Reduzir a maioridade penal é medida 'irracional', avaliam especialistas

A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é o principal tema da agenda política brasileira na atualidade. Poderá ser aprovada, em primeiro turno, no próximo dia 30 de junho, pelo Congresso Nacional. É a data agendada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para que o plenário vote a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93.

O projeto estabelece a redução da maioridade penal para 16 anos apenas para os casos de crimes graves, como homicídio, latrocínio e estupro, por exemplo. Para entrar em vigor, no entanto, terá que ser aprovado duas vezes na Câmara e outras duas no Senado Federal.

A medida, apoiada por 87% da população brasileira, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, é criticada por boa parte do mundo jurídico e de especialistas no tema. “Não há nenhuma relação de garantia entre a ampliação de pena para o adolescente, ou seu encarceramento no sistema prisional, com a modificação do perfil da violência social. Essa violência está muito mais ligada à ausência do Estado em evitar que o adolescente chegue nesse ponto”, afirma a juíza Dora Martins, titular da Vara Central da Infância e Juventude, na cidade de São Paulo.

Foto: SP Invísivel

A magistrada fala com conhecimento de causa. Ela atua no centro da maior cidade do país, com ênfase no atendimento de crianças abandonadas e jovens em situação de risco. Segundo ela, o déficit em creches na capital paulista é de 100 mil vagas. “Imagina quantas famílias que não têm problemas graves por causa disso, mães que não podem trabalhar, crianças criadas sozinhas, entregue às ruas. Em três ou quatro anos, os adolescentes estarão na ruas cometendo crimes, reflexo desse tipo de problema. Essas questões não estão separadas. As pessoas acham que o adolescente infrator surge do nada. Não, é uma criança que não teve escola, creche, formação regular, aí esse jovem atinge um grau de periculosidade alto mais tarde”, exemplifica.

Na opinião de Dora Martins, a resolução do problema da violência envolvendo adolescentes não deve ser pensada de forma oportunista, porque “são medidas de longo prazo”.

Exclusão social

Para Ivan de Carvalho Junqueira, especialista em direitos humanos e segurança pública, e servidor da Fundação Casa/SP, o jovem infrator, em geral, carrega o peso da exclusão social. “Quando esse adolescente de 15 a 17 anos chega para ser internado na Fundação Casa, ele já acumula um prejuízo desde o nascimento”, explica.

Embora as unidades de cumprimento de medida socioeducativa acolham jovens de diversas classes sociais, há um perfil majoritário. “Meninos que, embora sejam adolescentes, possuem, no máximo, a 5º série do ensino fundamental, pardos e negros, com histórico de evasão escolar, problemas familiares e envolvimento com tráfico”, descreve Junqueira.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os 30 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas correspondem a 0,5% da população adolescente do país, estimada em 21 milhões de pessoas.

Além disso, a maioria dos infratores cometeram os chamados “delitos de rua”, contra o patrimônio, como roubos, furtos e porte de armas. Na cidade de São Paulo, de acordo com informações do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud), esse tipo de delito representou 58% dos casos. Os registros relacionados aos homicídios foram apenas 1,4% dos casos.

Outras pesquisas recentes apontam exatamente o contrário. Crianças e adolescentes, especialmente das periferias, é que têm sido vítimas de crimes como homicídios. Entre 1980 e 2002, o percentual de jovens menores de idade mortos por assassinato aumentou 254%, segundo o Mapa da Violência da Unesco (ligada às Nações Unidas) e o Núcleo de Estudos de Violência da USP, ambos divulgados em 2006.

O endurecimento da legislação, por si só, não tem a menor efetividade. Isso é o que aponta Ivan Junqueira cita o caso da lei nº 8.072 (Lei de Crimes Hediondos), promulgada em 1990, que aumentaram a pena para delitos graves. “Essa lei foi um ícone do movimento da lei e da ordem, trazendo penas mais altas e impedindo a progressão de regimes em determinados casos. Apesar de confortar os clamores sociais num curto espaço de tempo, ao longo dos anos verificou-se que ela não desestimulou a violência”, analisa.

Na contramão mundial

Reduzir a maioridade penal fere convenções internacionais assinadas pelo Brasil e destoa da política internacional voltada às crianças e adolescentes. Se a redução da maioridade penal avançar no Brasil, o país caminhará na direção contrária da maioria das nações. Dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República informam que em 53 países de todos os continentes, a maioridade penal é 18 anos em 49.

A legislação desses países também estabelece a idade mínima em que crianças e adolescentes possam responder por atos infracionais está entre 13 e 14 anos. No Brasil, é ainda mais cedo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê medida socioeducativa já a partir dos 12 anos. “No Japão, por exemplo, já chegaram a reduzir a maioridade penal para 16 anos e voltaram ao patamar de 21 anos”, exemplifica a juíza Dora Martins, titular da Vara da Infância e Juventude da região central de São Paulo.

Segundo Ariel de Castro, especialista em políticas de segurança pela PUC/SP e ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a redução da idade penal também implica o descumprimento de uma série de convenções internacionais ratificadas pelo governo brasileiro. “Essas convenções equivalem, inclusive, às disposições constitucionais”. Na comunidade internacional, explica Castro, o tema da redução da maioridade já foi praticamente superado como política criminal.

(Do Brasil de Fato)