Mulheres queimadas e Negros na mira das balas: Não se esqueça!


O mês de março lembra dois grandes acontecimentos datados no fio da história humana: 127 mulheres queimadas em uma fábrica de Nova York, em 1857 e a carnificina de 69 negros assassinados por policiais em Johanesburgo, África do Sul, em 1960. Um duplo movimento escreveu a história com a caneta  de tinta vermelha: o da luta das mulheres por melhores condições de vida: saúde, salário, redução de tempo de serviço, condições de trabalho e a luta do povo negro Sul Africano contra o apartheid.
Esses eventos históricos não foram episódicos, nem fatos sem importância, porque em cada vítima da violência institucionalizada (Estado), no uso da força policial que tem defendido mais os interesses dominantes, se estende às violências do indivíduo, muitas vezes produzidos pela estrutura de dominação: culturas opressoras, Política pública desfavorável e veiculada pela grande mídia que se apropria da dor humana como um bem rentável. Não vira notícia e nem se busca solução, por exemplo, um racismo explícito, o assassinato de mulheres, de homossexual e o apartheid velado e até explícito do povo negro e das mulheres dos grandes escalões do poder.
Percebe-se que a violência tem adquirido uma proporção imensurável no mundo e no Brasil, de tal maneira que as micro-relações de poder se tornaram tão violentas quantas as macro-relações de poder. Ataca-se o outro por questões banais, levando à morte, ao desespero, prisões e em muitos casos, à impunidade. A constante agressão porque passa a população negra tem a mesma intensidade da violência contra as mulheres, atravessando gênero, classe social, etnia/raça, localidade, culturas e etc. Nas teias relacionais humanas, não há, a rigor, uma linha tênue entre as agressões físicas e as psicológicas e morais sofridas por esses segmentos.
Há razões para se dizer que mulheres e negros no Brasil e no mundo têm algo em comum: sofrimento, esperança e luta. Sofre-se sob os grilhões do racismo, do machismo e das várias formas de violências, frutos de uma educação colonial, neonazista, fascista e ditatorial perversas que marcaram a história da humanidade. Somos herdeiros (as) de um projeto de sociedade intolerante, arbitrária, ditadora e discriminatória. Herdamos também ideários emancipatórios em suas várias frentes: Movimento Negro, Movimento Feminista, Movimento Sem Terra, Movimento GBLTTs, Movimento contra a fome e pela Cidadania, Movimento pelas Diretas Já etc.
O percurso de todas as sociedades humanas tem demonstrado que a violência não é apenas um fenômeno do passado, mas cresce assustadoramente em sociedades contemporâneas, o que exige uma consciência planetária de que caso não haja uma luta conjunta contra todas as formas de violência, o ser humano tenderá a ser extinto pelo veneno que se produz em determinada estrutura de poder e de relações interpessoais.
Nota-se que as faces da violência fazem parte de um mesmo processo histórico construído nas tramas das relações societárias, econômicas, políticas, culturais e religiosas. Neste sentido, da mesma forma que se construiu um tipo de sociedade opressora e vítima da opressão, nesta mesma proporção e certamente, com maior intensidade, pode-se proporcionar um pensar e um agir no sentido de promover outro olhar e uma nova prática baseadas no Respeito e na afirmação do exercício de Direitos.
Lembrar a experiência de sofrimento das mulheres e negros (as) não pode se tornar um “muro de lamentações”, mas apropriação de espaços e formulação de interrogações, tais como: Por que as instâncias do poder público ainda são brancas e masculinas? A maneira como se distribui o poder não subjaz um racismo, uma homofobia e um machismo? .
Pode-se ver o passado como experiência de luta, apesar dos massacres e com as ferramentas do presente (educação, mobilização e luta) , criar espaços de enfrentamento. Com essa convicção, seguramente o que fomos produzidos e programados (mentalidades) pode ser desprogramado e desconstruído. Mas para tanto, é preciso fazer outras perguntas: o que posso fazer para quebrar meus grilhões para que eu possa contribuir com a libertação dos outros?
Enfim, o mês de março na perspectiva negra e das mulheres é ponte de passagem, de reflexão, nunca o seu fim. Interessa também perceber que não se identifica a morte apenas pela ausência do corpo, mas pelo silêncio das vítimas que se exprimem com corpo e espírito. Há vozes que ainda gritam, ainda que sufocadas, vez que não se mata vozes, nem escolhas, mas apenas corpos. Gilberto Gil diz com muita propriedade que “A felicidade negra é uma felicidade guerreira”. Parafraseando Gil, pode-se dizer que a felicidade das mulheres é uma felicidade guerreira…
Cristino Cesário Rocha é Apoio Pedagógico e Delegado Sindical do Centro de Ensino Fundamental Myriam Ervilha