Celular em sala de aula: limite extrapolado?

As redes sociais extrapolaram a barreira dos lares e chegaram às salas de aula. Se anos atrás o uso do celular no momento do estudo já era considerado um problema, agora, o equipamento permite o acesso ao Facebook e a aplicativos de mensagens instantâneas, como o  Whatsapp. E a situação  tem dado dor de cabeça aos docentes. Mesmo conscientes da proibição, muitos alunos insistem em usar os aparelhos, o que tem ocasionado graves problemas disciplinares e até de rendimento.  Com tantos recursos, os eletrônicos ganham fácil dos professores quando o assunto é atrair a atenção em sala de aula, tirando o foco do que realmente importa: o aprendizado.
Em uma escola de Águas Claras, um desentendimento envolvendo um grupo de alunos que utilizava o Whatsapp causou transtornos a estudantes, pais e educadores, na semana passada.  De acordo com o pai de uma das alunas,  a filha, de 11 anos, entrou em um grupo virtual de alunos do colégio. Após alguns dias, no entanto, o grupo começou a aumentar, e estudantes de outras faixas etárias foram convidados. Um deles teria chamado a sua filha para sair e, diante de uma negativa da garota, o rapaz resolveu se vingar encaminhando a foto dela a outros jovens, com frases pejorativas.
Direção
Inconformado, um amigo da garota resolveu tirar satisfações com o adolescente e a situação foi parar na direção. Pais    precisaram ser chamados. As provocações cessaram, mas deixaram uma dúvida no ar. Até que ponto o uso das redes sociais na escola é saudável para o desenvolvimento psicológico e intelectual? E, mais do que isso, até onde é responsabilidade da escola?
Luiz Gustavo Mendes, diretor do colégio Marista Champagnat, em Taguatinga Sul, conta como a escola tem lidado com a situação. “Acreditamos que as redes sociais são importantes e devem ser utilizadas como um meio de auxílio a aprendizagem. Usar de maneira banalizada, porém, não é prudente. Temos estudado sobre o assunto e em alguns momentos liberamos a utilização orientada pelo professor. Paralelo a isso temos redes internas, que possibilitam o diálogo entre mestres e alunos”, afirma.
Segundo o educador, de maneira geral, as escolas ainda não estão preparadas para utilizar essas ferramentas em sala. “Muitas vezes até os professores têm dificuldade porque não nasceram no  contexto tecnológico atual e ainda não estão tão adaptados a ele quanto os alunos”.
Reflexo negativo no rendimento
Uma pesquisa da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, em 2013, mostrou que o uso de celulares nas escolas atrapalha, e muito, na assimilação dos conteúdos. Durante a pesquisa, 777 alunos, de seis universidades, foram ouvidos e o resultado é surpreendente.
Segundo o levantamento, publicado no Journal of Media Education, mais de 80% dos entrevistados admitiram usar eletrônicos durante as aulas, o que interferiu negativamente no seu aprendizado a ponto de piorar  as notas.
De acordo com os questionários, apenas 8% não mexiam nos aparelhos em sala. Entre os demais, 35% os usavam de uma a três vezes ao dia; 27%  de quatro a dez vezes; 16%  de 11 a 30 vezes; e 15% mais de 30 vezes durante as lições.  Em relação ao objetivo da utilização, 86% disseram que conversavam por texto, 68% checavam e-mails,  67% olhavam as horas, 66% visitavam as redes sociais; 38% navegavam na internet e 8% jogavam algum tipo de game durante as aulas.
Mais de 25% dos alunos admitiram já ter perdido pontos na nota por causa do uso de aparelhos em sala. Ainda assim, a grande maioria minimiza o problema. Para 95%, o hábito de utilizar eletrônicos na aula não é um problema grave. E mais de 90% são contra alguma regra que condene celulares e afins nas escolas.
Proibição
No Brasil não é diferente. Aqui, como no exterior, o problema começa  no Ensino Fundamental,  a partir dos 6º e 7º anos.  No Centro de Ensino 2 de Taguatinga,  conhecido como Centrão,   o uso do celular em sala   é proibido. Há avisos nas paredes  fazendo menção à Lei Distrital 4.131/08, que determina a proibição “do manuseio e utilização do aparelho celular dentro da sala de aula, bem como mp3 ou qualquer outro aparelho eletrônico”.
Wellington Rodrigues,   17 anos, cursa o 7º ano  e admite que o celular em sala provoca distração. “Na sala de aula não é legal, mas acho que poderia ser um pouco mais flexível. Também não podemos dar nem uma olhadinha”, conta.
Sua colega, Leidyane Silva,   15, do 6º ano, acha que tudo é uma questão de bom senso. “Poderia ser mais flexível, desde que os alunos soubessem utilizar. Nunca tive problemas com isso porque não fico com o celular na mão toda hora”, garante.

Nem dentro nem fora da sala
Para evitar maiores transtornos, muitos colégios particulares também resolveram proibir o uso dos aparelhos celulares durante as aulas. É o caso do colégio Olimpo, em Águas Claras. Ali, os alunos não podem usar os celulares nem nas dependências da escola. Segundo o diretor do centro de ensino, Ney Marcondis, essa é a filosofia do grupo desde a sua criação, em 2008.
“O celular em sala tira o foco do que está sendo ensinado. Fornecemos todo o material necessário impresso, justamente para que os alunos não precisem fazer pesquisas na internet. Além disso, caso o acesso ao conteúdo on-line seja indispensável, temos um laboratório de informática”, diz.
Quando um estudante é pego utilizando o celular, ele é imediatamente encaminhado à coordenação. “Em um primeiro momento eles não gostam. Mas depois acabam admitindo que os eletrônicos tiram a atenção e atrapalham o rendimento”, comenta.
Wi-fi no pátio
 
Segundo o vice-diretor do  Centro de Ensino 2 de Taguatinga, Murilo Marconi (foto), como a escola  oferece o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), o sinal wi-fi é livre no pátio. “No EJA, os alunos não têm aula em tempo integral. Muitas vezes eles  ficam com horários vagos, por isso disponibilizamos o acesso à internet. Para que não haja conflito de interesses, nos preocupamos em separar até os laboratórios de informática. Existe um especificamente para  pesquisas e outro onde as redes sociais são liberadas”. Assim,  o aluno que insistir em usar o celular dentro da sala de aula  é encaminhado à direção.
Aluno responde
Cairo Lucas, de 15 anos, é aluno do 2º ano do Ensino Médio  e concorda com o diretor. “Na sala de aula não é ideal. Já estudei em colégios que permitiam o uso regrado do celular e realmente gerou um descontrole do professor perante os alunos. Aqui no Olimpo só podemos usar o celular no intervalo e o pessoal já se adequou. Também há muita fiscalização por parte dos funcionários da escola, eles não permitem que saiamos da linha. Mas fora da sala não vejo problemas. Na nossa turma temos um grupo de estudo, onde trocamos informações e tiramos dúvidas, que funciona muito bem”, conta.
Tablets
No Centro Educacional Sigma, em Águas Claras, o uso de aparelhos eletrônicos em sala também é  terminantemente proibido. O colégio utiliza livros digitais, disponibilizados em tablets, tornando eventuais acessos à internet para pesquisas desnecessários.
Caso o aluno seja pego utilizando o aparelho, ele é encaminhado à coordenação. Se, por motivos de força maior, o estudante precisar usar o telefone, para contato   com pais ou responsáveis, ele é convidado a fazer a ligação na direção, com o aparelho da escola.
Unesco incentiva
A Unesco faz dez recomendações para a implementação adequada dos recursos na escola: criar ou atualizar políticas ligadas ao aprendizado móvel; conscientizar sobre sua importância; expandir e melhorar opções de conexão; ter acesso igualitário; garantir equidade de gênero; criar e otimizar conteúdo educacional; treinar professores;  capacitá-los usando tecnologias móveis; promover o uso seguro e saudável; e usá-las para  a comunicação e a gestão escolar.
Saiba mais
E é bom as escolas se prepararem, pois o número de aparelhos celulares no DF continua aumentando. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), até abril, a capital tinha 4,7 milhões  linhas pré-pagas e outras 1,4 milhão  pós-pagas. No mesmo período do ano passado, havia exatamente 254.740 mil aparelhos a menos no DF.
Vale lembrar que basta ter uma linha, seja ela pré ou pós-paga, para comprar um pacote de internet junto à operadora. Isso sem contar   os jogos, aplicativos de música, edição de fotos e vídeos, que já vêm no celular
(Do Jornal de Brasília)