Mercantilização da educação é entrave à soberania nacional
O tarifaço de Donald Trump sobre o Brasil e outras exigências bizarras feitas pelo presidente norte-americano trouxeram à tona o debate sobre soberania nacional. Longe de ser um tema restrito ao eixo da economia do país, a autonomia para ter controle exclusivo do próprio território, população e instituições está inevitavelmente ligada à educação.
O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro afirma que um país soberano, que quer se desenvolver ao longo do tempo, deve investir na educação pública e gratuita e na formação da população.
Entretanto, o processo de transformação do ensino em mercadoria tem se mostrado um empecilho para colocar a educação como essencial para a construção de um projeto nacional. A estratégia, cada vez mais comum no Brasil e no mundo, atende a interesses externos e alinhados ao mercado e traz uma série de prejuízos ao desenvolvimento integral dos(as) estudantes.
“O problema de uma educação mercantilizada é que ela não forma cidadãos, ela forma consumidores; e isso tem efeito muito ruim para o processo democrático, além de ser um mecanismo que torna as pessoas mais burras, mesmo que tenham algum tipo de conhecimento técnico”, afirma Oreiro.
Segundo Vera Maria Vidal Peroni e Maria Raquel Caeteno no artigo “O público e o privado na educação – Projetos em disputa?(2016)”, a Base Nacional Comum Curricular — referência obrigatória para elaboração de currículos escolares — se tornou um campo de disputas na educação brasileira.
“A disputa pelo currículo torna-se importante, pois nele pode ser impresso o conteúdo e a direção a ser dada à educação e à escola. Com esse objetivo, sujeitos individuais e coletivos organizados em instituições públicas e privadas vêm se articulando por meio de seminários, debates e relatos de experiências internacionais”, afirma trecho do texto.
O embate pelos caminhos que devem ser percorridos pela educação ocorre também na formulação e implementação de legislações voltadas ao setor. Exemplo disso foi a aprovação antipopular da reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017), que contou com influência de agentes privados e submeteu a formação de jovens a uma lógica exclusivamente tecnicista.
Vendida com um discurso falacioso de flexibilização e modernização do currículo escolar, a medida ampliou as desigualdades de ensino na rede pública e se mostrou um modelo de ensino excludente ao não considerar em sua essência as diversas condições socioeconômicas das juventudes brasileiras.
“A Reforma do Ensino Médio, ao priorizar itinerários formativos fragmentados e flexibilizados, distancia os jovens de uma formação crítica e integral. Em vez de ampliar oportunidades, ela reforça desigualdades, subordinando o aprendizado às demandas do mercado e deixando de lado a função social da escola: formar cidadãos conscientes e capazes de atuar de forma autônoma na sociedade”, afirma a diretora do Sinpro, Márcia Gilda.
Novos rumos
Para a diretora do Sinpro e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) Berenice D’arc, apesar dos avanços nas ações e diretrizes que regem o ensino no Brasil, são necessárias reformulações nas políticas públicas educacionais. Isso possibilitará que a educação exerça papel estratégico para a formação de uma consciência coletiva em que o país e a soberania nacional estejam acima de qualquer interesse.
“A nossa Base Nacional Curricular Comum, o nosso Plano Nacional de Educação e outras normativas não têm condições de dar apontamentos para uma educação que possa transformar essa realidade e trazer esse sentimento patriótico, no sentido de defesa do nosso país e não no sentido de valorizar pessoas”, disse.
A sindicalista explica que, para alcançar esse ideal, a educação precisa transcender os saberes formais e, por meio de um ensino interdisciplinar, abordar temas como a importância de um Estado democrático e soberano, a pluralidade de povos, as diversidades culturais, a histórias daqueles e daquelas que construíram o país; assuntos que fortaleçam a identidade nacional e o compromisso social.
“Ao observarmos as investidas dos EUA contra o nosso país, percebemos que parte da população aceita e concorda com esses ataques. Por isso, é fundamental superarmos essa postura, para que, no futuro, nenhum cidadão considere aceitável que um presidente — de qualquer país — interfira no nosso Estado ou influencie a nossa forma de atuação política”, afirmou a diretora do Sinpro e da CNTE Berenice D’arc.
Valorização profissional
A valorização dos profissionais do magistério, que atuam diretamente no processo de troca de saberes, é essencial para garantir a educação como instrumento de transformação e formação de cidadãos conscientes, inclusive sobre a importância da soberania para o Brasil.
O cenário, entretanto, não é promissor. No DF, por exemplo, o Plano Distrital de Educação é desconsiderado ao ser imposto à carreira do magistério público a menor remuneração das carreiras do GDF de mesma escolaridade. Pela meta 17 do PDE, a remuneração do magistério deve ser equivalente à média salarial das demais carreiras de mesma escolaridade do funcionalismo distrital.
A desvalorização da categoria do magistério público, um fenômeno nacional, poderá acarretar prejuízos imensuráveis à educação nos próximos anos. Projeções do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) mostram que, até 2040, o Brasil corre o risco de ter uma carência de 235 mil professores(as) de educação básica. Isso porque a carreira deixou de ser atrativa a novos profissionais, que buscam melhores condições de trabalho e remuneração justa.
“Os problemas vão além da questão salarial. Há um conjunto de fatores que impacta diretamente a atratividade e a permanência na carreira. São condições de trabalho precárias, salas de aula superlotadas, sobrecarga de trabalho e outros. Somente com uma educação pública robusta e inclusiva e com a valorização docente e currículo interdisciplinar será possível formar cidadãos conscientes e fortalecer a soberania nacional”, disse a diretora do Sinpro Márcia Gilda. Para ela, educação precisa ser, de fato, “um direito fundamental, e não uma mercadoria”.