Ideb: meritocracia ou gestão democrática?

Em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que os maiores problemas atuais da humanidade poderiam ser resolvidos em 15 anos e estabeleceu oito Objetivos do Milênio (ODM). Os 189 países signatários firmaram o compromisso de combater a extrema pobreza, o analfabetismo e outros males sociais. Por ordem de prioridade, acabar com a fome e a miséria e oferecer educação básica de qualidade para todos foram, respectivamente, classificados como primeira e segunda prioridade.
O governo brasileiro se prontificou a pôr essas demandas em dia no prazo estipulado e instituiu os Oito Jeitos de Mudar o Mundo. Na área de educação, nos primeiros anos de cumprimento dessa determinação, o desempenho do Brasil ficou limitado ao enunciado. De forma restrita, ofereceu apenas o ingresso dos analfabetos na educação básica de qualidade para todos. Apesar de ter conseguido pôr 97% dos brasileiros no ensino fundamental, mais da metade foi qualificada como mal alfabetizada.
Sem condições financeiras de prosseguir nos estudos porque a maior parte da população estava relegada à extrema pobreza, a maioria que ingressou no ensino fundamental continuou semianalfabeta – ou seja, sabia ler, mas não entendia o que lia. O efeito disso é refletido até hoje. Esse analfabetismo funcional permeia todos os níveis educacionais, incluindo aí a universidade, local em que é possível encontrar estudantes que não entendem o que leem. O mercado de trabalho também repercute esse tipo de problema com mão de obra sem qualificação.
Esse quadro começou a mudar nos últimos doze anos, quando os três últimos governos investiram pesado nas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria, na ampliação da oferta de educação para essa camada da população historicamente excluída das escolas e na interiorização da educação em todos os níveis de graduação. Em 2010, o governo fechou a fábrica do analfabetismo. Uma emenda constitucional aprovada em 2009 obrigou o Estado a ampliar o acesso à educação básica – da pré-escola ao ensino médio. Antes, a obrigação era meramente limitada ao atendimento da diretriz da ONU de ofertar apenas o ensino fundamental.
Com essa alteração, o Estado passou a ter a obrigação de proporcionar à população de 4 a 17 anos o acesso ao ensino médio também. Um ano após a aprovação da emenda, o governo editou o Decreto n° 7.084/2010, que o obriga a prover as escolas públicas de educação básica (ensino médio e fundamental) de todo o material didático necessário aos estudantes. Isso elevou a qualidade do ensino oferecido a fim de acabar com o analfabetismo funcional. No bojo da criação e aplicação das políticas públicas na área de educação, o governo adotou, também como política da ONU/Unicef, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a iniciativa também segue determinação das Nações Unidas. Dentre seus objetivos, destaque para o compromisso que visa a levar o Brasil a integrar as nações com bons Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo. O Ideb é uma ação pioneira que reúne em um único indicador conceitos importantes para identificar qualidade na educação, tais como fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações.
O conteúdo meritocrático contido no seu conceito não deve extrapolar o mero objetivo de instrumento idealizado para agregar ao enfoque pedagógico os resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do instituto.
Deve permanecer como um dos instrumentos do governo de criação e de aperfeiçoamento das políticas educacionais a fim de se atingir os ODMs e não uma forma de introduzir nas relações trabalhistas a gestão por resultados na área de educação, a bonificação, a produtividade e, finalmente, a mercantilização da educação. Na avaliação de Júlio Barros, diretor-coordenador da Secretaria de Organização e Informática do Sinpro-DF, o IDEB é tão-somente um mecanismo inacabado destinado a avaliar a qualidade da educação básica.
“O processo de avaliação é importante para mensurar e diagnosticar os problemas da qualidade de ensino. Porém, ao restringir elementos que integram ou interagem com os conceitos de qualidade na educação, o IDEB fica extremamente limitado e fornece resultados duvidosos. Para aferir com maior eficácia os níveis de qualidade de ensino são necessários observar conceitos como políticas pedagógicas, financiamento, currículo, formação, salário, saúde e fundamentalmente Gestão Democrática”, avalia Barros.