Padrão médico para os professores, já!

Propostos recentemente pelo governo para enfrentar os graves problemas de saúde pública do país, a forma de contratação de médicos e os dois anos de estágio para a conclusão do curso vêm sendo reiteradamente destratados pelos grandes conglomerados de comunicação, transformados em destilaria do incorrigível ranço das elites.
Defendo a iniciativa do governo utilizando o mesmo raciocínio que fiz na defesa do ProUni, medida emergencial tomada para garantir – com recursos públicos – vagas para estudantes de baixa renda nas universidades particulares.
Mesmo defendendo que a verba pública deva ser utilizada somente para a escola pública, posição esta defendida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), pela CUT e por todos os sindicatos de professores do Brasil, flexibilizei este princípio com a compreensão da impossibilidade de construir universidades públicas em tão pouco tempo para atender a tantos estudantes. Sem uma formação superior estes jovens teriam perdido o bonde da história.
No caso da saúde sigo a mesma lógica: nas regiões inóspitas deste país o paciente está doente agora e precisa ter atendimento imediato, até para ser curado de enfermidades mais corriqueiras, especialmente nas localidades mais pobres. Como cidadão considero um absurdo a tentativa de se criar uma contradição entre o envio de médicos a essas regiões e a não existência de um hospital equipado, reivindicação mais do que correta, mas que não pode entrar em choque como negação ao pronto atendimento necessário.
Sobre a ampliação do curso de medicina de seis para oito anos, com dois anos de estágio na rede pública para concessão do registro definitivo, concordo com Adib Jatene quando afirma que “precisamos formar um médico capaz de atender a população sem usar alta tecnologia”, pois “o médico precisa se transformar num especialista de gente”. Tal estágio é uma prática comum em inúmeros países que humanizam a prática da medicina, colocando corretamente a vida em primeiro lugar.
Também compreendo que a alocação destes profissionais não pode ser impositiva, mas seguindo o critério de concursos públicos, com as vagas devidamente preenchidas conforme a colocação.
Esta ideia de se estimular um estágio para os alunos de medicina, especialmente das universidades públicas, poderia ser estendida a outras carreiras do ensino superior, estimulando a socialização do saber com justa remuneração.
Infelizmente, questões polêmicas como estas, que deveriam ser amplamente avaliadas e ponderadas pelo conjunto da sociedade com a relevância que merecem, têm seu debate obstaculizado pela visão retrógrada dos que tentam impor sua pauta, suas necessidades e negócios, acima dos interesses da sociedade.
A mesma imprensa que dá, corretamente, generosos espaços à AMB, APM e ao Cremesp para combater a proposta do governo, não concede a mesma fluência a quem pensa diferente, calando o contraditório. A mídia fomenta os seus aliados ao mesmo tempo em que invisibiliza a luta dos movimentos sociais, da CNTE e da CNTSS, por mais verbas para a saúde e educação. Em São Paulo e Minas Gerais, desgovernados por tucanos, procura jogar a população contra os servidores quando se mobilizam em defesa de serviços públicos de qualidade, que escoa pelo ralo nesses dois estados.
Outro debate que precisamos fazer é sobre o financiamento dos serviços públicos. Afinal, quem sustenta a escola e a universidade pública é a população que paga impostos, especialmente a mais pobre, que proporcionalmente paga mais. Como todos nós sabemos os ricos não pagam impostos neste país. Por isso a CUT sempre defendeu a reforma tributária. É a população mais pobre que paga mais impostos, então  por que não destinar a ela, como contrapartida social, este período de formação, com dedicação remunerada? A rejeição pura e simples revela mais do que preconceito, estampa uma visão profundamente individualista sobre como enfrentar um problema que nos aflige coletivamente e como tal necessita ser resolvido. Desta maneira a universidade continuaria sendo pública, que é um princípio que defendo, mas com uma visão muito mais ampla.
Por proposta de Adib Jatene, durante o governo Itamar Franco, foi criado o Imposto provisório sobre Movimentação Financeira, depois convertido em CPMF, com certeza o mais defensável imposto criado neste país que, além de vitaminar a saúde, era uma forma de controlar os sonegadores.
Quando os tucanos perderam a eleição para Lula se aliaram com os ricos, a imprensa golpista e seus representantes no Congresso Nacional, e acabaram com a CPMF, retirando R$ 50 bilhões da Saúde, contribuindo para criar o caos na saúde pública. Vale lembrar que por inconfessáveis razões, a mídia foi então a grande propulsora da campanha desinformativa contrária à manutenção daquele imposto.
Concordo com os médicos quando lutam por melhores equipamentos e novos hospitais. No entanto discordo frontalmente quando rejeitam de forma atabalhoada uma proposta tão importante quanto estratégica para o real enfrentamento ao problema.
Se oferecerem uma proposta desta natureza de se pagar um piso aos professores de cinco mil reais – a metade do valor proposto aos médicos – para lecionarem em regiões de diferentes acessos, teríamos o início de uma revolução. Iríamos para estas regiões com um livro debaixo do braço, a saliva, a garra e a coragem. Daríamos aulas até debaixo de uma árvore, sem deixar de continuar lutando por uma escola com laboratório, biblioteca e bem equipada.
E o Brasil seria outro.
Escrito por: João Antonio Felício, secretário de Relações Internacionais da CUT