Violência contra professores: a epidemia silenciosa que ameaça a educação pública

Quando uma/um professora/o é xingada/o em sala, agredida/o verbalmente no corredor ou ameaçada/o por família de aluno/a, esses episódios chocam, mas raramente aparecem para o público. Uma recente pesquisa do Observatório do Estado Social Brasileiro mostra que estes casos fazem parte de um padrão. A violência contra docentes na educação básica tornou-se uma epidemia, nascida de condições estruturais do sistema educativo brasileiro.
Segundo o estudo “Razões da epidemia de violência contra professoras e professores do Ensino Básico brasileiro” (link para o estudo completo), coordenado por Tadeu Alencar Arrais e equipe, a violência que atinge professores/as vai muito além dos casos isolados de agressão física.
O que se observa é que as razões para tais atos já se transformaram em uma cultura de desrespeito e precariedade que contamina o cotidiano escolar em múltiplas formas: psicológica, simbólica (desvalorização, humilhação ou opressão) e institucional.
Para o presidente da CNTE, Heleno Araújo, o contexto vai além do ambiente escolar: “O cenário no mundo é de muitas violências. Penso que o avanço da extrema direita aos poderes executivos e legislativos, a pauta contra os avanços de direitos sociais para a maioria da população e as insistentes ações para que todas as pessoas tenham acesso e sucesso na educação escolar, são alguns dos motivos desta ‘epidemia’ da violência contra professoras e professores”.
Para muitos(as) professores(as), o trabalho é uma soma de turnos em diferentes escolas, contratos temporários, turmas numerosas e infraestrutura deficiente. Somando-se a isso, há a pressão de metas avaliativas e inspeções externas que desencorajam a autonomia profissional. Esses fatores criam um ambiente opressor, no qual a violência — mesmo não física — é vivida e normalizada.
Além disso, muitos casos de hostilidade ou discriminação não chegam a ser denunciados por medo de retaliação, por não reconhecimento do ato como violento ou por ausência de canais institucionais eficazes de acolhimento. Sobre isso, Heleno comenta: “Todas estas formas de violência chegam ao conhecimento da CNTE e buscamos divulgar, apoiar as professoras/es e insistir em envolver todas as pessoas que estão dentro e ao redor da escola”.
Perfil dos educadores
A pesquisa aponta que a categoria docente é majoritariamente feminina (cerca de 78 % no ensino básico). As mulheres, historicamente mais vulneráveis nas relações de trabalho e sujeitas a expectativas sociais adicionais, acabam enfrentando um ônus maior de desgaste. Muitos professores lecionam para até 9 ou 10 turmas por semana, atendendo centenas de alunos, sem infraestrutura adequada ou apoio institucional. Alguns acumulam empregos para manter uma renda digna, o que amplia a fadiga e fragilidade frente a conflitos ou situações de risco.
O estudo associa diretamente a “epidemia” de violência à adoção de políticas de austeridade e à lógica de gestão educacional neoliberal, com foco em metas e competição entre escolas. Essa lógica, segundo o relatório, transforma a avaliação em uma “gincana” e reduz o professor a alvo de cobranças externas. Heleno acrescenta: “Na escola e para a escola é necessário repensar o processo de avaliação e estimular a prática cidadã e democrática nos espaços escolares e dos sistemas de ensino”.
Outro elemento central é o papel da rede privada de ensino: longe de ser um “refúgio”, ela aparece como se estivesse devolvendo ao mercado condições de trabalho inseguras e salários baixos desde o início da carreira docente.
Consequências visíveis e invisíveis
Docentes expostos a esse contexto relatam sintomas constantes de adoecimento: desgaste psicológico, estresse, ansiedade e depressão. Alguns chegam a se afastar ou desistir da profissão. Para muitos(as) professores(as), o simples fato de entrar em sala de aula torna-se uma jornada emocional exaustiva, marcada por medo e insegurança, o que acaba afetando sua relação com os alunos e o ambiente de ensino.
Em março de 2023, um ataque com faca na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, chocou o país: quatro professoras e um aluno foram feridos; uma professora morreu. O autor? Um aluno de 13 anos. Esse episódio escancara o que muitos professores enfrentam nos bastidores: hostilidades contadas aos colegas, ameaças veladas, sobrecarga emocional. Ele coloca em evidência a urgência em ressignificar a escola não como território da violência, mas como espaço de convivência e respeito.
O que pode ser feito
O relatório sugere que enfrentar essa “epidemia” exige intervir nos alicerces da política educacional:
- Valorização docente efetiva: salários justos, plano de carreira, garantia de direitos.
- Infraestrutura decente nas escolas: espaços adequados, segurança, apoio pedagógico.
- Políticas de gestão participativa: que devolvam autonomia ao professor e reduzam a pressão por metas punitivas.
- Canais formais de denúncia, acolhimento e proteção: para professores vítimas de violência (física, psicológica, simbólica).
- Formação em mediação de conflitos, práticas restaurativas e promoção de cultura de paz no ambiente escolar.
O presidente da CNTE reforça: “Promovendo o fim das violências institucionais, ou seja, cumprir as leis existentes para garantir o direito à educação e a valorização dos/as profissionais da educação. Estimular as medidas e ações que desenvolvam a cidadania e a prática democrática. Temos a tarefa de organizar os segmentos escolares, fazer com que a escola seja dirigida pelo Conselho Escolar, que o Projeto Político Pedagógico da escola seja aprovado em assembleia escolar. Aplicar as leis educacionais existentes de forma plena por todos os entes federados é o caminho para enfrentar essa epidemia”.
A violência contra professores no Brasil não é um episódio isolado, é sintoma de um problema muito maior. Enquanto persistirem as condições estruturais de precariedade e desvalorização, cada episódio de hostilidade será apenas mais uma de muitos outros invisíveis. O futuro da educação dependerá de como a sociedade decidirá cuidar daqueles que ensinam.
Fonte: CNTE