Violência contra a mulher no campo segue impune
A violência contra a mulher deixou de ser questão de foro íntimo desde que se tornou tema de políticas públicas criadas para enfrentar o problema.
Porém, como destacaram as lideranças de movimentos sindical e sociais em seminários durante a Marcha das Margaridas no estádio Mané Garrincha (DF), nesta terça-feira (11), o problema segue grave no Brasil, especialmente no campo.
Primeiro, destacaram dirigentes como a vice-presidente da CUT, Carmen Foro, porque as agressões não podem ser separadas do modelo machista, patriarcal e capitalista que rege a sociedade. Segundo, porque muitas dessas políticas emperram nos estados e municípios.
O assédio moral e sexual está presente, inclusive, em espaços onde o debate sobre a questão se desenvolve.
“Em 2008, realizamos pesquisa no movimento sindical brasileiro do campo e também constatamos que se pratica muita violência institucionalizada. Porque muitas das vezes não é possível denunciar o presidente do sindicato, porque depois ele responde com a violência política de nos retirar dos espaços onde atuamos”, ressaltou Carmen.
A dirigente defendeu que, para não perder capacidade de transformação, a luta contra o machismo e o patriarcado precisa seguir nos estados e municípios com a mesma intensidade que em Brasília.
Isso, porém, não significa abandonar a pressão sobre o Executivo, criticado por Carmen pelos cortes orçamentários que também atingiram as políticas por igualdade. “Mais de 40% do orçamento da SPM (Secretária de Políticas para as Mulheres) foi cortado, com que política vamos construir uma virada de mesa? E esse é o ministério de menor orçamento da Esplanada, precisamos pressionar para que isso mude”, definiu.
Campo ainda engatinha
Assessora especial da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Raimunda Mascena, apontou para outro exemplo de como a violência nem sempre é tema presente mesmo em grandes mobilizações como a Marcha das Margaridas, que só abraçou a luta por delegacias móveis em 2007.
Como resultado, foi criado um fórum de enfrentamento à violência do campo e da floresta, que pensou diretrizes e ações nacionais. Dessa forma, em 2011, a presidenta Dilma Rousseff anunciou, em 2011, 54 delegacias.
Da mesma forma que Carmen, Raimunda também disse que os avanços topam com a falta de vontade política de estados e municípios.
“Temos hoje criados 22 fóruns estaduais para pensar as unidades móveis, fazer sua programação, todo o processo de articulação e mobilização, mas esbarram no querer dos estados, que não sentam com o conjunto das organizações para decidir sobre isso. No campo, as mulheres estão distantes uma das outras e, em muitos casos, se gritarem vão apanhar mais ainda”, disse.
Municípios e estados omissos
Secretária de Enfrentamento à Violência da Secretaria de Política para as Mulheres, Aparecida Gonçalves, trouxe números alarmantes para mostrar que as agressões continuam em um nível vexatório para qualquer país que pretenda se desenvolver com justiça e igualdade.
Segundo ela, em 2014 foram praticados 500 mil estupros. O Brasil é o 7º colocado no ranking de assassinato de mulheres. Já neste ano, 367 mil mulheres foram vítimas de violência e, por dia, foram relatados, em média, 10 casos de cárcere privado. Números dignos de grande preocupação, mas que, por outro lado, só vieram à tona por conta de um serviço de denúncia, o Disque 180, criado durante o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
A partir de 2003, resgatou ela, a violência contra a mulher virou parte da agenda política, algo que não existia há 10 anos. Ao assumir a presidência, lembrou Aparecida, Lula criou a SPM e deixou claro que eram necessárias políticas de inclusão para pobres, mulheres e negros para combater as desigualdades estruturantes.
Com isso vieram a 1ª Conferência de Políticas para Mulheres, que elaborou um plano de ações para estados e municípios. E já no governo Dilma, um pacto nacional com quatro dimensões – prevenção, atendimento, combate à violência e garantia de direitos – e a definição de cada ente federativo. Também ela ressaltou que sem estados e municípios realizarem suas obrigações, o processo não caminha.
“A União pensa diretrizes e recursos, mas o estado é quem tem de dar conta da segurança pública, por meio da política militar, das delegacias especializadas e as demais, da Secretaria de Justiça, do Sistema penitenciário. E aos municípios cabem a assistência social, a saúde e a educação. Não basta esperar governo federal faça tudo. É importante dizermos qual a responsabilidade de cada um”, criticou.
A secretaria citou ainda da criação da Central de Atendimento à Mulher (2005), a Lei Maria da Penha (2006) e a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), que trouxe à tona a Lei 13.104/2015, do feminicídio, que inclui como homicídio qualificado (passível de pena mais dura) o assassinato de mulheres.
Nada disso será suficiente, avalia, se as políticas não chegarem ao campo e às áreas indígenas e quilombola, se forem tratadas apenas como questões de segurança e saúde e se não houver mudança de comportamento.
“Temos que aumentar a oferta de serviços especializado em 30% dos municípios, mas também pensar numa sociedade que adote uma onda zero de violência contra a mulher, contra todo de agressão, não apenas física, mas também verbal”, afirmou.
Investimento é estratégico
As mudanças os paradigmas deixam claro que, quanto maior as conquistas, maiores os obstáculos, ponderou a representante da União Brasileira de Mulheres, Lúcia Rincon. “As conquistas que tivemos nos colocam como desafio até ano que vem fazer o enfrentamento na rua à política econômica que também irá retirar recursos para políticas brasileiras, para dar aos bancos”, falou.
Como também pontuou a representante da Articulação de Mulheres Brasileiras, Nilde Sousa, a ocupação de espaços continua como essencial na disputa pela igualdade. “O primeiro desafio segue enfrentar o machismo e o patriarcado em todos os aspectos, no Executivo, Judiciário, na igreja e na mídia, que vive naturalizando a violência.”
Autonomia e desenvolvimento
Na mesa que debateu autonomia econômica, trabalho e renda, a invisibilidade das rurais também foi o tema.
As margaridas lembraram que, apesar de o trabalho feito pelas mulheres não ser valorizado, são elas que muitas vezes permitem ao homem a atividade externa. Com o agravante de que a renda gerada não é compartilhada igualitariamente entre os membros da família que ajudam a produzi-lo.
Muito emocionada, a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane Silva, falou sobre o significado de ter autonomia na vida das mulheres e sobre sua visibilidade na sociedade: “É a renda feminina que garante o sustento da família o ano inteiro e se queremos uma sociedade socialista, ela tem que ser feminista, pois o feminismo defende liberdade, igualdade e autonomia”.
Ela destacou ainda que a autonomia também deve ser focada em outros campos da vida – como autonomia sobre o corpo e política. “Em todos esses anos de Marcha já avançamos muito, mas ainda temos muito que conquistar. A participação das mulheres deve ser permanente nos espaços políticos e onde ela quiser”.
As Margaridas disseram ainda que a conquista desta autonomia passam por reforma agrária, educação no campo, combate ao agronegócio, fortalecimento da agricultura familiar, acesso à água, políticas públicas de combate e enfrentamento à violência.