Professores se sentem obrigados a cumprir funções antes delegadas aos pais Carolina Oliveira

As más condições de trabalho às quais os professores são submetidos é apontada como uma das principais pautas rumo à melhoria da educação. Além da questão salarial e da falta de recursos nas escolas, outra reclamação frequente dos docentes é a pouca participação dos pais na rotina escolar das crianças.
Um estudo feito produzido pela pesquisadora Elaine Cristina Mourão, da FE (Faculdade de Educação) da USP, concluiu que a dificuldade dos pais imporem autoridade perante seus filhos é um fator que pode afetar o ensino, fazendo com que professores enfrentem situações de mau-comportamento e desobediência, além de se sentirem excessivamente responsáveis pelo desempenho dos alunos.
Com o objetivo de entender, através da psicanálise, algumas das queixas compartilhadas pelos educadores, a pesquisa entrevistou professoras que atuam no ensino fundamental I. Elaine, que também é professora desta etapa escolar, afirma que indivíduos do século 21, como reflexo da sociedade em que vivem — chamada de pós-moderna por alguns autores —, primam mais pelos prazeres próprios do que pelas obrigações sociais. É o que a psicanálise chama de “funcionamento perverso”. “Não há um encontro pleno entre o que as pessoas desejam e o que a sociedade espera”, explica a pesquisadora.
Devido ao funcionamento perverso, os indivíduos se acostumam a obter sempre o que querem, e um dos resultados desse comportamento é a chamada “crise de legitimidade”. Nesse contexto, adultos têm mais dificuldade em dar ordens às crianças, e estas, por sua vez, relutam em obedecer aos comandos.
Segundo Elaine, tal situação vem se repetindo também em ambiente escolar. “Uma das questões que os professores destacam é que as crianças não obedecem mais”, afirma a pesquisadora. “Se na cena familiar as crianças acabam reinando, e se seus desejos e necessidades acabam se tornando algo que vence, elas esperam que isso ocorra também na escola”.
Os relatos das professoras entrevistadas reafirmam esse ponto. “As professoras destacam que falar com os pais de uma criança, hoje, não resolve muita coisa, porque os pais têm essa dificuldade em colocar limites”, diz. Tal situação intensifica o mau-comportamento dos alunos, e faz com que os professores passem mais tempo intermediando conflitos do que, de fato, ensinando o conteúdo previsto.
Educação X Ensino
O estudo também ressalta que a sociedade pós-moderna, através do discurso técnico-científico, exige que os professores não só ensinem os conteúdos escolares aos alunos, mas que também se ocupem de sua educação, ou seja, da transmissão de valores.
Contudo, Elaine aponta que essa missão dupla vem se tornando um fardo muito grande para os docentes. “As professoras se queixam de que estão perdendo muito tempo com educação. E quando elas falam educação, se referem a essas coisas básicas, de que as crianças não sabem se sentar a mesa, não sabem ouvir as pessoas, não conseguem fazer silêncio”, diz.
É o que mostram alguns dos relatos presentes na pesquisa de Elaine. “Tem problemas de comportamento, que são crianças totalmente sem limites. Apoio e participação dos pais muito pouco, né”, aponta a professora Fernanda, uma das profissionais entrevistadas.
Para a pesquisadora, o fato de os pais trabalharem mais fora de casa e terem menos tempo disponível para participar da vida dos filhos é um dos fatores que agravam esse quadro.
Entretanto, muitos professores se queixam de que alguns pais, mesmo não trabalhando, escolhem se afastar da vida escolar das crianças, ou não concordam quando os professores cobram os filhos de forma mais rígida. O relato da professora Sandra, também entrevistada por Elaine, aborda essa questão.
“Não posso fazer praticamente nada. […] Se você fala pra ele [o aluno]: ‘você não fez, você bagunçou, você vai ficar sentado’, tem pai e mãe que vem questionar. Mas o aluno pode derrubar sala, quebrar cortina, fazer o que quiser. Então, fica muito complicado”, relatou Sandra.
Outro aspecto abordado pelos professores é o desinteresse dos alunos pela escola. O discurso técnico-científico cobra dos professores o sucesso escolar dos estudantes, mas deixando de lado o papel do próprio aluno — e, consequentemente, de seus familiares — nesse processo.
Assim, os professores são obrigados a tentar conquistar a criança, convencendo-a da importância do aprendizado e tornando o conteúdo mais atrativo. Para isso, os docentes utilizam-se dos chamados “meandros da sedução”. “Os professores vão transformando a aula, fazendo negociações, contratos, tentando transformar a aula num show para conquistar os alunos”, diz Elaine. “O ensino deixa de ter sentido enquanto algo que engata no desejo do ser humano, e passa a ser algo que tem que atender a uma necessidade motivacional”.
De acordo com os educadores, os pais não auxiliam na tarefa de mostrar aos pequenos o respeito pela escola. “Antes os pais conseguiam fazer com que as crianças chegassem na escola e entendessem que ali é um lugar que elas deveriam ir para aprender. Mas hoje, as crianças vão para a escola com outras demandas”, afirma a pesquisadora.
Contudo, o estudo ressalta que a culpa pelos conflitos escolares não cabe apenas aos familiares, mas a toda a estrutura da sociedade pós-moderna, que não só torna mais conflituosas as relações de obediência, como determina à escola mais funções do que aquelas que são de sua responsabilidade.
“Antigamente, a escola era conteúdista, porque a educação ficava a cargo dos pais”, comenta a professora Raquel, também entrevistada na pesquisa. “Hoje em dia, tudo vem pra educação, todo projeto que a sociedade acha que ta tendo problema, vem pra educação”.
(Do Uol)