O Brasil se mobiliza contra o desmonte da educação pública

Abraço na Biblioteca Central da UnB nesta terça-feira (7)/ Crédito: Secom/UnB

 

Dezenas de estudantes, professores(as) e funcionários(as) técnico-administrativos da Universidade de Brasília (UnB) realizaram, no meio-dia desta terça-feira (7), um abraço simbólico à Biblioteca Central (BCE) da universidade, no Campus Darcy Ribeiro, situado na Asa Norte.

A manifestação é um protesto contra o corte de 30% no orçamento da UnB, anunciado, na semana passada, pelo ministro da Educação Abraham Weintraub. Esse corte atingiu também a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), bem como todas as Instituições Federais de Ensino (Ifes) e o ensino básico do país.

Também contra esse corte, pais, estudantes e professores(as) do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, realizaram uma manifestação, nessa segunda-feira (6), que forçou o presidente da República, Jair Bolsonaro, a sair da comemoração do aniversário de 130 anos do Colégio Militar do Rio pela porta dos fundos.

Nas redes sociais, os(as) estudantes cariocas chamaram a mobilização de #LevanteDosLivros, e levaram livros para a manifestação. No mesmo dia, centenas de estudantes, pais, professores(as) e funcionários(as) de instituições públicas de ensino realizaram uma grande passeata pelas ruas de Salvador, Bahia, contra o corte de verbas.

Novas manifestações estão previstas para ocorrer em Brasília e em todo o país nos próximos dias. A indignação toma conta das pessoas. Nesta quarta-feira (8), estudantes e professores(as) da Universidade Federal de Goiás (UFG) planejam realizar uma manifestação em Brasília também contra o corte, que já está comprometendo as pesquisas científicas em razão, também, do completo desmonte da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e outras instituições públicas de fomento à pesquisa científica.

A comunidade universitária em todo o país denuncia a gravidade da situação e lembra que a Emenda Constitucional 96/2016 (EC95/16) já materializou cortes inconstitucionais, improbidosos e até persecutórios no orçamento público da pesquisa científica, universidades públicas e institutos federais, bem como na educação básica desde 2016.

Na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a reitora Myrian Serra divulgou um vídeo relatando os problemas que irão ocorrer por causa dos cortes. Ela destaca que a população também irá sofrer com os impactos dos cortes orçamentários das universidades federais públicas. Confira aqui o vídeo.

As manifestações são contra o segundo ministro da Educação do governo Bolsonaro, Abraham Weintraub, que anunciou, na semana passada, o corte de 30% na educação básica, na pesquisa científica, nas Ifes – sobretudo Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal Fluminense (UFF) – porque não admite que brasileiros que se opõem ao governo Bolsonaro utilize o espaço público da universidade pública para realizar eventos.

Na sexta-feira, 3, estudantes de engenharia da UFF de Volta Redonda, Rio de Janeiro, estenderam uma faixa na grade que cerca parte da instituição, em resposta ao bloqueio de 30% no orçamento das universidades. O corte na UFF é de R$ 45 milhões. Foto: Twitter Midia Ninja

 

“Ele ficou irritado com essa ocupação legítima do espaço público da universidade pública e decidiu agir com autoritarismo, como se ele fosse o dono do dinheiro, das instituições e do espaço públicos, e “punir” as universidades públicas federais que permitiram a realização de atividades políticas – classificados por ele como “balbúrdia” – em seus campi”, diz a imprensa.

“Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”, ordenou Weintrab, em reportagem de Renata Agostini, na edição de terça-feira (30) do jornal O Estado de S.Paulo.

Ele chamou de “balbúrdia” as atividades realizadas nos campi de universidade que tenham orientações políticas diferentes da do pensamento único que o governo Bolsonaro tenta implantar no Estado democrático brasileiro. “Ele e o Presidente da República usam o cargo público para manipular o dinheiro do Estado e fazer política partidária, censura e abuso de autoridade. Isso configura improbidade administrativa”, alerta a mídia.

“A balbúrdia vai continuar”, disse o Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades da UFBA. Essa é a resposta dos estudantes da UFBA aos ataques do governo à educação. A instituição teve R$ 37,3 milhões de seu orçamento bloqueado. Foto: Jonas Santos/Mídia NINJA

 

 

Por trás dos cortes de orçamento, o interesse pela privatização
Depois que a mídia anunciou o corte, ela mesma divulgou que Elizabeth Guedes, irmã do ministro da Fazenda Paulo Guedes, é vice-presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) e tem interesse na privatização da educação superior pública. Também divulgou que a empresa Crescera Investimentos, fundada pelo ministro da Fazenda, pretende levantar até US$ 500 milhões nos setores de educação e saúde.

Em profunda crise financeira por causa da EC95 /2016, que congelou os investimentos de dinheiro público nos setores sociais do país, a educação e a pesquisa científica entram em colapso com os últimos cortes financeiros de Jair Bolsonaro. O jurista, professor da Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Souza Júnior, diz que, ao enquadrar as Ifes e a pesquisa científica na sua política de corte de verbas, o ministro comete grave desvio de finalidade, ofende a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e infringe a Constituição Federal quanto ao princípio da autonomia e da liberdade de ensinar.

“É um absurdo o anúncio do corte. Cada vez mais fica nítido que o governo elege a educação e os(as) professores(as) como os principais inimigos. Trata-se de uma campanha de ataque à educação que vem desde antes, mas, sobretudo, com o Escola sem Partido, de constrangimento dos(as) professores(as) dizendo que devem ser vigiados e filmados nas escolas, até chegar a dizer que o Estado brasileiro gasta muito com a educação”, lembra Rosilene Corrêa, diretora do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Ela afirma que, com esse discurso de criminalização da educação e de seus protagonistas, os(as) professores(as) e estudantes, em apenas 100 dias de governo, os dois ministros que passaram pelo Ministério da Educação e militam contra a educação pública e gratuita fizeram um grande estrago no setor e que o resultado disso é o fim da educação pública com a redução salarial e a extinção do emprego e dos direitos da categoria.

“Esse bloqueio de recursos financeiros é mais um desses ataques. A mentira do presidente Bolsonaro ao dizer que ia tirar recursos financeiros do ensino superior para investir no ensino básico não durou 30 minutos. O próprio MEC divulgou um documento no qual constam que os cortes em toda a educação pública brasileira passam de R$ 2 bilhões. Justamente para inviabilizá-la definitivamente”, observa a diretora.

Rosilene afirma que o anúncio do corte é grave do ponto de vista da administração pública, em um país que precisa valorizar a educação. “A expressão “balbúrdia” é o argumento do Presidente e do ministro para difamarem e desqualificarem as universidades importantes e respeitadas no mundo inteiro pelo trabalho realizado, pelos resultados científicos e pela produção de conhecimento novo para o Brasil e o mundo”, afirma.

A diretora alerta para o fato de que o Presidente da República e o ministro da Educação usaram a palavra “balbúrdia” também para reprimir e perseguir ideologicamente atividades realizadas por profissionais brasileiros que se destacaram no cenário político por oposição ao governo de plantão no Palácio do Planalto. E lembra que a educação básica tem sido criminalizada e perseguida pela Lei da Mordaça (Programa Escola sem Partido) em todo país.

“Esse corte e as perseguições políticas são completamente ilegais, inconstitucionais, discricionários, improbidosos, opressivos. Um governo que se utiliza do controle da verba pública para agir com práticas autoritárias. Nem na época da ditadura militar se chegou a tanto. O governo Bolsonaro se utiliza desse poder e dessa prática para fazer chantagem política sobre as universidades federais. E um governo que usa a prática da chantagem política com o orçamento da universidade pública não há o que se dizer dele a não ser repudiá-lo”, afirma Rosilene.

A diretora lembra ainda que o Presidente da República mentiu sem nenhum constrangimento ao falar, na mídia, que o corte é justificável porque as universidades públicas federais não produzem ciência e pesquisa e que quem produz é a universidade privada.  O relatório Research in Brazil, disponibilizado pela Clarivate Analytics à Capes, e divulgado em janeiro do ano passado, mostra que as universidades particulares não produzem absolutamente nada de conhecimento relevante no Brasil.

O documento indica que a produção científica no país é dependente exclusivamente das universidades públicas. O estudo da Clarivate Analytics também vai de encontro ao relatório do Banco Mundial, divulgado na mesma época, produzido para justificar a EC 95/16 e a drenagem de dinheiro público para o sistema financeiro internacional, que não levou em conta a produção científica e acadêmica brasileira.

A destruição das universidades públicas no Brasil, como está acontecendo com as Ifes, pode ser a destruição de todo o conhecimento científico que o país produz e ameaça seriamente a soberania e o bem-estar social de seu povo. A publicação britânica Times Higher Education (THE), que colocou a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na frente da Universidade de São Paulo (USP) como a melhor universidade da América Latina, também mostrou que as universidades particulares brasileiras estão entre as piores das Américas. Outro estudo, produzido pelo próprio MEC, revela que as dez melhores universidades do Brasil são públicas e gratuitas.

O impacto de mais congelamento no orçamento da educação básica e superior
Gabriel Magno, diretor do Sinpro-DF e da CNTE, disse que nunca foi e nem é preciso retirar dinheiro público do orçamento das universidades públicas federais e da pesquisa científica para aplicar na educação básica. Ao contrário, o que o Brasil precisa é de que o governo federal coloque em curso o Plano Nacional de Educação (PNE), que determina o investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor.

“O problema do Brasil não é remanejar recursos de uma esfera da educação para outra, e, sim, ter um investimento global e forte na educação pública; garantir o cumprimento da Constituição de 1988; e, mais do que isso, assegurar a ampliação de direitos e o cumprimento das Metas do PNE. Infelizmente, desde 2016, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a agenda pública do país se transformou em um plano de restrição à educação e de transformação do país em colônia das grandes potências”, critica o diretor.

Ele explica que essa agenda de restrição está evidente quando os governos aplicam a EC 95/16, que congela investimentos nas áreas sociais do orçamento público; retira da Petrobras a exclusividade da exploração dos campos de pré-sal em território brasileiro e os entrega para multinacionais norte-americanas e europeias; muda do regime de partilha para o de concessão; ataca os royalties e o Fundeb, que está para vencer, em 2020, e o Congresso Nacional ainda não tem uma posição sobre se irá aprovar uma lei para transformá-lo em fundo permanente e ampliado; não debate o CAQ, Custo Aluno-Qualidade, que também está no PNE; enfim, quando várias estratégias do PNE para ampliar o investimento geral e global na educação pública brasileira não são efetivadas.

“A agenda do governo brasileiro desde o impeachment da presidenta Dilma, e, agora, aprofundada pela eleição de Jair Bolsonaro, é de regressão: é de menos investimento nos setores sociais e de retirada, cada vez mais, de recursos financeiros da educação para passar para o setor privado. Essa é a prioridade. Quando o governo anuncia a tal homeschooling (educação domiciliar), militarização, precarização, privatização das escolas, é esse o modelo que está sendo pensado, e tudo isso escondido no Escola sem Partido, que usa o discurso da “doutrinação ideológica” para criminalizar professores, insuflar o ódio e justificar o desmonte da educação pública e gratuita”, afirma o diretor.

Magno ressalta que puseram também em curso uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e uma reforma do Ensino Médio, aprovadas no governo Temer, que autoriza mais de 30% do currículo escolar ser explorado pelas empresas privadas de Educação a Distância numa Parceria Público-Privada (PPP). “Isso é um programa de transferência de dinheiro público para o setor privado. Esse é o problema. Portanto, não é necessário retirar das universidades para pôr na escola pública de educação básica”, denuncia.

Corte vai afetar o salário e adoecer ainda mais os professores 

Berenice D’Arc, diretora do Sinpro-DF, também critica a atitude do governo federal. Ela diz que é necessário ampliar o investimento em educação e que o PNE prevê metas para isso. “É preciso mexer na parte do Orçamento público que é imexível, por exemplo, a dívida pública. Isso aí governo nenhum fala. Escondem dados. Omitem que quase metade do Orçamento público (40,66%) vão para bancos e banqueiros a título de pagamento de juros e amortizações de uma dívida pública que ninguém sabe o que é, quanto é e que nunca foi auditada”.

A diretora diz que o congelamento na educação básica anunciado pelo governo Bolsonaro na semana passada irá causar um impacto brutal na educação pública brasileira porque desde 2016 o setor da educação está com investimentos congelados pela EC95/16. Ela afirma que o novo congelamento irá repercutir nos salários, na formação do docente e nas estrutura e infraestrutura das escolas.

“Já estamos, este ano, sem os livros didáticos. Vai repercutir na merenda etc. Esse é um problema latente e evidente em todas as escolas públicas do país. Todo semestre aumenta a demanda de vagas e de estudantes, não se constroem novas escolas e nem se reformam as que existem, as condições de trabalho se deterioram a cada ano e isso tem consequências no adoecimento cada vez maior da categoria. Tudo isso resulta no congelamento dos salários, que também é um processo de desvalorização da carreira e de aprofundamento do adoecimento de professores(as), uma vez que o salário congelado perde o poder de compra”, alerta a diretora.

Ela lembra que “estamos falando de uma categoria que já tem um dos piores salários do serviço público de nível superior do Brasil e que, historicamente, sobrevive há mais de 50 anos num processo de desvalorização, desde que o governo da ditadura militar fez o acordo MEC-USAID para acabar com a qualidade e a quantidade de escolas públicas e gratuitas no país para entregar o setor à iniciativa privada”.

E completa: “Por isso é importante agirmos para alterarmos esse quadro. O congelamento aprofunda um quadro grave e crítico do país. Limita as nomeações de novos servidores públicos, o que abre ainda mais a brecha para a terceirização, para ampliação de terceirizados e temporários, enfim, é a total precarização e fragilização da carreira do magistério público”, afirma Berenice.

Reprodução Twitter – Manifestação em Salvador-Bahia

 

Organização e unidade é a saída para impedir o desmonte da educação: greve no dia 15 de maio

Dados comparativos do site Nexo mostram que, após o impeachment da presidenta Dilma, o Brasil se tornou um dos países em que há menos investimento em educação. E um país só se desenvolve com pesados investimentos em educação. O PNE mostra isso e a indicação de custeio do setor está baseada num estudo do Movimento Educacional que justifica a destinação de 10% do PIB para a educação.

“Esse estudo teve como base os países que conseguiram ter melhorias nos índices sociais e  desenvolvimento econômico. Todos eles passaram por um profundo investimento de seu PIB nessa ordem dos 10% na educação. Importante destacar que, hoje, o Brasil investe menos de 5% do PIB no setor. Já chegou a 6% e tem diminuído rapidamente com os governos Temer e Bolsonaro”, afirma Berenice.

Ela ressalta que as principais potências mundiais, tanto em índices sociais como econômicos, só conseguiram se tornar potências mundiais porque passaram, necessariamente, por investimentos massivos em educação. “O Brasil, hoje, vai na contramão disso. Não tem experiência no mundo que deu certo, que resolveu problemas sociais e econômicos, investindo menos em educação pública. Todos que conseguiram resolver seus problemas, só o conseguiram porque investiram muito mais em educação e em todas as áreas sociais. O Brasil vai na contramão do mundo com políticas que não deram certo em lugar nenhum do planeta até hoje e degeneram a nação brasileira”, denuncia a diretora.

A diretoria colegiada do Sinpro-DF alerta a categoria para os prejuízos que a política de desmonte da educação pública do ensino básico ao superior irá causar a cada professor e professora, orientador e orientadora educacional e a cada família brasileira. “A mensagem que temos, tanto enquanto sindicato filiado à CNTE como enquanto entidade sindical do magistério público do Distrito Federal, é que a organização da categoria e a luta garante direitos. Estamos sob ataque. Estamos no centro do ataque desta agenda neoliberal. É preciso resistir mais do que nunca”.

As lideranças sindicais do Sinpro-DF lembram que o magistério público já passou por muitos desafios, muitos ataques e até por momentos mais duros do que o atual e sobreviveu por causa da unidade, do engajamento e do fortalecimento do sindicato. “O momento atual exige unidade e muita luta. Para isso, temos o dia 15 de maio, com a Greve Nacional da Educação; o dia 14 de junho, a greve geral do Brasil contra a reforma da Previdência que também coloca os(as) professores(as) no centro do ataque”.

A diretoria lembra que o elemento fundamental para se superar tudo isso e garantir direitos sociais, trabalhistas e até humanos é fortalecer os sindicatos. “Uma pesquisa recente da Nexo mostra que as categorias que conquistam mais direitos são as que têm sindicatos mais fortes. Isso é comprovado no mundo todo e no Brasil não é diferente. Ter sindicato forte significa ter mais direitos, melhores condições para lutar pela manutenção e ampliação de direitos já conquistados e avanço futuros na conquista de novos direitos. Não temos dúvidas de que a luta e a organização sindical são essenciais e precisamos ter muita unidade entre professores(as) e orientadores(as) e ficar atentos(as) à agenda de lutas da categoria no ano todo”.