Os 91 anos do voto feminino e as professoras pioneiras do sufrágio feminino

O presidente da República Hermes da Fonseca e sua mulher, Orsina, recebem a professora Leolinda Daltro (segunda à esquerda)

24 de fevereiro de 1932. Nessa data, que hoje completa 91 anos, foi promulgado o decreto 21.076 que, além de criar a Justiça eleitoral no Brasil, instituiu o voto secreto e instituiu o direito das mulheres ao sufrágio.

O ano de 1933 foi o primeiro em que as mulheres puderam votar no Brasil, e foi na eleição para uma Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Carta Magna que entrou em vigor em 1934. Antes disso, em 1891, já havia sido apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição incluindo o voto feminino, cujo texto foi rejeitado.

Na sessão plenária de ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, destacou que, com esse decreto, o Brasil se tornou “um dos primeiros países do mundo a universalizar o voto inclusive para todas as mulheres”.

 

A luta começou no século XIX

A primeira tentativa de instituir o direito do voto às mulheres data de 1891, quando foi apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição incluindo o voto feminino, cujo texto foi rejeitado.

A pesquisadora Lidiane Ferreira Gonçalves, no trabalho “A organização político social feminina: um partido feminista em 1945”, de 2020, aponta que o movimento pelo voto feminino e pela igualdade de gêneros no Brasil são bem anteriores a 1932.

 

O Partido Republicano Feminino

O Diário Oficial de 17 de dezembro de 1910 traz a criação do “Partido Republicano Feminino”. O Partido Republicano Feminino foi fruto da reunião, na cidade do Rio de Janeiro, de “professoras, escritoras e donas de casa, somando ao todo 27 mulheres, que concordaram em assinar a ata de fundação de um partido político que tinha como objetivo integrá-las na sociedade política.”. Diz o documento da Fundação Getúlio Vargas que “Esse processo foi liderado pela professora Leolinda de Figueiredo Daltro, eleita presidenta da agremiação. Ela era conhecida por sua luta em defesa dos índios e dos direitos da mulher”. O texto também informa que “A primeira secretária do partido era uma mulher igualmente conhecida nos meios intelectuais da capital federal, a poetisa Gilka Machado (1893-1980), que assombrava a todos com sua poesia erótica e de denúncia da opressão feminina”.

Anna Amélia, Bertha Lutz, Mary Jane Corbett e outras integrantes da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (Acervo FGV)

O Partido Republicano Feminino era uma “uma instituição social de progresso individual, comum e geral; [que] durará por espaço ilimitado no tempo; será constituído de número ilimitado de pessoas do sexo feminino domiciliadas no Brasil, sem distinção de nacionalidade nem de religião, e terá sua sede na capital do Brasil.”, segundo o texto do Diário Oficial. O programa do partido, também publicado no DO, previa congregar a mulher brasileira na capital e em todos os estados do Brasil, a fim de fazê-la cooperar na defesa das causas relativas ao progresso pátrio; pugnar pela emancipação da mulher brasileira; estudar, resolver e propor medidas a respeito das questões presentes e vindouras relativas ao papel da mulher na sociedade; pugnar para que sejam consideradas extensivas à mulher as disposições constitucionais da República dos Estados Unidos do Brasil; propagar a cultura feminina em todos os ramos do conhecimento humano; combater, pela tribuna e pela imprensa, a bem do saneamento social, procurando, no Brasil, extinguir toda e qualquer exploração relativa ao sexo; Fundar, organizar e regulamentar, dirigir e manter instituições de utilidade geral, e cita como exemplo de utilidades as de instrução, de educação, de beneficência, de assistência geral, de crédito mútuo, de cultura física, de diversões.

As propostas vanguardistas do Partido Republicano Feminino têm mais de 100 anos, e continuam bem atuais. O partido foi desconsiderado pela sociedade brasileira do início do século XX pois, como lembra Lidiane Gonçalves, as mulheres “sequer tinham o direito ao voto ou quaisquer direitos políticos expressamente assegurados e, portanto, estavam totalmente fora do sistema formal de representação política. À época, poderiam criar clubes, associações, mas não um partido.”

 

Bertha Lutz, Celina Guimarães e Alzira Soriano

Em 9 de agosto de 1922 (6 meses após a Semana de Arte Moderna), é criada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), que sucede a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, organizada em 1919, após o retorno ao Brasil da bióloga formada pela Universidade de Sorbonne Bertha Lutz. Bertha entrara em contato com sufragistas em Paris, e trouxe a semente do voto feminino para o Brasil. A FBPF não tinha vinculação partidária, e foi classificada como associação. Com a decretação do Estado Novo, em 1937, pelo mesmo Vargas que havia instituído o voto feminino cinco anos antes, a FBPF teve suas atividades e seu prestígio enfraquecidos.

Bertha Lutz

A lei estadual 660, de 25 de outubro de 1927, do Rio Grande do Norte, fez daquele estado brasileiro o primeiro a instituir o voto feminino, a partir da não distinção de sexo para o exercício do voto. Essa lei permitiu a Celina Guimarães se tornar a primeira eleitora mulher, não só do Brasil como de toda a América Latina. 

Também no Rio Grande do Norte, uma mulher foi eleita pela primeira vez a um cargo público. Alzira Soriano conquistou a prefeitura da cidade potiguar de Lajes, com 60% dos votos, em 1928. Tomou posse em 1929, e perdeu o cargo em 1930 por não concordar com o governo de Getúlio Vargas.

 

A Luta continua. Sempre.

A luta das mulheres por seu espaço na sociedade vem de longa data e não tem hora para terminar. Chegamos às últimas eleições, em 2022, com um total de 156.454.011 de indivíduos aptos a votar. Desse total, 82.373.164 são do gênero feminino e 74.044.065 do masculino. O número de eleitoras representa 52,65% do eleitorado, enquanto o de homens equivale a 47,33%. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, as mulheres são maioria do eleitorado nacional desde as eleições de 2000. Em 2016, nos tornamos também maioria em todas as Unidades da Federação – e também no exterior: das 697.078 pessoas que moram fora do país e se habilitaram para votar para o cargo de presidente da República, 408.055 (59%) são mulheres e 289.023 (41%) são homens. Esses números correspondem, respectivamente, a 0,26% do eleitorado feminino e a 0,18% do masculino do país.

“A história nos mostra que a luta não é fácil, muito menos imediata. Mas precisa sempre de pioneirismo e vanguarda. O que hoje é trivial e indiscutível, como o direito das mulheres ao voto, há 100 anos era motivo de zombaria. E se não fosse pelas professoras Leolinda Daltro e Bertha Lutz, ainda seríamos motivo de zombaria. Muito obrigada, professoras, por iniciarem essa luta tão importante. Estamos aqui dando continuidade ao seu trabalho. Esperamos estar honrando tão precioso legado”,  destaca Mônica Caldeira, atual coordenadora da Secretaria de Mulheres do Sinpro.

MATÉRIA EM LIBRAS