Reparação histórica | Câmara aprova PL que cria o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (26), o Projeto de Lei nº 4.968/2019 (PL4968/19), de autoria da deputada federal Marília Arraes (PT-PE) e outros(as) 34 parlamentares, que institui o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais de Ensino Fundamental e Médio e no Sistema Único de Saúde (SUS).

Aprovada com algumas alterações no Plenário, o PL foi acolhido pela bancada feminina da Casa Legislativa, que estabeleceu um acordo mais amplo e estendeu o fornecimento dos absorventes e a dignidade menstrual a estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino, a mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, a mulheres presidiárias e a adolescentes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa, na faixa etária entre 12 e 51 anos. A matéria será enviada ao Senado.

O objetivo, segundo Marília Arraes, é o de assegurar a dignidade menstrual às jovens e mulheres em vulnerabilidades, combatendo a precariedade de uso de outros métodos. “A intenção é criar uma política pública de distribuição gratuita de absorventes nas escolas e nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o País, com prioridade para absorventes sustentáveis”, disse a deputada.

Com essa política pública, a bancada feminina pretende atender a mais de 6 milhões de brasileiras. O substitutivo aprovado, da relatora deputada Jaqueline Cassol (PP-RO), determina que o benefício será posto em prática por meio do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.

Menstruação e evasão escolar: mais de 4 milhões de meninas sem dignidade menstrual

Precisou de uma mobilização gigantesca do movimento de mulheres e de um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para que o Parlamento enxergasse um problema à flor da pele e transparente que afeta milhões de brasileiras: a falta de condições financeiras para comprar absorvente higiênico. Em junho deste ano, um estudo divulgado pelo Unicef revelou que uma em cada dez meninas, no mundo, deixam de ir à escola quando estão menstruadas.

O estudo indica que, no Brasil, estima-se que uma em cada quatro meninas falta à escola por causa da ausência de condições financeiras para comprar o absorvente. Mostra também a falta estruturas sanitárias nas residências desse segmento da população. Segundo o documento, a junção dessas duas carências define o que se passou a chamar de “pobreza menstrual”.

Em maio deste ano, por ocasião do Dia Internacional da Dignidade Menstrual, o relatório intitulado “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, lançado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pela Unicef, dava conta de que cerca de 713 mil meninas brasileiras vivem, em 2021, sem acesso a banheiro ou a chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, sendo privadas do acesso a absorventes, papel higiênico, sabonetes e até mesmo a banheiros

A pobreza menstrual é uma realidade que impacta negativamente a vida de milhões de meninas e mulheres no Brasil e no mundo. Uma reportagem do site Geledés mostra que a expressão “pobreza menstrual” se refere à ausência de acesso a recursos que garantam higiene básica. O relatório Livre para Menstruar, apresentado pelo movimento Girl Up – uma iniciativa global das Nações Unidas que busca promover a igualdade de gênero –, em parceria com a empresa Herself mostram também que as causas dessa problemática estão relacionadas às questões financeiras, saneamento básico e desinformação a respeito da menstruação.

Reparação histórica, preferência, publicidade e compra

O substitutivo aprovado determina que, nas compras dos absorventes higiênicos pelo poder público, terão preferência os feitos com materiais sustentáveis caso apresentem igualdade de condições. Esse tipo terá preferência ainda como critério de desempate em relação aos demais licitantes. Também deverá haver campanhas públicas informativas sobre a saúde menstrual e as consequências para a saúde da mulher.

“Construímos um texto para defender e dar dignidade a nossas meninas e mulheres por meio desse programa. A construção do substitutivo com o governo permitirá que o programa seja efetivado”, destacou Jaqueline Cassol. A deputada federal Marília Arraes também comentou que, com isso, “estamos fazendo uma reparação histórica, pois um sistema comandado historicamente por homens nunca pensou nessa necessidade das mulheres. Esse é o início de uma política pública mais ampla”.

Impacto orçamentário, origem dos recursos e objetivo

O impacto previsto para a distribuição a 5,6 milhões de mulheres será de R$ 84,5 milhões ao ano com base em oito absorventes por mês/mulher. Pelas contas apresentadas pela relatora, para essa estimativa usou-se metade (R$ 0,15) do custo unitário de uma das marcas de mercado em levantamento de 2019.

O preço projetado baseia-se na compra em escala pelo poder público. As receitas virão dos recursos vinculados ao programa de Atenção Primária à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), observados os limites de movimentação orçamentária. No caso das beneficiárias presas, os recursos virão do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

O texto aprovado qualifica o programa como estratégia para a promoção da saúde e da atenção à higiene com o objetivo de combater a precariedade menstrual, conceituada como a falta de acesso ou a falta de recursos para a compra de produtos de higiene e outros itens necessários ao período da menstruação feminina. Se o PL for aprovado no Senado e sancionado, a futura lei entrará em vigor em 120 dias de sua publicação.

Repercussão entre parlamentares

A deputada Marília Arraes destacou que o tema é um tabu e, uma vez discutido, teve apoio da maior parte dos parlamentares. “A gente está fazendo uma reparação história, uma reparação de um Estado, de um sistema de leis que foi feito por homens e para homens e não pensou nessa política pública essencial para as meninas e mulheres do Brasil”, disse.

A deputada Rejane Dias (PT-PI) destacou a necessidade de ajudar também as mulheres em situação de rua, objeto de proposta de sua autoria que foi incorporada ao texto final pela relatora, deputada Jaqueline Cassol (PP-RO). “Fico muito feliz de ver a minha proposta incorporada. Há mulheres que não têm dinheiro para comer e precisam comprar um absorvente. É algo que constrange a mulher, que a impede de sair de casa”, disse.

O deputado Vicentinho (PT-SP) destacou que, durante o movimento sindical, ouvia queixas das mulheres sobre pressões das chefias que achavam que as mulheres passavam “muito tempo no banheiro”. “Esse projeto merece ser festejado. Seria tão bom que a Câmara sempre votasse projetos garantindo direitos e oportunidades onde quer que as mulheres estejam: na escola, na prisão, nas ruas, nas comunidades”, disse.

Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), enfrentar a questão da pobreza menstrual é discutir elementos de equidade. “Não é um gasto, é um investimento em saúde e o reconhecimento de que a pobreza menstrual precisa ser discutida, que denomina não apenas a falta de acesso a produtos de higiene menstrual, mas também exige de nós um olhar sobre a infraestrutura sanitária nas escolas e nas casas”, disse.

 
 

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