Greve com causas

A reportagem do Correio Braziliense do dia 08 de março de 2009, intitulada “GREVE SEM CAUSA” colocou em destaque um embate que não se restringe ao momento presente, mas faz parte de uma histórica luta entre os que jogam contra uma educação de qualidade sociocultural e os que jogam em favor de uma educação que promova a vida digna para todos.
Indubitavelmente o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (SINPRO-DF) sempre teve uma história de luta em favor da melhoria da educação, inclusive na defesa ética do valor dos educadores e educadoras que não apenas formam crianças, jovens e adultos, como devolvem à sociedade, às empresas, aos cargos públicos e particulares o resultado de uma longa caminhada da sala de aula, do árduo trabalho administrativo-pedagógico e de um compromisso social inerente ao papel da escola como instituição social.
Greve com causas tem a pretensão de contrapor ao “Greve sem causa” a partir de um lugar muito concreto: o de um educador que vê e sente na carne os mais diversificados problemas educacionais e, ousadamente, traduz a indignação de milhares de professores(as) que vivem a mesma vida e a mesma morte Severina.
Obviamente, toda a luta dos professores (as) em qualquer Estado brasileiro, particularmente no Distrito Federal, tem múltiplas causas, a começar pelo cenário de desprezo das escolas públicas: sucateamento, ausência de recursos tecnológicos, salas superlotadas, falta de carteiras para alunos, violência dentro e fora da escola, ataque aos professores ( física, psicológica, simbólica), plano e saúde moribundo, plano de moradia só no papel e etc.
A luta pela melhoria do Plano de Carreira dos Professores (as) do Distrito Federal é ampla, portanto a reivindicação de espaços condizentes, de segurança no trabalho, de recursos apropriados às necessidades do mundo contemporâneo e o respeito pelo profissional da educação estão estreitamente vinculados à luta pela melhoria salarial.
Há uma contradição e uma incoerência ético-política ao dizer “Greve sem causa”. É um discurso contraditório, porque greve é causa e consequência se considerarmos o contexto como tal. Enquanto conseqüência, decorre da truculência e intransigência das lideranças políticas (governo) que descumpre a Lei e desrespeita acordos. A greve, neste sentido, é um instrumento-limite diante de uma opressão institucional. É causa enquanto instrumento de luta diante das barreiras que impedem a afirmação de direitos. É incoerente porque quem publica um texto afirmando “greve sem causa” sabe muito bem que toda luta tem uma causa, melhor dizer, causas. Nenhuma pessoa em sã consciência consegue negar a relação de causa e efeito. Se o governo fez um acordo e o legitimou com pessoas sérias(Sindicato e categoria dos professores) e, no decorrer do tempo, passa por cima de acordo e da Lei, obviamente, pela própria natureza crítica, propositiva e emancipatória do educador(a), uma reação seria inevitável.
A equipe do Correio (Liliamn Tahan e Elisa Tecles), estão situadas em duas situações: produtos e produtoras. Não dá para pensar ingenuamente que a envergadura e o desdobramento da reportagem tenha apenas um significado subjetivo. Trata-se de uma linguagem carregada de poder, ainda que produzindo um efeito contrário, o que revela ter brotado de um contexto bem concreto: o da defesa de interesses particulares. Uma questão é fundamental neste processo de embate ético-político, por vezes jurídico: a equipe citada jogou contra ou a favor da educação? Certamente, quando se joga contra uma coletividade, particularmente os professores (as), ataca-se a educação com toda a sua significação de pessoa, de sociedade e de mundo.
Crime de lesa-futuro? Ora, se lutar por causas justas é lesa-futuro, qual o significado da educação que tem como princípio a promoção da cidadania como exercício e não apenas como discurso? Como ensinar ao aluno (a) que o exercício da cidadania se conquista por meio da luta, do compromisso social e do engajamento se o professor (a) que tem esses princípios é considerado lesa-futuro? As orientações curriculares para o Ensino Médio, por exemplo, da própria Secretaria de Educação do DF propalam a necessidade de uma atuação consciente, comprometida e crítica dos alunos. Está prerrogativa só se veicula quem a tem e exercita, portanto, negar a luta dos professores é colocar por terra argumentos contidos em orientações curriculares e outros documentos.
É inegável que Sindicato dos Professores do Distrito Federal exerce o seu papel com inteira responsabilidade, senso ético e principalmente com o desejo de fazer valer a Lei, o acordo já firmado e o respeito à categoria dos professores que merecem um tratamento respeitoso e condigno com a sua função.
Nesta perspectiva, tudo indica que uma possível greve não terá o mínimo sentido de “lesa-futuro”. Terá sim, um significado singular dentro de uma trajetória histórica de luta, compromisso e enfrentamento.
Lesa-futuro tem a ver, sim, com a imagem construída negativamente pelas lideranças políticas, via experiência de (corrupção). É a corrupção que produz um lesa-futuro. É a centralização dos bens de maneira egoística que é lesa-futuro. Quando se pergunta a um adolescente o que vai ser quando estiver adulto, diz “ser um político, porque este pode roubar”. É essa auto-imagem construída negativamente por meio da falta de escrúpulo de muitas lideranças políticas que é lesa-futuro, comprometendo o presente e o futuro não só de adolescentes e jovens, mas de toda a sociedade. Qualquer pessoa que ocupa o poder público com feição nazi-facista e corrupta não é apenas “lesa-futuro”. É sobretudo “lesa-presente”, mas o que fica de lição de tudo isso?
Se o pensamento de Platão vive, há que fazer memória revolucionária de seu pensar, quando disse que a linguagem é um “pharmakon, ou seja, um remédio, um veneno ou um cosmético”.
Para entender essa expressão Platônica, basta observar o veneno que saíram das palavras (escritas), ora ditas e não-ditas no contexto a que se propõe avaliar. Se para a equipe do Correio Braziliense, o ataque aos professores (as) do DF significou algo positivo, para os professores (as) revelou um veneno produzido e ingerido pelo próprio produtor. Da mesma forma, a linguagem repleta de maquiagem da realidade surtiu um efeito contrário, abriu horizontes e se transformou em remédio.
Tudo leva a crer que cada palavra proferida por quem atacou com veemência o direito dos professores (as) se tornou uma ferramenta para realimentar a indignação e mobilizar para transformar…

Cristino Césareo Rocha – professor e escritor.