"Sexismo é o grande problema no Brasil", afirma a ativista e cineasta Iara Lee

A ativista e cineasta brasileira e descendente de coreanos Iara Lee acredita que o sexismo resiste no Brasil e é um “grande problema”. Ela faz essa afirmação com a autoridade de quem tem viajado pelo mundo em defesa dos direitos humanos. Essa questão, no entanto, com fortes raízes culturais, em uma sociedade historicamente patriarcal e escravista, não encobre a desigualdade, a pobreza e os crimes ambientais, que para ela representam lutas igualmente importantes. “Mas nós também devemos compreender que a pobreza é um problema das mulheres. Nós devemos entender que o racismo é um problema das mulheres. Precisamos entender como a destruição do meio ambiente afeta as mulheres”, afirma Iara .
Em maio de 2010, Iara estava na flotilha Mavi Marmara, que levava ajuda humanitária aos palestinos de Gaza, e foi atacada, ainda em águas internacionais, pelo exército israelense. A invasão do barco resultou na morte de nove ativistas, tratados pela força israelense como supostos terroristas. No mesmo ano, Iara lançou o documentário Culturas da Resistência, que mostra como as ações de caráter criativo podem contribuir na solução ou prevenção de conflitos sociais, e também fundou a organização não governamental Rede de Culturas da Resistência (CoR), que promove a solidariedade global e esforços de  paz e justiça social.
Iara, que no Brasil nos anos 80 foi produtora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, desde o início do conflito Estados Unidos-Iraque, em 2003, viaja pelas regiões do Oriente Médio e Norte da África para entender as questões do conflito. Em 2006, no Líbano, ele teve a experiência de viver 34 dias sob o bombardeio de Israel e a partir daí intensificou sua atuação em defesa da paz na região. Seus mais recentes trabalhos são dois documentários, voltados para questões de minorias. Um deles trata dos indígenas no Paquistão, destacando seus sacrifícios para tornar possível a subida à montanha K2, a mais alta do país; e o outro enfoca o colonialismo no Sahara Ocidental, e a luta não violenta de um povo em busca de autodeterminação.
Confira a entrevista:
Para você, 8 de março deve ser um dia para celebrar ou para protestar?
Creio que deva ser para ambos. Nós devemos celebrar a sempre negligenciada contribuição das mulheres ativistas em todo o mundo; ao mesmo tempo, devemos protestar para manter a busca por um progresso contínuo. Na Rede de Culturas da Resistência (CoR), nós promovemos formas de protesto que são criativas, alegres e cheias de energia – nós tentamos fazer do protesto, ele próprio, uma celebração.
Como ativista, você tem se dedicado a várias causas mundo afora. Por conta dessa experiência, como você vê a condição da mulher hoje? É possível falar da condição da mulher no mundo ocidental e no mundo oriental? Quais as principais diferenças, em linhas gerais?
Certamente, há lugares no mundo em que os espaços para a mulher se expressar com liberdade ou participar da política são um tanto restritos. Ao mesmo tempo, eu observo muitas similaridades entre os dois lados. No Oriente e no Ocidente, as mulheres estão lutando contra a injustiça econômica e contra a exploração. Elas estão contestando ideias, os conceitos sobre imagem do corpo, roupas e aparência que são impostos pela estrutura patriarcal da sociedade. Apesar de as condições entre os diferentes países variarem, nós necessitamos encontrar pontos em comum na nossa luta e expressar solidariedade.
Em quais países a condição da mulher hoje é mais preocupante e por que?
Repetindo, eu acho que faz mais sentido tentar fazer conexões entre os desafios em diferentes lugares, do que destacar um determinado país ou localidade.
No caso do conflito Israel-Palestina, como você vê a condição da mulher palestina?
Em qualquer situação de guerra e ocupação, você vai descobrir que as mulheres estão suportando uma quantidade desproporcional de sofrimento, e que os desafios que as mulheres enfrentam muitas vezes não são reconhecidos. Eu acho que esse é o caso da Palestina, como em muitas outras nações. Nesse sentido, a opressão do povo palestino é um problema das mulheres.
Em países como Irã e Iraque, em que os direitos humanos muitas vezes não são observados, é possível lutar pela condição da mulher sem ferir os valores das culturas locais?
Em visita ao Irã, e viajando para o Oriente Médio, eu tenho sido inspirada por encontrar mulheres que são artistas e ativistas, sem rodeios, mobilizadas para mudanças dentro de suas próprias sociedades. Eu acho que nós precisamos fazer tudo que pudermos para apoiar essas mulheres e amplificar as suas vozes.
No caso do Brasil, como você encara a condição da mulher? Quais as questões mais urgentes? E na América Latina?
O sexismo em si, a exclusão e rebaixamento do gênero feminino, continua a ser um grande problema. Mas nós também devemos compreender que a pobreza é um problema das mulheres. Nós devemos entender que o racismo é um problema das mulheres. Precisamos entender como a destruição do meio ambiente afeta as mulheres. Todos esses são problemas que enfrentamos no Brasil e na América Latina como um todo. Eu acredito em desenhar conexões entre essas questões e vendo os desafios que as mulheres enfrentam como parte de um conjunto mais amplo de desafios sociais no mundo.
Você acredita que a intolerância e o machismo nos países ricos, como os da Europa, prejudicam a condição da mulher?
Na Europa, Estados Unidos, e em outros lugares, você vê as mulheres assumindo cargos de liderança nos negócios e na política. Esse é o resultado do ativismo dedicado de feministas ao longo do século passado. No entanto, ele não é o objetivo final. Ainda vemos o sexismo em muitas formas. Vemos um número desproporcional de mulheres que vivem em situação de pobreza, mesmo nas nações industrializadas. Não é o suficiente ter algumas mulheres líderes e concluir que a sociedade é igual. Nós ainda temos muito trabalho a fazer.
Quais as mulheres ativistas que você admira?
Há muitas mulheres que eu tive a honra de conhecer em minhas viagens e que admiro tremendamente. Algumas são conhecidas e têm sido homenageadas, com prêmios como o Nobel (Wangari Maathai). Há muitas outras que estão fazendo um trabalho inspirador, mas podem não ser tão amplamente reconhecidas. Algumas mulheres são tão ocupadas trabalhando, que eles não têm tempo para divulgar a si próprias. Eu as admiro ainda mais do que as ativistas famosas. Mas não posso deixar de destacar nomes como Mariem Hassam (cantora e compositora, que viveu 27 anos em campos de refugiados pela guerra civil do Sahara Ocidental), Alaa Murabit (fundou associação em defesa das mulheres da Líbia) e Emily Kasyoka (uma ativista de 14 anos, que luta contra abusos sexuais).
Qual a sua mensagem para as mulheres neste 8 de março?
Nós devemos continuar o trabalho em defesa da igualdade e da justiça para as mulheres em diferentes situações. Nós também devemos fazer uma pausa para reconhecer tudo o que nós já realizamos e destacar as muitas mulheres, cujo trabalho ainda continua sem reconhecimento.
(Da Rede Brasil Atual)