Racismo estrutural se combate com educação

No último dia 12 de novembro, em São Paulo, 12 policiais militares armados entraram na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Antônio Bento, na zona oeste da cidade, após “denúncia” do pai de uma aluna de que a escola estaria obrigando a criança a ter “aula de religião africana” por conta de um desenho com o nome “Iansã”.

O caso, de ampla repercussão nacional, foi citado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino durante votação esta semana, em que a corte formou maioria para reconhecer a existência do racismo estrutural no país e determinar a criação de um plano nacional de enfrentamento à questão no prazo de 12 meses.

Em seu voto, Dino lembrou que a notícia não é um caso isolado, ainda que a obrigação do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas de ensino fundamental e médio do Brasil está nas leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008 e, antes disso, a escola só falava de África nas aulas de história do Egito, “e mesmo assim quase não se mencionava que o Egito ficava na África”, lembrou o ministro:

O racismo estrutural do Brasil, reconhecido esta semana pela Suprema Corte do país, causou o episódio de intolerância religiosa de São Paulo. E, embora casos como esse ainda aconteçam aqui no Distrito Federal, nossa rede pública de ensino vem, há muitos anos, trabalhando pedagogicamente a história e a cultura de nossos ancestrais.

Na rede pública de ensino do DF, há muito a educação antirracista é trabalhada o ano inteiro. O mês de novembro é apenas a culminância dos projetos, que coincide com o mês da consciência negra.

Uma breve busca pela palavra “antirracista” no site do Sinpro traz várias publicações apenas este ano, com informações sobre projetos muito bem-sucedidos de diversas escolas que trabalham o tema a partir do estudo de biografias, música, literatura teatro com espetáculos de sucesso há anos.

O trabalho é de formiguinha, vagaroso, mas os efeitos já são perceptíveis. Que o diga o professor de artes Tiago Borges Leal, que viu (e trabalhou para que) o espetáculo “Sabe por que tu não deu bola?” saísse do CEM 804 do Recanto das Emas rumo a várias regionais de ensino. “Lembramos das tantas vezes em que negros são ofendidos ao ouvirem que o cabelo é feio, que são pessoas sujas, macacos. E falamos: tem que dar bola, sim! É nesse momento que a dinâmica do Teatro do Oprimido funciona, pois a plateia se manifesta e traz depoimentos”, conta o professor.

A plateia se manifesta. A criança observa e pensa. Jovens cantam e dançam. E, pedagogicamente, pouco a pouco, a sociedade entende, percebe e denuncia o racismo. O trabalho é constante, contínuo e coletivo. A escola não pode estar sozinha nessa missão.

 

É preciso ser antirracista

A postura antirracista das escolas públicas do Distrito Federal também se reflete no sindicato que representa a categoria do magistério. A Secretaria de Assuntos de Raça e Sexualidade do Sinpro oferece às escolas o circuito Permanente de Debates Antirracistas nas Escolas.

O Circuito Permanente de Debates Antirracistas nas Escolas é realizado sob demanda das escolas. Para solicitar a formação, as unidades escolares devem entrar em contato com a Secretaria de Raça e Sexualidade do Sinpro por meio do telefone (61) 99663-7986 ou pelo e-mail racaesexualidade@sinprodf.org.br.

Este ano, o Sindicato dos Professores no Distrito Federal lançou o segundo volume da cartilha “É preciso ser antirracista”, que municiou professores e professoras com um material robusto para o ensino da história e da cultura africana, a superação do racismo e a promoção da diversidade.

O primeiro volume do caderno foi publicado em 2022, com informações importantes como datas importantes para a luta antirracista, expressões racistas que devem ser extintas e conceitos importantes dos estudos antirracistas. O segundo volume contempla todo o arcabouço legal, protocolos e instruções normativas para o combate cotidiano ao racismo nas escolas.

Como lembra o prefácio do caderno antirracista, “em seus 46 anos de história, este sindicato dos Professores no Distrito Federal não fugiu jamais de sua função e sua responsabilidade social”. O material antirracista oferecido pelo Sinpro auxilia e complementa o trabalho de uma categoria que não foge à luta, e entende que o planejamento de atividades ao longo do ano é uma poderosa ferramenta para se combater o racismo e a intolerância religiosa, e enfrentar a ignorância de grupos que fazem da intransigência e da falta de respeito seu argumento maior.

“É na escola onde devemos plantar, irrigar e cuidar da semente de uma sociedade sem racismo, e sem preconceitos de gênero, religião, orientação sexual, ou de capacitismo. É na escola que surge a sociedade com cidadãos tolerantes e capazes de conviver com o outro, com o diferente, com respeito e civilização. Nossos parabéns a todos e todas as profissionais da educação que não fogem à luta diária de cuidar do surgimento de uma sociedade plural”, afirma o coordenador da Secretaria de Assuntos de Raça e Sexualidade do Sinpro, João Macedo.

Parabenizamos toda a categoria. As professoras, os professores, as orientadoras e os orientadores educacionais, que cumprem com sua função social não só com relação à Lei 10.639/03, como também por seu trabalho contra todo tipo de preconceitos.

Nos sentimos muito orgulhosos de saber que várias escolas públicas da rede distrital, da mais longínqua à mais central da rede distrital, confiam a nós as histórias de seu cotidiano, as histórias de seu trabalho.

O STF julga a ação na qual a Coalizão Negra por Direitos, entidade que reúne representantes do movimento negro, e sete partidos políticos pedem reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” em relação ao racismo estrutural no país.

O julgamento foi suspenso quando o placar estava em 5 a 3 para o reconhecimento da existência do racismo estrutural no Brasil. Será retomado em data ainda a ser agendada. Nessa ocasião, os ministros e ministra vão definir as diretrizes que vão determinar a criação de um plano nacional de enfrentamento ao racismo estrutural no prazo de 12 meses.