PEC dos precatórios legaliza desvio de dinheiro público e afeta a educação

Até o fim da manhã desta terça-feira (9/11), quatro dos atuais dez ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram a favor da suspensão da execução das chamadas “emendas de relator” no Orçamento de 2021, as chamadas RP-9. Os ministros do STF têm até quarta-feira (10) para concluírem a votação. Essas emendas compõem o ilegal e inconstitucional “orçamento paralelo”, que, por causa da falta de transparência na destinação e gasto desse dinheiro público, ficou conhecido como “orçamento secreto”.

 

Essa é a fonte de dinheiro público que o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL/União Brasil) usa, desde 2019, para turbinar emendas parlamentares de aliados no Congresso Nacional e institucionalizar a compra de votos e aprovar projetos nocivos ao País.  Um deles é a Proposta de Emenda à Constituição nº 23, de 2021, (PEC 23/21), conhecida como PEC do calote nos precatórios, denunciada por prejudicar diretamente a educação pública e legalizar a fraude financeira denominada “securitização da dívida pública”.

 

A PEC 23, que era tida como derrotada, de repente, foi aprovada em primeiro turno, na semana passada, após várias irregularidades, manobras fraudulentas e infrações ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados cometidas pelo presidente da Casa Legislativa, deputado Arthur Lira (PP-AL), e pelo desembolso de R$ 1,2 bilhão em dinheiro vivo e público para compra dos deputados que votaram a favor da proposta.

 

Mesmo com as denúncias de irregularidades na tramitação e a comprovação da compra de votos, a ministra Rosa Weber, que deu liminar favorável à suspensão do “orçamento secreto”, manteve a votação em segundo turno, prevista para esta terça-feira (9), da PEC dos Precatórios. Ela negou várias ações de parlamentares e partidos políticos no Supremo com pedidos para suspensão da tramitação dessa PEC. Na votação em primeiro turno, era tanto dinheiro público à disposição de parlamentares sem a necessidade de prestação de contas que até deputados do PDT e do PSB, partidos considerados de oposição, e até mesmo do campo da esquerda, entraram no esquema e votaram a favor da PEC. Deram vitória ao governo federal numa proposta que legaliza, segundo especialistas, o desvio de recursos dos impostos para banqueiros e afeta diretamente a educação, a saúde e todos os setores públicos. Só em outubro, o governo Bolsonaro gastou quase R$ 3 bilhões em emendas do relator.

 

Um levantamento da ONG Contas Abertas, que fiscaliza o Orçamento público, indica que, exatamente uma semana antes da aprovação da PEC dos Precatórios em primeiro turno na Câmara, o governo Bolsonaro empenhou R$ 909 milhões apenas em emendas do relator. Apuração da CNN Brasil indica que, no orçamento de 2021, as emendas parlamentares individuais, entre senadores e deputados federais, custaram R$ 9,6 bilhões. Já as emendas para as bancadas dos partidos foram de R$ 7,3 bilhões. As de comissão foram zeradas. Entretanto, as de relator, que começaram a partir do Orçamento de 2020, custaram R$ 18,5 bilhões.

 

 

 

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) divulgou nota repudiando a votação anterior e convocando a categoria para pressionar contra essa. Na nota, a CNTE afirma que, “além de causar grave insegurança jurídica ao País – autorizando calote em títulos judiciais pertencentes a servidores, agentes particulares e entes públicos, aplicando deságio de até 40% nos títulos, menor remuneração pela taxa Selic e parcelamento em 10 anos, sem contar a prorrogação inevitável no tempo médio para recebimento de precatórios em razão dos parcelamentos que se sucederão infinitamente –, prorroga investimentos na educação (precatórios do Fundef), impõe regime de securitização de recebíveis da dívida ativa com ampla desvinculação orçamentária nas três esferas (inclusive das rubricas de educação e saúde) para (re)financiar dívidas com bancos e outras instituições financeiras, onera servidores municipais impondo a antecipação de regras da Reforma da Previdência, entre outros prejuízos”. Clique aqui para ler a nota da CNTE.

 

A suspensão do orçamento secreto

 

A liminar que suspendeu o uso de recursos financeiros públicos por meio do chamado “orçamento secreto” é resultado de ações movidas no STF pelos PSOL, Cidadania e PSB, pedindo para tornar sem efeito a execução dessas emendas. Os partidos alegam que existe um esquema fraudulento com dinheiro público para aumentar a base política do governo Bolsonaro no Congresso por meio de grandes desvios de dinheiro do Estado por meio do chamado “orçamento paralelo”.

 

Na liminar, a ministra Rosa Weber indica que o Congresso Nacional e o governo Bolsonaro devem adotar, de agora em diante, medidas de transparência para a destinação dos recursos financeiros públicos. Ainda na liminar, Weber questiona o Tribunal de Contas da União (TCU), que julgou as contas do Presidente da República, referentes a 2020, viu o aumento expressivo na quantidade de emendas apresentadas pelo relator do Orçamento em mais de 500% e ainda assim a aprovou. A ministra observou que não há critérios objetivos e transparentes para a destinação dos recursos.

 

A suspensão do “orçamento secreto” paralisou o governo Bolsonaro e seus aliados no Congresso Nacional. Arthur Lira foi ao STF, pessoalmente, na noite dessa segunda-feira (8), para pressionar o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, para que derrubem a liminar de Weber. A pressão moveu o STF e a votação da liminar começou na madrugada, desta terça-feira (9/11). Jair Bolsonaro também foi às redes sociais criticar a ordem de Weber: “há uma excessiva interferência do Judiciário no Executivo”.

 

Na manhã desta terça, a ministra do STF, Cármen Lúcia, em seu voto, rebateu a declaração do Presidente. “Ela diz que a Constituição não permite que agente público atue com segredos antirrepublicanos e o Planalto de usar emendas para cooptar apoio político, além de afrontar o princípio da igualdade porque privilegia parlamentares e põe em risco sistema democrático”.

 

Securitização: o maior desvio de dinheiro público

 

Em vídeos, matérias e artigos, Maria Lucia Fattorelli, auditora fiscal aposentada e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, tem denunciado tanto a nocividade da PEC do calote nos precatórios e nos cofres públicos, como o uso de “emendas de relator” para aprová-la. Ela explica que “emendas ao relator” nada mais são do que a distribuição de dinheiro público a parlamentares, sem transparência e sem prestação de contas.

 

E alerta para o fato de que, além de tudo, a PEC do calote nos precatórios institui uma fraude bancária, proibida em todo o mundo, denominada “securitização de créditos públicos”, que cria uma dívida “pública” ilegal para desvio de dinheiro do Estado. “Um criminoso e grave esquema de desvio de recursos públicos advindos dos impostos pagos pelo povo diretamente para os bancos sem que esse recurso financeiro seja contabilizado pelo Estado brasileiro. Segundo ela, esse esquema é proibido em quase todos os países. Ela afirma que a PEC 23/21 frauda a Constituição Federal e não menciona em seu texto nada sobre o temporário Auxílio Brasil”, afirma.

 

Ela elucida em artigos, postagens nas redes sociais e em vídeos no YouTube que, se aprovada em segundo turno, a PEC do calote nos precatórios irá implantar “essa perversa engenharia financeira, mediante a qual grande parte das receitas estatais não chegará aos cofres públicos, pois é desviada durante o seu percurso pela rede bancária, para o pagamento de dívida ilegal gerada por esse esquema, semelhante a um ‘consignado’”. Ela conta que “durante auditoria feita pelo Parlamento da Grécia, em 2015, passamos a combater as tentativas de legalização desse esquema fraudulento no Brasil”, diz a auditora fiscal”.