Por uma escola democrática e inclusiva

É comum falarmos que desde que o Brasil deixou de ser um império e passou a ser uma república, ocorreu uma separação entre o Estado e a Igreja, nas relações políticas, partidárias e burocráticas. Isto porque, desde a colonização, a igreja católica participou da administração das questões públicas, chegando até Pedro II, patrono do império brasileiro e da igreja católica no Brasil. Assim, como a Constituição de 1890, Rui Barbosa entendia que a “coisa pública”, deveria estar desvinculada da “coisa particular”.
Neste caso, a política de afastaria da religião, especialmente, no trato das questões governamentais. Essa foi a premissa que colocou o tema da religião de fora das discussões políticas de ordem pública. Principalmente, porque se pretendia conseguir que a igreja católica não interferisse nos processos legais e governamentais da administração pública. Interferência que se realizava sem nenhum tipo de constrangimento ou pudor, para defender seus próprios interesses corporativistas, seja de maneira paternalista ou patrimonialista.
Contudo, o povo brasileiro vive num regime republicano a mais de 100 anos e, mesmo assim, nossa sociedade enfrenta novamente este dilema sobre a presença da religião no Estado, só que do ponto de vista educacional dentro dos seus estabelecimentos de ensino público. Ou seja, se deve ou não haver ensino religioso e caso haja o ensino religioso como deverá ser procedido este tipo de formação. Percebemos que na nossa atual conjuntura há uma grande falta de valores morais e éticos, em todas as camadas sociais, sejam jovens e adultos, profissionais e empregados, cidadãos e governantes. E que o principal sintoma deste fenômeno que percebemos é a escalada da violência que chega nos dias atuais numa total banalização no nosso cotidiano.
É uma violência sobre o pensamento, sobre o corpo, sobre as instituições, sobre o meio ambiente, e em outras esferas da vida humana. No entanto, vivemos uma época de que o direito de viver deve ser respeitado por todos. Vivemos num momento em que as diferenças não devem ser tratadas pela intolerância e o desrespeito, mas sim pelo acolhimento e pela compreensão. São situações em que a individualidade, a familiaridade, a sexualidade, a localidade, a regionalidade, a especificidade devem ser compreendidas como pertencentes a uma universalidade, que é nossa enquanto seres humanos vivendo num mesmo planeta. Por isso, o tema da religião não pode ser deixado de fora, mesmo que não divergimos sobre a separação do Estado e da Igreja, da política e da religião. Assim, tratar do ensino religioso no leva a pensar na grande possibilidade de buscar uma compreensão dos problemas sociais a partir dos valores éticos e morais que a humanidade vem enfrentando ao longo dos milênios – se tornando uma das bases do pensamento humano, juntamente com o mito, a arte, a filosofia e a ciência.
Caso pretendermos pensar no ensino religioso dentro das escolas públicas, este terá que se pautar em bases democráticas, onde não é a maioria que esmaga o direito da minoria, mas a pluralidade das partes é assegurada como elemento primordial da compreensão da grande diversidade humana. Neste caso, o estudo do ensino religioso deverá tratar de todas as manifestações religiosas e conseqüentemente dos valores cultuados por estas, sem que haja qualquer tipo de detrimento de uma por outra. O que deve balizar o ensino religioso dentro de uma perspectiva dos direitos humanos a luz do imaginário de uma Escola Democrática e Inclusiva, é o aprofundamento do multiculturalismo, onde os cultos dominantes e não-dominantes terão o mesmo espaço, tempo e intensidade na abordagem em sala de aula. Isto porque, desde representações indígenas animistas, panteístas afro-orientais e monoteístas judaico-cristãs e islâmicas terão o seu direito respeitado enquanto patrimônio cultural da humanidade, assim como as interpretações mitológicas, místicas, agnósticas e atéias serão compreendidas e explicada a luz da grande dúvida que permeia as questões sobrenaturais da vida.
Logo, mesmo que não saibamos quem será o responsável para lecionar está destacada disciplina, sabemos que não poderá ser uma pessoa com um discurso unidimensional ou dogmático com relação aos seus preconceitos. Será necessário que esta pessoa percorra os muitos caminhos que a religião se direciona, principalmente, para atender uma sociedade que passa por um grande crivo de discussões com relação aos seus valores morais e éticos. Temas como aborto, eutanásia, clonagem, homofobia, pena de morte, vida extra-terrena, inconsciência, entre outras são da ordem do dia a alguns anos. Mesmo que os veículos de comunicação propaguem poucos segundos de discussão para que se alcance uma compreensão e explicação sobre estes temas, o ensino religioso dará oportunidade para a reflexão ativa, necessária para os jovens desenvolver sua formação adulta guiada na tolerância, na relatividade, na pluralidade e na universalidade.
Em suma, uma abordagem ecumênica nunca será descartada do espaço público, pois este se alimenta de todos os valores éticos e morais produzidos nos espaços particulares, quando são aceitos sem prejuízo de todas das partes. Pois Tupã, Oxalá, Javé, Jeová, Deus, Buda, Alá, Grande Arquiteto do Universo e entre outros são nomes dados a mesma referência espiritual que acreditamos ou não enquanto entidade superior, e sua compreensão e explicação devem ser comungadas por todos, como um patrimônio que não será retirado de você, mas dado para qualquer um. Por fim, não devemos fugir desta questão se apoiando em percepções de outrora.
As decisões tomadas pelos nossos antepassados serviram como resoluções para seus respectivos problemas. Hoje, passamos por outros, que podem ser parecidos, mas não iguais. Dessa forma, perceber o que podemos decidir aqui poderá ser refutado no futuro sem prejuízo das gerações futuras, pois terão como aprendizado que propusermos para eles neste dia.
Texto escrito por Norlan Silva, 39 anos, cineasta e professor de sociologia pela Secretaria de Educação do Distrito Federal. Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Salvador. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.