Pesquisadores apontam riscos da reforma da educação paulista

Para educadores, além do perigo de aumento de reprovação, novas possibilidades de retenção, provas e lição de casa não necessariamente vão resolver o problema de aprendizado dos alunos; mudança de currículo pode afastar professor
Resgatar boas ideias e introduzir novidades. Essa foi uma das formas com que o prefeito Fernando Haddad (PT) resumiu o programa de reforma da educação municipal, anunciado este mês. Entretanto, mais do que resgatar e inovar, o plano terá de ser capaz de fazer funcionar medidas conhecidas e até existentes na rede, mas que encontraram dificuldades para se tornarem efetivas para a melhoria do aprendizado.
A linha geral do programa é aumentar a exigência para os alunos do ensino fundamental, acompanhando desempenho, oferecendo recuperação e, caso não haja jeito, reprovando quem não progrediu. A reforma aumenta de dois para cinco anos as chances de retenção – medida criticada pela maioria dos especialistas, que receiam aumento nos índices de reprovação, que só puniria quem tem mais dificuldades e que pode refletir em abandono da escola.
Nas estratégias para o acompanhamento surgem as boas ideias a resgatar, citadas por Haddad. Provas e boletins bimestrais e lição de casa obrigatória. Atualmente, a aplicação de provas e lição de casa ficam a critério de cada professor.
Para a pesquisadora em Educação Paula Louzano, doutora pela Universidade de Harvard, a maioria das ações propostas tem grande risco de não se consolidar porque não deve resolver o problema de aprendizado. “Pesquisas internacionais mostram que, geralmente, as melhores medidas para a educação são as mais complexas. Porque a educação é complexa. Ter prova bimestral, por exemplo, depende do tipo de avaliação, do que se faz com ela”, diz.
Paula afirma ainda duvidar da forma como a Secretaria de Educação vai acompanhar as iniciativas e completa: “A sensação ao se lançar uma reforma é a de que nada estava acontecendo antes na rede, o que não é verdade”.
A recuperação também será um desafio no novo plano. A implementação de reforço no contraturno na rede já esbarrou em problemas de estrutura e de falta de educadores.
Professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, Maria José Nóbrega participou como consultora de um dos programas de reforço em leitura da rede nos últimos três anos. “Além da falta de professores, as escolas não tinham como acomodar os alunos, não havia sala nem transporte. A gente não conseguia fidelizar os alunos. A família não deixava ficar porque não tinha como voltar para casa”, diz ela, que atua como assessora em programas de formação do Ministério da Educação.
Ciclos. Maria José elogia a organização da proposta, mas aponta algumas lacunas. O ponto principal é na divisão dos ciclos – antes separados em dois, passaram a ser divididos em três: Alfabetização (1.º ao 3.º ano), Interdisciplinar (4.º ao 6.º ano) e Autoral (7.º ao 9.º ano).
“O único que a gente consegue ver o que será é o de alfabetização, porque os outros dois ciclos são uma caixa-preta”, diz. Ela aponta também o risco de abandono de currículos. “A educação tem de apostar a longo prazo. Ao desmontar uma proposta e colocar outra, isso passa para o professor que ele não precisa se aplicar com aquilo, porque logo vai mudar de novo.”
O professor de Artes Fabiano Chrisostomo, de 29 anos, afirma ver o projeto de reforma do ensino municipal com otimismo. “A possibilidade de retenção em mais anos vai aumentar o comprometimento do aluno e do professor com o aprendizado. Ajuda a entender melhor o papel da escola”, diz ele, que leciona em uma escola de São Mateus, zona leste de São Paulo.
A pesquisadora Vanda Ribeiro, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação (Cenpec), ressalta que o processo de implementação é essencial. “Depende muito do arranjo dos processos de ensino, aprendizado, relação com currículo e planejamento. O tiro no pé será se a secretaria não tiver estratégia bem delineada de como vai evitar o aumento da reprovação”, diz. “Será necessário mexer no jeito de fazer e vai depender muito do diálogo com a rede.”
Segundo o secretário de Educação, Cesar Callegari, o trabalho para ouvir as propostas dos educadores está se intensificando. “Estamos olhando todas as contribuições, alertas e vários pontos serão retocados. Mas a secretaria tem convicção forte no que anunciamos”, diz.
Nossa primeira preocupação é que o MEC tome atitudes sem consultar os mais interessados, as entidades e os sindicatos dos docentes. Uma decisão assim depende de muita discussão. Até podemos avaliar a proposta, mas o mais urgente agora é aprofundar os debates sobre as diretrizes para a carreira e isso depende de uma decisão política.
O Estado de S.Paulo – 26/08/13