12º CTE: Estado e religião não se misturam

Numa mesa emocionante, representantes de diversas religiões foram unânimes em afirmar que Estado e religião não se misturam; o que a educação deve oferecer é um trabalho pedagógico que aproxime a todos os seres humanos para atingirmos a equidade. Participaram da mesa “Educação Laica e Diversidade religiosa versus fundamentalismo religioso”, o padre Júlio Lancellotti, o pastor Ariovaldo Ramos e Kota Mulanji.

Padre Júlio Lancellotti abriu o debate explicando que o processo educativo tem um segredo: o principio fundamental para o processo educativo é a convivência. Só aprendemos convivendo. Se você não convive, você não ama, não defende, não partilha. Precisamos reaprender  a termos compaixão, partilha, misericórdia e empatia. Esses sentimentos não são dimensões religiosas, mas dimensões humanas. Padre Júlio criticou líderes religiosos que se valem do discurso religioso para manipular as pessoas, promover homofobia, racismo, tantos títulos e nenhum deles digno.  “Não temos que buscar sermos religiosos, temos que buscar sermos humanizadores e humanizados no relacionamento humano. As dimensões humanas da vida não são privativas das religiões que, por sua vez, são um instrumento, e não um fim.” Para ele, o grande desafio para os educadores é como levar essa humanização para a vivência pedagógica, de maneira a formar pessoas capazes de empatia, misericórdia e compaixão.

Também lembrou Padre Júlio que o individualismo tira de nós a capacidade de um olhar com empatia, misericórdia e compaixão, numa sociedade tão desigual como a nossa. O capitalismo neoliberal tem a lógica do descarte. É impossível humanizar o capitalismo, que por si só é desumano, porque ele não leva em conta a vida, e sim a meritocracia. Ao afirmar que o ato educativo deve estar divorciado da meritocracia, e indagar o que significa  solidariedade numa estrutura genocida de um estado necrófilo, Padre Júlio recordou que “certa vez um secretário de educação de São Paulo me mostrou todos os projetos para os melhores alunos. E eu perguntei: E com os piores, o que você faz?”

Padre Júlio falou ainda que temos que lutar historicamente contra o sistema necrófilo de dominação, que está com o joelho na garganta do nosso povo, principalmente dos pobres. “Nessa sociedade racista que despreza os quilombolas, que mata a juventude negra, que é LGBTfóbica, machista, xenófoba, aporófoba  (hostilidade aos pobres e à pobreza) e misógina. São tantos títulos, nenhum elogioso. São sintomas de desumanização, próprios desse sistema.”

Padre Júlio finalizou sua fala de forma emocionante, lembrando que “Todos somos originais e diferentes. Temos que ser equitativos: cada um deve receber aquilo de que necessita. Não lutamos pelo povo, lutamos com o povo. Eu não luto para vencer, luto para ser fiel até o fim, porque sei que muitas vezes serei derrotado, mas serei coerente até o fim.”

O pastor Ariovaldo começou sua fala destacando que o Brasil tem a marca da religiosidade. São séculos sob uma cultura religiosa que apoiou o escravismo e abriu espaço ao capitalismo em suas várias manifestações. O pastor defende que educação religiosa num estado laico é uma impossibilidade. “O estado não pode se envolver com educação. Ou o estado é laico ou ele promove educação religiosa. Se é importante promover educação religiosa, que isto seja função de cada congregação religiosa. Educação religiosa promovida pelo estado é injustiça e ausência de igualdade.”

A sugestão do pastor é que o espaço da educação religiosa seja usado pelo estado para a construção de um programa de aprimoramento dos direitos humanos. Um espaço em que haja aproximação de todos os humanos para atingirmos um estado de equidade, no qual todo o racismo e toda forma de segregação sejam banidos. Isso é um trabalho pedagógico. O que estamos assistindo ao longo de vários anos é um atentado à laicidade do estado. Na prática, a educação religiosa se torna proselitismo, e isso não pode nem deve ser feito a expensas do dinheiro público. O que estamos presenciando é um governo que lança mão da religião com fins eleitoreiros e alienantes. São pessoas que se prestam a ser ópio do povo. Ele concluiu afirmando que todas as fobias citadas pelo Padre Júlio Lancellotti precisam ser tratadas num espaço para a construção da civilização, e não para abrigar esta ou aquela religião.

A última palestrante a fazer o uso da palavra foi Kota Mulanji, que lembrou do apagamento da história dos povos de origem africana ao longo dos séculos. Para a líder (e autoridade) religiosa, quando se pensa num outro Brasil possível, não se pode aceitar que esse novo Brasil tenha em sua estrutura o racismo, a desigualdade de gênero, tampouco que ele seja estruturado a partir da morte das ideias e dos povos originários. O novo Brasil possível, segundo Kota, deve ser pensado a partir do matriarcado, com a participação de todos. Ela lembrou que “apenas 2% da população brasileira é praticante de rituais religiosos de matrizes africanas, e esses 2% sofrem 70% dos atos violentos de intolerância religiosa. Não vamos ter estado ou educação laica se continuarmos com o projeto político em curso, que marginaliza aqueles que pensam de forma diferente.”

O discurso de Kota Mulanji contemplou em cheio a manifestação de uma das delegadas inscritas para falarem após os palestrantes. Muito nervosa, a professora aposentada Regina Célia começou explicando que, em 43 anos de sindicalizada, era a primeira vez que ia falar num evento do sindicato. Foi ovacionada. Emocionada, Regina lamentou profundamente não poder usar branco numa sexta-feira com medo de ser chamada de macumbeira. Também lamentou, aos prantos, que sua filha, no sul do Brasil, fosse discriminada pela diretora da escola em que trabalha quando levava comidas tradicionais para serem partilhadas com os colegas. A diretora vira as costas para a professora e diz que é comida do diabo. Ainda aos prantos, Regina Célia também lamentou profundamente ver seu filho vítima de homofobia.

Ao final de sua fala, diante de um auditório absolutamente emocionado que lhe ovacionava de pé, a professora Regina Célia foi abraçada longamente pelos mediadores da mesa, os diretores do Sinpro Márcia Gilda e Cléber Soares. Ao descer do palco, ela também recebeu um abraço em grupo de vários diretores do Sinpro.

O 12º CTE continua nesta sexta-feira com a mesa sobre a tragédia da fome. Mais tarde, teremos a posse da nova diretoria colegiada do Sindicato.

Assista, ao final deste post, o vídeo com a mesa “Educação Laica e Diversidade religiosa versus fundamentalismo religioso”.