17 de abril: do massacre de Carajás à luta pelo direito à vida

Abril é um mês simbólico para a classe trabalhadora. Além do Abril Azul, que promove uma campanha de conscientização sobre o transtorno do espectro autista, e do Abril Verde, que enseja a reflexão sobre acidente de trabalho, o quarto mês do ano abraça também o Abril Vermelho, uma jornada anual de lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em prol da reforma agrária e da justiça social.

 

A jornada é deflagrada no dia 17 de abril, uma data intitulada, primeiramente, como Dia Nacional da Luta pela Terra, mas cresceu e ganhou o mundo, tornando-se o Dia Internacional da Luta dos Camponeses e das Camponesas. Trata-se de uma data que marca a memória da maior chacina de trabalhadores rurais sem terra dos últimos 40 anos: cercados pela Polícia Militar do Pará, 21 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados com seus próprios instrumentos de trabalho e executados com tiros na cabeça.

 

O crime aconteceu no dia 17 de abril de 1996, numa quarta-feira, por volta das 16h. Latifundiários e políticos grileiros usaram o aparato público da Polícia Militar para armarem a tocaia com mais de 100 policiais militares, que atacaram, com requinte de crueldade, cerca de 1,5 mil pessoas que estavam acampadas na curva do S, em Eldorado do Carajás, sudeste do Pará. Os camponeses(as) realizavam um ato público pacífico, uma marcha que iria até Belém, pela desapropriação da fazenda Macaxeira, ocupada por 3,5 mil famílias sem-terra. Na pausa da caminhada, iniciada no dia 10 de abril, a PM interrompeu a marcha com tiros e ataques aos manifestantes.

 

O caso ficou conhecido mundialmente como o Massacre de Eldorado do Carajás. E, a PM do Pará entrou para a história do Brasil reduzida à milícia de alguns grileiros e políticos fora da lei. Segundo relato do MST, 155 PM estiveram envolvidos no ataque que deixou 21 camponeses mortos, 19 no local do crime, e, outros dois, que faleceram no hospital.

 

Matemática: a intersecção e união da luta dos sem-terra com a dos professores

“O 17 de abril é um dia triste da nossa história que a gente relembra o massacre de Eldorado dos Carajás, mas é também um dia de reflexão para o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras. É um dia em que precisamos pensar e entender o quanto deixamos de avançar ao longo dos anos e dos séculos com o freio na história dado pelo golpe de 2016. Se, por um lado, o governo Bolsonaro faz reformas que subtraem direitos e são contra a classe trabalhadora, por outro, não faz a reforma que deveria, que é a reforma agrária”, analisa a diretoria colegiadas do Sinpro-DF.

Cleber Soares, diretor do sindicato, afirma que a reforma agrária é a reforma capaz de garantir direitos à classe trabalhadora e à sociedade brasileira. “Ela é a única com condições de garantir o direito a uma alimentação com mais qualidade, digna, num preço menor, assegurando o acesso à comida de qualidade a todos e todas. Nesse sentido, a nossa briga como trabalhadores e trabalhadoras da educação é muito parecida com a dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. Queremos uma educação melhor, com qualidade social; que todos e todas tenham direito ao acesso à escola de qualidade, enfim, temos o mesmo sonho, partilhamos da mesma luta e compartilhamos do mesmo sofrimento e dos mesmos ataques”.

 

Soares observa que o sonho da categoria do Magistério Público se encontra com o dos trabalhadores rurais sem terra em vários momentos. “O nosso sonho é, simplesmente, para que as pessoas possam viver. É o direito à vida, à sociedade. O direito a ter um futuro e um presente. O direito a reparar um passado de tantas subtrações e carências. A educação pode, potencialmente, criar a consciência crítica e os companheiros trabalhadores e trabalhadoras sem-terra que estão na luta acabam, de alguma maneira, ajudando a criar, na consciência das pessoas, na reflexão dos que estão aqui, a compreensão de que é preciso fazer alguma coisa e ter consciência. Quando eles vão à luta, não é só mais um capítulo triste da história do Brasil, mas é um emblema de uma parte da classe trabalhadora que não desistiu de sonhar”.

 

Marco Barato, dirigente do MST com atuação no Distrito Federal e Entorno, informa que o derramamento de sangue na história da luta pela terra no Brasil só diminuiu entre os anos de 2003 e 2015, quando foram criados os assentamentos e algumas políticas agrícolas e agrárias para assentar homens e mulheres no campo. Todavia, depois do golpe de Estado de 2016, quando o governo Michel Temer desmontou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e, sobretudo, após a eleição de 2018, quando o governo Jair Bolsonaro militarizou o instituto, a luta pela terra retornou aos cenários violentos da segunda metade do século XX, quando alguns fazendeiros entenderam que as terras brasileiras são propriedade deles.

 

Desmonte do Incra

“No governo Bolsonaro, nenhum latifúndio improdutivo foi desapropriado. O Incra foi desmontado no governo Temer e, militarizado, no governo Bolsonaro, que nomeou, para a Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Fundiários do órgão, o pecuarista Luiz Antônio Nabhan Garcia, fundador da União “Democrática” e Ruralista (UDR), criada no Pontal do Paranapanema, em 1985, como braço armado do latifúndio e dos grileiros com capangas, jagunços e milícia para combater os movimentos sociais pela democratização do acesso à terra naquela época”, denuncia.

 

Nabhan Garcia já teve de prestar esclarecimentos à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, no início dos anos 2000, por porte ilegal de armas, contrabando e organização de milícias privadas na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo. O indivíduo apoia o desmatamento da Amazônia. Apesar do histórico negativo, a bancada ruralista é uma das maiores bancadas de extrema-direita eleitas, em 2018, para o Congresso Nacional. Ela apoiou a reforma da Previdência, o golpe de 2016, aprovou as emendas constitucionais que retiram direitos, entre outras, e legisla em favor dos seus próprios interesses.

 

MST desmente Bolsonaro

Marcos conta que desde que o Incra foi desmontado não assenta nenhuma família e que o MST teve de desmentir uma nota do governo Bolsonaro, divulgada no dia 1º de fevereiro deste ano, em que dizia ter assentado, ao longo de 2020, 3.813 famílias e que os estados com mais camponeses beneficiados, segundo a autarquia, teria sido Mato Grosso, com 693 famílias, e, Goiás, com 425. O MST não só desmentiu a nota como denunciou o despejo de famílias acampadas e assentadas em várias regiões do País em plena pandemia.

 

Em fevereiro, o MST informou que o número divulgado, ainda que fosse verdade, seria por si só, irrisório perante a necessidade de mais de 80 mil famílias que precisam de terra em todo Brasil. Dados do próprio Incra mostram que o total de famílias assentadas caiu 29% em relação a 2019. “O que o governo Bolsonaro chama de reforma agrária é o reconhecimento e/ou reposição de famílias que já vivem em áreas e lotes desapropriados”, informa o MST.

 

No Abril Vermelho de 2021, o que se tem é o aumento da fome que tem reforçado a luta por reforma agrária. O MST lembra que o governo Bolsonaro (ex-PSL) paralisou a tramitação de 413 processos de desapropriação que estavam em andamento e que o Incra abandonou 187 processos autorizados pelo Judiciário para imissão de posse – casos em que o comprador possui contrato de compra e venda, mas não registrou o documento em cartório imobiliário.

 

O movimento também tem criticado e denunciado o lançamento do programa Titula Brasil, “que cria novos entraves para a democratização do acesso à terra, priorizando a titulação e a entrega das terras públicas e incentivando a grilagem”, denuncia. Abril Vermelho é também uma jornada no tempo para lembrar que a luta da classe trabalhadora do campo e da cidade é única: é a luta pela vida.

 

 

A ONG Repórter Brasil lançou, em fevereiro um documentário intitulado “Parou por quê?”

 

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