Outubro Rosa: do combate ao câncer ao desmonte da ciência brasileira

Desde os anos 1990, o mês de outubro é conhecido, mundialmente, como o mês marcado por ações afirmativas relacionadas à prevenção e diagnóstico precoce do câncer de mama. Contudo, o Brasil só aderiu à campanha em 2002 e nunca mais deixou de participar. Anualmente, realiza o Outubro Rosa para compartilhar informações sobre o câncer de mama e, agora mais recentemente, acrescentou o câncer do colo do útero.

 

Com a campanha, busca promover a conscientização sobre o câncer, proporcionando maior acesso aos serviços de diagnóstico e contribuindo para a redução da mortalidade. No lançamento deste ano, ocorrido no dia 1º de outubro, no Ministério da Saúde, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) informou que, em 2020, mais de 2,3 milhões de mulheres no mundo descobriram que estavam com câncer de mama.

 

Esse tipo de tumor é o que mais acomete a população feminina brasileira e representa cerca de 24,5% de todos os tipos de neoplasias diagnosticadas. Também é o câncer que mais mata. É para alertar as mulheres e a sociedade sobre a importância fundamental da prevenção e do diagnóstico precoce da doença que existe a campanha do Outubro Rosa.

 

O Inca estima que há 66.280 casos de câncer de mama ao ano. São 44 casos diagnosticados a cada 100 mil mulheres. Os óbitos são de 16 para 100 mil. Ainda, segundo o instituto, o câncer de mama é o mais incidente na população mundial. “O Sinpro-DF se preocupa com o tema, pois a maioria dos servidores e das servidoras da educação é mulher. Diagnosticado precocemente o câncer é tratado”, afirma Vilmara Pereira do Carmo, coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sinpro-DF.

 

Luciane Kozicz, psicóloga do Sinpro-DF, afirma que, muitas vezes, as pessoas evitam os diagnósticos porque a dor e a doença são vistas como deformidade. “Descuidar na relação consigo e suprimir o conflito aumentam a gravidade e sacrificam o viver. Implicar-se é a única forma de construir pontes para um percurso feliz e saudável”, diz.

Este ano, durante o lançamento, os servidores públicos do Inca detalharam as dores e os custos atualizados do câncer de mama para o Sistema Único de Saúde (SUS) e mostraram que hábitos saudáveis também ajudam na redução de riscos. Como prevenir o câncer

 

A atual gestão do Ministério da Saúde aponta como “gasto” o investimento do dinheiro público do Brasil em campanhas, tratamentos, prevenção do câncer feitos pelo SUS e na pesquisa científica e tecnológica, fundamentais para reduzir e combater a doença. Com isso, o País participa da campanha Outubro Rosa 2021 com imensas dificuldades por causa da falta de recursos públicos para enfrentar, combater e tratar o câncer.

 

“O orçamento que o País tem hoje para a área de ciência e tecnologia é o menor dos últimos 20 anos, mesmo aplicando índices de correção financeira, monetária, inflação. No governo Michel Temer (MDB), que aplicou o golpe de Estado em 2016 para impor ao Brasil a política econômica neoliberal em curso, o setor perdeu 45% do valor de investimentos em ciência e tecnologia do que vinha sendo praticado nos governos Lula e Dilma. No governo Bolsonaro, o setor sofreu com sucessivos cortes. Perdemos muito mais de 60% do que, originalmente, era o orçamento do setor”, informa Élbia Pires, coordenadora da Secretaria de Saúde do Trabalhador do Sinpro-DF.

 

Em setembro, Bolsonaro cortou 46% do orçamento do Ipen



Dez dias antes do início da campanha 2021, o governo Jair Bolsonaro cortou, em setembro, 46% da verba do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que produz remédios, denominados radiofármacos e radioisótopos, para tratamento do câncer. Por causa do corte, o Ipen parou, por tempo indeterminado, de produzir os preparados farmacêuticos usados no tratamento do câncer no Brasil. Órgão responsável pelo fornecimento de 25 tipos de radiofármacos aos laboratórios e hospitais de todo o Brasil, o Ipen responde por 85% de toda a produção nacional desse tipo de medicamento, com material radioativo.

 

Roberto Muniz, diretor do Sindicato Nacional dos Gestores Públicos em Ciência e Tecnologia e presidente da Associação de Servidores do CNPq, afirma que, “sem o Ipen, o Brasil não consegue produzir radiofármacos e não encontra no mercado internacional para abastecer a rede nacional, o que interfere no combate ao câncer, e que, com a redução sistemática nos últimos 5 anos no orçamento, a ciência e tecnologia parou de crescer, mas o resto do País continuou tendo aumento no número de estudantes, de pesquisadores, da população doente”.

 

Mas não é só perda de recursos financeiros públicos no Ipen e na pesquisa científica. A área de ciência e tecnologia perdeu, segundo Muniz, infraestrutura. Isso ocorre porque, em não havendo orçamento financeiro, o setor não adquire equipamentos e insumos. Ele afirma que, nesses 20 anos e, sobretudo, nos últimos 5 anos, a infraestrutura foi ficando obsoleta, desgastada, depauperada. “E o País também perdeu nesse aspecto”, assegura.

 

Segundo ele, outro fator importante que enfraquece ainda mais a pesquisa científica é que de 2016 para cá houve desinvestimento em recursos humanos. Os governos Temer e Bolsonaro pararam de fazer concurso público; desvalorizaram as carreiras, como a de gestão em ciência e tecnologia, que é a de servidores públicos que atua na Capes, CNPq, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, institutos de pesquisas. Hoje há um número reduzido de servidores públicos trabalhando em prol da ciência e, a maioria, idosos, já próximos da aposentadoria, como é o caso do CNPq, que precisa de 700 servidores públicos em gestão de ciência e tecnologia e, hoje, conta com menos de 300.

 

Desmonte da infraestrutura e do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia

 

O desinvestimento em ciência e tecnologia atrapalha e prejudica muito as políticas de combate e prevenção do câncer de mama e também outros tipos de cânceres e todas as demais doenças. O caso mais notável é o do Ipen que, sem financiamento, não produz os radioisótopos e as pesquisas científicas em oncologia. Mas existe muita coisa a ser pesquisada e desenvolvida para combater, prevenir e até curar o câncer que está sendo prejudicada seriamente pela falta de investimentos de dinheiro público na área de ciência e tecnologia.

 

“Não há editais específicos para o setor, não há renovação dos equipamentos, não há formação de recursos humanos que possam estar cada vez mais especializados e isso dificulta o desenvolvimento de ciência e prejudica a população. Hoje, por exemplo, o Brasil está com o parque de equipamentos antiquados para fazer mamografia. Os equipamentos modernos de mamografias digitais são menos invasivos, menos dolorosos, mais precisos na detecção dos tumores e o Brasil não tem investido nisso. A gente tem de importar, fica dependendo dessa tecnologia estrangeira e a falta de investimento acaba prejudicando a mulher brasileira que fica sujeita às tecnologias ultrapassadas, dolorosas, antiquadas, gerando maiores dificuldades no combate ao câncer”, denuncia Roberto Muniz.

 

Ele afirma que “o governo Bolsonaro está desmontando todo o parque tecnológico e científico e todo o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, que foram construídos ao longo de 60 anos com muito sacrifício de toda a população brasileira, dos servidores públicos e, sobretudo, dos cientistas. Ele faz isso porque não tem interesse em reconhecer a ciência, a pesquisa e a tecnologia como instrumento de desenvolvimento econômico e social do Brasil”.

 

A prova disso é o caso das vacinas contra a Covid-19. A gente não desenvolveu uma vacina nossa para combater a covid-19. Estamos totalmente dependentes das grandes farmacêuticas para adquirir vacinas e se a gente não tivesse gerado conhecimento no Brasil nem isso a gente iria conseguir porque não teríamos o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para prepararem as vacinas, cujos insumos – que poderíamos estar produzindo – vêm do exterior.

 

O governo Bolsonaro adotou a política econômica neoliberal e neocolonialista que não tem o menor interesse em investir o dinheiro público brasileiro em desenvolvimento científico e prega a anti-ciência. Usa a narrativa da ‘terra plana’, e outros discursos cientificamente não comprovados, para desviar o dinheiro público e favorecer algumas pessoas e empresas brasileiras e estrangeiras que se enriquecem com a corrupção, como se vê na compra das vacinas anti-covid. Usa e continua usando o discurso do ‘negacionismo’ científico para continuar no ‘negocionismo’ com o dinheiro público.

 

“É um governo que não tem visão de país, não tem visão de nação que tem de ter autonomia e soberania nas suas ações. E a ciência e tecnologia contribuem para isso. Não que a gente não vá precisar do mercado internacional nunca mais, mas, a precisar, teremos uma atitude soberana e de autonomia de um País que tem independência para negociar essas coisas. Quando a gente, ou seja, o Brasil, não sabe produzir e não tem nenhuma produção interna, o mercado internacional impõe o preço que quer. Com a nossa produção nacional, além da nossa soberania e autonomia, desenvolver ciência e tecnologia é pensar estrategicamente, o que este governo Bolsonaro não faz”, conclui o sindicalista.