Natal sem fome e ano novo com esperança

Natal significa nascimento e como tal remete a uma pessoa que deixou seu rastro de luz, amor, indignação e justiça na história da humanidade: Jesus de Nazaré. Lembrá-lo todos os anos e em cada segundo que se respira durante o ano, traz à baila o seu jeito de ser: aberto ao mundo da fé e do compromisso com a vida inserida em outros espaços: cultura, economia, sociedade, política e etc. O Jesus da história que dialoga com o Cristo da fé assume diferentes feições em sociedades contemporâneas: faminto, sedento de justiça, empobrecido, utópico e culturalmente diverso.
A vida da pessoa humana está sempre inserida em uma multiplicidade de valores e de fatores que interatuam, sendo a crença um elemento significativo desse processo de inserção consciente, mais do que simples ajuste e adequação no mundo. A fé de convicção, pensada e vivida como estrutura de valores e ainda, como fé antropológica, penso não invalidar a fé religiosa, mas possui maior relevância.
Pode-se, neste sentido, crer e fazer experiência das divindades sem necessariamente estar dentro de um espaço religioso ininterruptamente, mesmo porque o sagrado se exprime também fora de um lugar institucionalizado. Nesta mesma proporção, a defesa da vida faz parte de uma fé que intercomunica com a política e com uma ética como libertação. A igreja, dentro desse contexto, é povo que caminha e que se encontra para ver a realidade, julgá-la com os pés no chão da história e da cultura e agir consciente e respeitosamente diante da diversidade de expressões.
O Jesus sem teto, que chorou e se compadeceu diante do sofrimento humano, carpinteiro, crítico do poder que oprime, respeitoso às diferentes culturas, despojado do pretenso poder que hierarquiza e que desceu aos abismos da condição humana, continua sendo exemplar, por isso segui-lo exige uma experiência profunda de amor-solidário, da justa distribuição do bens materiais e imateriais e uma sensibilidade que faz irromper na história um novo projeto capaz de quebrar os grilhões que produzem a cruz.
Celebrar o Natal sempre muda, ainda que o dia permaneça. Mudam-se o sujeito histórico, a cultura, as crenças, enfim, os valores. Neste sentido, a celebração se torna mais autêntica, viva e alvissareira, porque se insere na festa o sonho que associada à indignação e à luta, transforma a festa em expressão significativa e evidência de um fato valorizado.
A grande campanha Natal sem fome desencadeada por Herbert de Souza (Betinho) na década de 90 trouxe um elemento novo do sentido revolucionário: o faminto não pode esperar pela revolução, ele (a) necessita de comida, caso contrário, morre de forme. O “Natal sem Fome” deixa também o ser humano insaciável, sempre desejando algo que extrapole o nível da doação, da caridade e da sensibilidade imediata, vez que a fome produzida por estruturas injustas não pode ser debelada por mecanismos meramente paliativos.
Natal sem Fome e Ano Novo com Esperança são acontecimentos de um mesmo sentido: a vida que se desponta em meio aos condicionamentos históricos, culturais, políticos, religiosos e econômicos. Ao nascer, vive-se o entrelaçamento da dor e a negação da vida com a realização, a contemplação do mistério e a transcendência do ser.
Celebrar o nascimento de uma criança, em qualquer tempo, espaço e circunstância, coloca em destaque a esperança de poder contribuir para que ela seja feliz, digna, realizada e autêntica no mundo. Esse desejo está no coração de todos os pais e mães, mas a efetividade dos sonhos depende das condições historicamente produzidas e por uma luta constante de quem sonha e age.
Algo de novo acontecerá no dia 25 de dezembro de 2010: o Natal não será o mesmo, porque politicamente o Brasil terá pela primeira vez em sua história presidencial uma feição da mulher brasileira no alto escalão do poder, quebrando a falsa ideia de “mulher sexo frágil” e de mulher com papel estritamente de “cuidar da casa, do marido e dos filhos” O Ano Novo, por sua vez, também será alvissareiro para o Distrito Federal com Agnelo Queiroz no Governo e com Dilma Rousseff na esfera Federal. A esperança é uma das chaves de leitura do mundo, por isso as possíveis contingências do caminho não abafarão o poder de sonhar que cada povo carrega dentro de si. A festa natalina e a de passagem de ano imprimem também um grande desejo: o de romper com a xenofobia, a discriminação racial, o machismo, o bullying e todas as formas correlatas de violência.
Nesta perspectiva, mais do que comer e beber em tempo de festa, há que fazer memória revolucionária do Deus de todos os nomes, culturas e nações, que desceu à terra e fez da carne o espírito humanizado e divino. Celebremos, irmanados (as) pelo amor que gera vida, expectativas e realizações, sem medo de ser feliz…
Cristino Cesário Rocha é Professor de Filosofia e Sociologia na Rede Pública de Ensino do Distrito Federal – CEM 414 de Samambaia – DF