Prestes a completar 10 anos, lei de cotas será revista e pode ter retrocesso, alerta educadora

A Lei de Cotas, que está prestes a completar 10 anos, tem garantido a reserva de vagas nas universidades e institutos federais do país para estudantes que cursaram ensino médio em escolas públicas, para afrodescendentes, além da garantia de espaço em cursos superiores para pardos e negros. A lei mudou a cara das universidades brasileiras, democratizando o acesso a este espaço de conhecimento.

Mesmo diante de uma lei tão importante e necessária para a educação brasileira e para a correção de injustiças praticadas há séculos, Relatório do Observatório da Branquitude mostra que quase metade de todos os projetos de lei que tramitam no Congresso querem enfraquecer a lei de alguma forma. Das 30 propostas feitas durante a última legislatura, 11 são favoráveis, três neutras e 11 são contrárias às cotas, de acordo com o relatório.

Confira abaixo matéria da CNTE abordando o tema:

 

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Foto: Roberto Parizotti/CUT Brasil

Prestes a completar uma década neste mês de agosto, a Lei de Cotas Raciais, política pública que garante metade das vagas de institutos e universidades federais para ex-alunos de escolas públicas, passará por uma revisão e corre sério risco de retrocesso. A avaliação é de Mila Gaudencio, economista, educadora financeira e ex-aluna da Educafro.
“Acredito que corremos o risco de retrocesso porque ainda não falamos em lei de cotas nas empresas privadas, e se a gente enfraquece a lei, a gente não consegue uma revisão na esfera estudantil”, pontua Mila.

A Lei de Cotas foi aprovada pelo Congresso e sancionada em 2012. O texto prevê que, até 29 de agosto de 2022, a política de ações afirmativas precisa passar por uma revisão. Porém, o governo de Jair Bolsonaro (PL) não apresentou até o momento nenhuma proposta para sua revisão.

Mas o que isso significa? A lei corre o risco de deixar de existir? Segundo a economista, a revisão da lei não implica na sua expiração, mas a discussão sobre as cotas raciais precisa ser ampliada dentro das empresas privadas.

“Para conseguir ampliar essa discussão, a gente precisa fortalecer o que já existe, se não a gente retrocede em várias esferas. Independentemente das divergências, as cotas aumentaram o número de pessoas pretas, indígenas e de baixa renda nas universidades públicas. A gente não vê esse número com relevância em cargos de liderança, por exemplo”, pontua.

O termo “revisão” refere-se à necessidade de analisar como a política pública funcionou para, então, discutir se deve ser ampliada, mantida como está ou “enxugada”. Não há um prazo de validade – mesmo que o processo não aconteça em agosto a lei não caducará.

No entanto, para especialistas, se o debate não ocorrer até o fim do mês, as universidades federais podem abandonar as cotas, se assim desejarem.

“A lei precisa não só ser revisada, mas também expandida para além das universidades, para as empresas. Hoje as empresas que usam a ‘estratégia’ de diversidade são vistas como diferenciadas, é vendido como algo bom (e não estou dizendo que não é), mas a empresa não está fazendo mais que obrigação dela”, defende Mila, que só conseguiu fazer faculdade de economia pela Educafro após receber uma bolsa de 80% numa universidade particular.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) avalia que a política de cotas já apresenta uma série de reflexos objetivos e subjetivos – indo do aumento da autoestima dessas pessoas até a reconfiguração do mercado de trabalho e da produção científica. Por meio da Secretaria de Combate ao Racismo, a CNTE reafirma, permanentemente, o seu posicionamento de compromisso e justiça com a verdadeira história do povo negro e defende que manter a política de cotas é fundamental
para promover uma sociedade mais igualitária.

>> COTA NÃO É ESMOLA: VEJA A CAMPANHA DA CNTE EM DEFESA DAS COTAS 

A lei
A Lei de Cotas, pensada por intelectuais negros e após anos de luta do movimento negro brasileiro, foi desenhada com base na experiência de universidades que já tinham algum tipo de ação afirmativa. A Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, foi pioneira ao implementar em 2004 a reserva de vagas para estudantes negros.

Ela estabelece 50% das vagas dos institutos e universidades federais para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Foram durante os mandatos de Lula e Dilma Rousseff que a população negra conquistou algumas políticas de ações afirmativas que contribuíram para a ascensão social e intelectual de milhares de pessoas ignoradas pelos políticos durante mais de 500 anos de história do Brasil.

Essas políticas começaram a ser atacadas durante o governo ilegítimo Michel Temer (MDB-SP), que acabou com o status de ministério da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).

Já com, Jair Bolsonaro (PL) a situação piorou. Houve desmonte de todas as políticas públicas voltadas para a população negra. Em diversas declarações ele chamou as ações afirmativas como “coitadismo” dos negros, gays e nordestinos. Segundo ele, essas políticas afirmativas reforçam o preconceito.

“Eu era a única gerente de uma empresa multinacional. Única mulher negra. Eu sou fruto dessa política”, ressalta Mila.

Positividade

De acordo com levantamento do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas, apresentados na semana passada no evento “Dez anos da Lei de Cotas: resultados e desafios”, no Museu Afro-Brasil, em São Paulo, 71% das pessoas entrevistadas avaliaram positivamente as cotas raciais. Outras 62% as cotas sociais. Segundo o levantamento, os estudos analisados foram publicados entre 2006 e 2021.

Sobre as cotas raciais, 53% dos estudos avaliaram como “bastante positiva”; 18% como “levemente positiva” e 12% como “negativas” (com 16% sem identificação clara). Já em relação às cotas sociais, 43% foram “bastante positivas”, 19% “levemente positivas” e 12% “negativas” (25% sem identificação).

Com informações da CNTE

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