Passe Livre e Educação

Por Paulo Cesar Marques da Silva*

A Lei n. 4.462, de 13 de janeiro de 2010, que instituiu o Passe Livre Estudantil no Distrito Federal tem lá suas
limitações, mas sempre foi considerada um importante instrumento de política educacional. É, certamente, um dos
dispositivos mais avançados do Brasil em termos de conceito e mesmo de operacionalização. Como tudo na vida,
contudo, a lei merece sempre ser aperfeiçoada e não faltam propostas para tanto.

Um aspecto que sempre vem à tona nos debates sérios entre as pessoas que atuam nas áreas de mobilidade ou de
educação – ou em ambas, como no meu caso – diz respeito à natureza desse tipo de política, em suas múltiplas
dimensões. Uma primeira dimensão cujo exame pode ser esboçado aqui neste curto espaço diz respeito a ser uma
política universal ou focada. Com está na lei, o Passe Livre pretende ser universal, já que abrange “estudantes do ensino
superior, médio e fundamental da área urbana, inclusive alunos de cursos técnicos e profissionalizantes (…) e alunos de
faculdades teológicas ou de instituições equivalentes, os quais residam ou trabalhem a mais de um quilômetro do
estabelecimento em que estejam matriculados” (Art. 1º., caput), estendendo-se ainda “aos estudantes que estejam
realizando estágio obrigatório, computando-se o trajeto residência-escola-estágio-residência para esse fim [e] aos
estudantes da área rural atendidos na forma da legislação e regulamentos específicos” (§ 5º. do mesmo artigo).

Uma segunda dimensão poderia identificar o quanto a política entende a educação de forma global. Aqui eu lamento
reconhecer que a lei é muito limitante, praticamente reduzindo a formação do educando a frequentar a sala de aula. Isso
se reflete, por exemplo, no § 2º. do mesmo Art. 1º., quando estabelece que “a gratuidade referida neste artigo se
estenderá a qualquer horário e qualquer itinerário, dentro do limite comprovado pelo estudante, sem aumento na
quantidade de passes”, limitando o benefício “a 54 (cinquenta e quatro) viagens por mês e por estudante, durante o
período letivo” (Art. 4º.). Estudantes, docentes e gestores da UnB bem sabem quão difícil é assegurar o Passe Livre para
cursar disciplinas no semestre de verão ou participar de pesquisas e projetos de extensão fora dos períodos de aula. Isso
para não falar que frequentar museus, bibliotecas, teatros etc. também faz parte da formação do educando, independente
de esses estabelecimentos estarem ou não localizados no caminho da escola.

Esse acúmulo de reflexões não é recente. Vem de um tempo muito anterior à própria lei e subsidiou boa parte dos
debates que se travaram por ocasião de sua publicação há oito anos. Por isso mesmo é de se lamentar que o tema tenha
passado tão longe dos discursos ouvidos na última campanha eleitoral. Ainda que condicionado pelas dinâmicas
próprias das disputas por votos, o confronto de propostas teria sido certamente bastante elucidativo sobre tópicos
fundamentais de nossas vidas, tais como o financiamento dos serviços de transporte e o direito à cidade.
Se as candidaturas não pautaram tais temas e acabamos perdendo a oportunidade do debate durante a campanha, seria
legítimo esperar que ele se travasse a partir do início do ano legislativo, revisitando as bases conceituais da política do
Passe Livre Estudantil e estudando seus impactos à luz dos objetivos de inclusão social e universalização do acesso à
educação.

Por isso causa profunda estranheza que o Governador Ibaneis Rocha apresente de forma tão abrupta a intenção de
restringir o direito, ainda que sob o argumento da economicidade. Não se conhecem os dados que poderiam justificar a
proposta. Por exemplo, qual é o perfil socioeconômico do estudante que usa o Passe Livre? Em quanto seria reduzido o
custo do sistema caso os estudantes de alta renda sejam dele excluídos? Quanto custaria avaliar (e fiscalizar) a condição
socioeconômica dos candidatos ao Passe Livre?

Prezado Governador, acho que tenho uma ideia melhor. Por que, em lugar de prosseguir por esse caminho, o senhor não
propõe um estudo sistêmico sobre os benefícios que o Passe Livre proporciona à educação? Oito anos de vigência da
Lei 4.462 já produziram um ótimo material de trabalho, que permite construir cenários os mais diversos. Inclusive
ampliando o alcance da lei. Tenho certeza de que uma chamada assim despertaria tanto interesse no meio acadêmico
que a pesquisa custaria muito pouco ao GDF. E o resultado, robusto, orientaria as políticas educacionais e de
mobilidade, não só durante seu governo, mas por muitos anos além dele. Pense nisso, Governador.

Fonte: Correio Braziliense. Publicado no dia 23 de janeiro de 2019

*Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Doutor em Estudos de Transportes pela University
College London (Inglaterra)