentamento à violência, mas pela raiz; e não apenas aceitar projetos que trazem um falso sentimento de segurança à população, mas, na prática, impõem ainda mais medo para a comunidade escolar.

*Vilmara do Carmo é professora de História da rede pública de ensino do DF, coordenadora da pasta de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF e militante da Marcha Mundial das Mulheres