Morre Hebe de Bonafini: orgulho da Argentina e da América Latina

Nas estranhas coincidências da vida, o 20 de novembro, terá um novo significado histórico a partir deste ano. Será a data de falecimento de Hebe de Bonafini. Ela faleceu nesse domingo (20/11), aos 93 anos, na mesma data em que o Brasil reviveu os 327 anos do assassinato da liderança quilombola Zumbi dos Palmares com o Dia da Consciência Negra e, a Argentina, comemorou os 177 anos da histórica batalha da “Vuelta de Obligado”, que se tornou o Dia Nacional da Soberania.

Presidente da Associação das Mães da Praça de Maio, Bonafini teve sua morte confirmada por sua filha Alejandra Bonafini. Segundo informações da imprensa argentina, a liderança sofria de complicações derivadas de doenças crônicas, que, nas últimas semanas, se agravaram. Ela foi internada no dia 10/10 e, após alta no dia 13/10, passou três dias internada no Hospital Italiano da cidade de La Plata para exames médicos. Realizava exames médicos quando os médicos decidiram interná-la, no sábado (12). Suas cinzas descansarão na Praça de Maio, a pedido dela mesma.

Após sua morte, lideranças sociais e políticas de todo o mundo lamentaram a morte da presidente da Associação das Mães da Praça de Maio. Graças a sua coragem e dignidade, muitas mães e avós resistiram ao terrorismo de Estado, instalado na Argentina por meio de um golpe de militar e que perdurou entre os anos de 1976 e 1983.

O Sinpro-DF compartilha com todos e todas o seu profundo pesar pelo falecimento da ativista, figura emblemática da luta por direitos humanos e contra o fascismo na Argentina e no mundo. Bonafini era uma das principais lideranças e presidente da Associação das Mães da Praça de Maio – movimento de mães e avós que tiveram seus filhos(as) e netos(as) e outros parentes assassinados pelo ditadura militar da Argentina. Ela era dona de casa que passou anos à procura de seus dois filhos e uma nora assassinados pelo terrorismo de Estado do seu país.

Além de símbolo de resistência à ditadura, Bonafini construiu um caminho de memória, verdade e justiça e se tornou um ícone universal de luta por direitos humanos. Para a diretoria colegiada do Sinpro, ela estará para sempre nos corações do povo argentino e no de todos e todas, em qualquer lugar do mundo, que lutam por direitos humanos, democracia e justiça social, assim como acontece com Zumbi de Palmares, que está no coração do povo brasileiro.

 

Mães da Praça de Maio

As Mães da Praça de Maio foi o primeiro grande grupo a se organizar contra as violações de direitos humanos durante as ditaduras militares que implantaram o terrorismo de Estado em toda América Latina entre os anos 1960 e 1990. No Brasil, esse terrorismo também assassinou estudantes, professores, sindicalistas, lideranças sociais e políticas, povos originários e qualquer pessoa que enfrentasse e questionasse o regime ditatorial.

Após a morte de Bonafini, o governo argentino decretou três dias de luto em homenagem a ela, a sua memória e a sua luta, “que estará sempre presente como guia nos momentos difíceis”, informa a nota do governo nacional. O presidente Alberto Fernández, informou pelo Twitter da Casa Rosada, que ele “se despede com profunda dor e respeito de Hebe de Bonafini, Mãe da Praça de Maio e incansável lutadora pelos direitos humanos”. A  vice-presidente, Cristina Fernández de Kirchner, escreveu nas redes sociais: “Deus os chamou no Dia da Soberania Nacional… não deveria ser uma coincidência. Simplesmente obrigado e até sempre”.

No Brasil, o atual presidente da República ignorou a morte da ativista, mas o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, escreveu em suas redes sociais um pouco do seu sentimento e da representatividade da ativista argentina em sua vida. “Recebi com tristeza a notícia da morte de Hebe de Bonafini, liderança das Mães da Plaza de Mayo, na Argentina. Hebe dedicou sua vida à luta por memória e justiça. Defensora dos direitos humanos, ajudou a criar um dos mais importantes movimentos democráticos da América Latina”, disse o presidente eleito.

Numa sequência de mensagens pelo Twitter, a ex-presidente Dilma Rousseff disse que o mundo perdeu “um exemplo de dignidade” e lembrou a luta de Hebe contra a ditadura argentina e como se tornou símbolo da luta pelos Direitos Humanos. “Hebe viverá como exemplo de mulher e personificação da coragem. Orgulho da Argentina e de toda a América Latina”, afirmou a ex-presidenta Dilma. Hebe de Bonafini se tornou símbolo da luta dos Direitos Humanos e um orgulho para América Latina

 

Hebe María Pastor de Bonafini

A história política de Hebe María Pastor de Bonafini começa quando as Forças Armadas argentinas sequestraram e assassinaram seus dois filhos e uma nora. Ela foi uma das fundadoras da Associação Mães da Praça de Maio, em 1977, dois anos após o golpe militar que pôs em prática a mais feroz ditadura militar e o mais repressivo regime de exceção contra dissidentes e quem quer que fosse que discordasse do terrorismo Estado daqueles anos de chumbo.

Ela foi presidente da organização de 1979 até sua morte. Primeiramente, ela lutou para descobrir o paradeiro de dois de seus filhos e da nora desaparecidos. Daí começou a luta pelo julgamento e punição dos militares assassinos, antes de se envolver em outras causas políticas e sociais.

Ela nasceu em 1928, na cidade de Ensenada, Província de Buenos Aires. Aos 18 anos, casou-se com Humberto Alfredo Bonafini, com quem teve três filhos: Jorge, Raúl e Alejandra. Dona de casa, com ensino fundamental incompleto, todos a conheciam como Kika Pastor até que as Forças Armadas argentinas sequestraram seu filho mais velho, em fevereiro de 1977, e, a partir desse momento, “meu filho sumiu, virei Hebe de Bonafini, é isso que sou agora, uma mãe”, disse ela em uma de suas últimas entrevistas.

Seus filhos eram militantes de partidos políticos de esquerda e lutaram contra a ditadura militar. No fim de 1977, Raúl desapareceu. Como outras mães, Bonafini abandonou a rotina do lar e foi procurar os filhos.