Parlamentar persegue liberdade de cátedra em escola pública do DF

A liberdade de cátedra volta a ser atacada no Distrito Federal. O Centro Educacional 06 (CED 06), situado no P Sul, foi interpelado pela deputada distrital Sandra Faraj (SD) por causa de uma aula de PI 2 na qual o professor ministrou o tema transversal da diversidade.  Deneir de Jesus Meireles, professor de Biologia e de PI 2, foi fotografado durante aula sobre integração de gênero. A imagem foi veiculada no perfil de Facebook da parlamentar, que intimou a escola a prestar esclarecimentos sobre o conteúdo ministrado.
Sentindo-se perseguido e reprimido no exercício do magistério, o professor procurou o Sinpro-DF. A diretoria colegiada tomou as providências cabíveis. “Ele não infringiu nenhuma lei e está correto ao aplicar em sua atividade pedagógica os temas transversais previstos no Currículo das Escolas Públicas do Distrito Federal da Secretaria de Estado da Educação do DF (SEEDF) (página 58 do Caderno Pressupostos Teóricos), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e em outras legislações, como o art. 19, inciso VI, da Resolução 1/2012, todas em vigor”, explica Berenice D’Arc Jacinto, diretora de Políticas Educacionais do Sinpro-DF e conselheira de Educação do Distrito Federal.
Na avaliação da diretoria do sindicato, há um exagero na interpelação da deputada. “Toda aula e toda ação de docentes não são elaboradas à revelia. Elas seguem a orientação curricular das escolas públicas brasileiras.  Temos respaldo legal para trabalharmos temas transversais, como a diversidade, nas escolas”, afirma Wiviane Farkas, coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade.
Ela esclarece que trabalhar a diversidade em sala de aula é semelhante a trabalhar temas como o racismo, a LGBTfobia, o bullying, as drogas: assuntos transversais que fazem parte do dia a dia da comunidade escolar e precisam ser ministrados. “Em primeiro lugar, o professor, e outros que também têm enfrentado esse tipo de perseguição fundamentalista nas escolas do DF, agiu com extremo profissionalismo, desenvolvendo um conteúdo que é colocado pelo Ministério da Educação (MEC) e pela SEEDF”.
E continua: “Em segundo, a diversidade acontece em todos os espaços e a escola é um espaço vivo. Dentro dela precisamos nos remeter não somente a isso, mas a outros assuntos, como drogas, furtos, violência doméstica, desigualdade de gênero e outros que precisam ser pontuados. A educação não pode ser somente conteudística, como se nada tivesse acontecendo ali. Temos os temas transversais. O professor Deneir simplesmente desenvolveu o que está posto no currículo”, disse Wiviane.
Jucimeire Barbosa, diretora da Secretaria de Raça e Sexualidade, lembra que o Sinpro-DF realiza, nas escolas, os Ciclos de Debate justamente para capacitar o (a) professor (a) a levar à sala de aula os temas transversais da diversidade de gênero e racial. “E vamos continuar levando porque a sala de aula é o locus ideal para trabalharmos esse tipo de temática, que é uma das poucas ações pedagógicas que erguem uma sociedade democrática e igualitária e são capazes de reduzir a violência porque gera o respeito mútuo”, avisa.
O professor Deneir foi interpelado porque nas últimas aulas de PI 2 desenvolveu o tema transverso da sexualidade. “Esse trabalho, especificamente, era para ter sido uma intervenção. Foi trabalhado, rapidamente, com os estudantes o conceito dentro das cinco temáticas colocadas, por exemplo, homofobia, integração entre gêneros, homossexualidade, pansexualidade, transexualidade. Traduzindo: meninos jogam bola, meninas jogam queimada. Ou seja, foi trabalhado de forma que se evite, na escola, situações como essas, geradas, às vezes, por nós mesmos”, explica o professor.
Para Delzair Amâncio, diretora de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF, a ação da deputada humilha a categoria docente, desrespeita o professor que está no exercício lícito de sua função e ameaça a educação pública do DF ao implantar a censura e a perseguição político-profissional. “Para impedir o debate sobre diversidade de gênero, a parlamentar ignora a necessidade de se debater os preconceitos e outros tipos de violência advindos das discriminações por causa da orientação sexual, raça, gênero, além de desrespeitar a Constituição Federal no artigo em que trata da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar”, afirma.
Em entrevista ao Correio Braziliense, Dimas Rocha, diretor de Assuntos Jurídicos, Trabalhistas e Socioeconômicos do Sinpro-DF, disse que “temos uma lei de gestão democrática que organiza as escolas e estabelece a autonomia do trabalho pedagógico dos professores e da instituição de ensino. O professor tem que ajudar os alunos a entender a sociedade, ele não pode ser cerceado ao tocar em temas importantes da atualidade”, declara.
O jornal informa também que o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal publicou, nesta terça-feira (5), uma nota de repúdio ao posicionamento da parlamentar. ““O Conselho repudia a tentativa de interferir na autonomia dos professores da escola citada. É conhecida a saga da deputada que enviou o ofício, para que os temas de gênero e orientação sexual não sejam discutidos, o que não encontra base legal. O Conselho é afirmativo na necessidade de discussão dos temas de diversidade nas escolas para o estimulo de uma cultura da paz e tolerância”, diz a nota da entidade.
Deneir Jesus afirma que, “se o Distrito Federal continuar com esse tipo de procedimento, irá comprometer os conteúdos de várias disciplinas, como biologia, sociologia, filosofia, história, geografia, literatura, artes. Pensando dessa forma estaremos impedidos de falar de romantismo e, nas artes, de Frida Khalo”.