Privatização dos Correios afunda economia e agrava índice de desemprego no Brasil

O título de recordista em desemprego e propulsor do descalabro da economia parece não ser um peso para o presidente Jair Bolsonaro. O tom conservador dos discursos do capitão reformado do Exército acompanha a agenda econômica imposta ao Brasil com a velha política da privatização das empresas estatais e o insistente discurso de que o privado é melhor. A planejada consequência é a desregulação do mercado financeiro e a concentração de setores estratégicos da economia nas mãos de particulares. Isso desemboca na elevação do preço dos serviços e no enxugamento dos quadros de pessoal, uma equação necessária para a elevação dos lucros: principal meta de qualquer negócio privado. É esse o cenário que ganha corpo com a privatização dos Correios.

O projeto apresentado pelo Poder Executivo que prevê a venda da estatal mais antiga do Brasil diz que o governo manterá a prestação do chamado “serviço postal universal”, que inclui encomendas simples, cartas e telegramas. A ressalva, no entanto, não alivia o teor ultraliberal do texto. Isso porque o grande filão dos Correios, o maior operador logístico do Brasil, é o transporte de encomenda, em crescimento acelerado com o e-commerce, que viabiliza compras e vendas pela internet.

Segundo o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília, enquanto empresa pública, os Correios “regulam o poder de mercado das empresas concorrentes”. “Digamos que os Correios sejam comprados por uma dessas empresas que já fazem transporte de encomendas. Muito provavelmente, com uma maior participação de mercado, o que ela vai fazer é aumentar o preço das encomendas tanto da empresa que ela adquiriu quanto da sua própria”, afirma o docente que já publicou mais de 50 artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior e é autor ou organizador de mais de uma dezena de livros sobre economia.

Ele acredita que, caso concretizada a privatização dos Correios no Brasil, certamente o país seguirá os passos de Portugal. Na terra de Cabral, a privatização do CTT (Correios de Portugal) resultou no aumento das tarifas e na redução da qualidade do serviço, acarretada pelo fechamento de várias agências nas pequenas cidades.

De acordo com José Luis Oreiro, “(Paulo) Guedes tem na cabeça a microeconomia que estudou em Chicago nos anos 70, que está totalmente ultrapassada”. “Ele (Paulo Guedes) acha que os mercados têm um monte de empresas de um lado, um monte de consumidores do outro e que a concorrência é impessoal. Não é assim. Todo setor de logística, tanto no Brasil como no mundo, é oligopolizado, ou seja, são poucas empresas que operam no sistema de transporte de logística. Então, quando se vende os Correios, que provavelmente será adquirido por uma empresa de transporte de carga ou transporte de encomenda, o que vai acontecer é aumentar o grau de concentração desse mercado e elevar o preço do serviço”, explica.

Entretanto, o economista alerta que, embora o governo federal tenha uma agenda liberal ultrapassada, “não há nenhuma dúvida de que se trata de um bom negócio para o setor privado, o que não significa que é um bom negócio para o interesse público”. “O que nós vamos ver é o fechamento de agências dos Correios nas cidades menores, com demissão de funcionários. É mais gente desempregada ou no mercado informal. Portanto, nessas cidades menores, vai ter queda de renda e de emprego, que leva à redução da arrecadação de impostos”, reflete.

A preocupação com o agravamento da crise econômica do Brasil é compartilhada pelo deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Correios. “A privatização dos Correios gera impacto econômico para prefeituras, já que pagamentos de benefícios são realizados pela estatal em muitos municípios”, afirma. Ele ainda ressalta que, para além do impacto econômico, há um grave reflexo social imediato. “Os Correios possuem uma função social importantíssima, de entrega de material didático nas escolas públicas brasileiras, de entrega das provas do Enem, de entrega de medicamentos. Assim, esse projeto fere a soberania nacional, e o único objetivo é atender grandes interesses privados.”

Propositalmente inflexível

A campanha salarial dos trabalhadores dos Correios vem amargando com a intransigência da direção da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do DF (Sintect-DF) e dirigente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), Amanda Corcino, conta que, neste ano, a luta é pelo “resgate dos direitos e em defesa dos empregos”.

“Ano passado nós perdemos muito. Foram 50 cláusulas retiradas do nosso Acordo Coletivo. Perdemos a jornada de 40 horas, o auxílio para filhos com deficiência, a prorrogação da licença-maternidade, que era até o sexto mês e agora é só de 120 dias, e tantas outras conquistas históricas”, conta. Ela ainda diz que, na campanha atual, além de resgatar os direitos perdidos, a categoria pede a correção da inflação e 5% de ganho real no salário. Nas demais cláusulas econômicas, a reivindicação é apenas pela recomposição da inflação.

“E o que a empresa ofereceu? 0% de reajuste e a implementação de um banco de horas que, na verdade, quer legalizar uma exploração já realizada. Os Correios tiveram um lucro de R$ 1,5 bilhão no ano passado e vem divulgando nos seus canais um número recorde de postagens. Mas nas reuniões de negociação a diretoria diz que há um déficit de R$ 853 milhões e que por isso não pode dar reajuste, não pode conceder nada”, repudia Amanda Corcino. De acordo com a sindicalista, a proposta severa, já rejeitada em assembleia pela categoria, tem segundas intenções.

“Esse posicionamento da empresa, de não fazer uma negociação séria, é justamente para tencionar a greve que, nesses casos de intransigência, é o nosso único meio de reivindicar melhores salários e condições de trabalho. Com isso, a empresa quer tentar construir uma opinião-pública de que privatizar é melhor, que com empresa privada não vai ter greve. Mas é importante que a população saiba que, quando a gente realiza greve, é também defendendo o direito da população, já que Correios privatizado é prejuízo para o povo”, lembra a presidenta do Sintect-DF.

Em jogo

A venda de 100% dos Correios está estabelecida no projeto de lei 591/2021, de autoria do governo Bolsonaro. A proposta está na Câmara dos Deputados e deve ser colocada em votação em agosto, após o recesso do Congresso. A versão preliminar do relatório, apresentada pelo deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), não alivia em nada o os prejuízos impostos no texto original. Um dos poucos adendos à proposta do governo federal é uma mísera estabilidade de 18 meses para os funcionários da estatal após a privatização, além da criação de um PDV (plano de demissão voluntária).

“Nesses 18 meses, não dá nem pra juntar dinheiro e fazer uma poupança. Esse tempo não traz nenhum alívio para os trabalhadores dos Correios. Na verdade, daqui a 18 meses, nós vamos fazer parte dessa grande massa de desempregados do Brasil”, afirma a presidenta do Sintect-DF, Amanda Corcino.

Segundo ela, agora é hora de “mobilizar ao máximo e tentar reverter votos dentro da Câmara”. De acordo com o deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), esse trabalho já vem sendo feito dentro da Câmara dos Deputados.

“Os partidos de oposição estão no front de luta em defesa dos Correios e, por meio da Frente Parlamentar em Defesa dos Correios, temos feito um bom debate e ampliado o diálogo com partidos de centro, que já percebem a falácia do discurso de que a estatal é deficitária e compreendem a importância da empresa e o impacto de uma privatização inclusive para a economia nacional”, afirma.

O último levantamento realizado pelo Sintect-DF mostra que, da bancada do Distrito Federal, além da deputada Erika Kokay (PT) e do deputado professor Israel (PV), oposição ao governo, o compromisso de votar contra a privatização dos Correios foi feito apenas pela deputada Celina Leão (PP), da base governista. Bia Kicis (PSL-DF), Julio Cesar (Republicanos-DF), Luis Miranda (DEM-DF), Paula Belmonte (Cidadania-DF) e Laerte Bessa (PL-DF) são favoráveis ou se dizem indecisos quanto à proposta.

Fonte: CUT-DF