Manifesto pede punição de Bolsonaro por crime contra direito das crianças e adolescentes

Entidades da sociedade civil e parlamentares lançaram nesta segunda-feira (24/10), em ato na PUC-SP, o “Manifesto pela dignidade da infância e em repúdio a ações e omissões da autoridade pública diante de violações de direitos”. No documento, os signatários pedem punição do atual presidente da República e candidato à reeleição Jair Bolsonaro pelos crimes cometidos no caso em que ele afirma que “pintou um clima” com meninas venezuelanas de 14 e 15 anos ao visitar a cidade de São Sebastião, que fica pouco mais de 21 quilômetros de Brasília.

“Pintou um Clima”: Parlamentares e entidades lançam manifesto sobre ataques de Bolsonaro (Foto: Sara Costa)

 

“A sociedade civil organizada em defesa da infância, parlamentares, famílias, mães e pais de crianças e adolescentes, cidadãs e cidadãos brasileiros que reconhecem seu dever legal e ético para com a proteção integral das meninos e meninos, vêm a público denunciar os crimes cometidos pelo Sr. Jair Bolsonaro contra os direitos das crianças e adolescentes em nosso país e exigir que esses crimes não fiquem impunes, pois nenhuma autoridade política nacional está acima da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção de Direitos da Criança das Nações Unidas, tratado que o Brasil é signatário”, traz trecho do documento.

No texto, as organizações ainda esclarecem que, como traz os dispositivos legais, nenhuma criança ou adolescente “se prostitui ou faz programa”, “sendo, nessas circunstâncias sempre considerada vítimas pela condição de exploração sexual”. Isso porque, no caso das meninas venezuelanas, Bolsonaro disse: “(…) meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumam no sábado para que? Ganhar a vida”.

O manifesto ainda reflete que o dever moral e legal do presidente da República ao tomar conhecimento de possível exploração sexual seria “denunciar e encaminhar o caso para investigação no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente”. “Mas o atual Presidente fez o contrário: ‘supôs’ que as meninas estavam em situação de abuso e exploração sexual, violou o ECA e a Lei da Escuta Protegida, expôs as mesmas a condição vexatória, fomentou estigmas contra a população imigrante e promoveu uma perversa banalização das violações de direitos em nosso país.”

O documento lançado nesta segunda ainda recorda que o atual governo federal “cortou recursos no orçamento público para a prevenção e o enfrentamento do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes”. Matéria publicada no Brasil de Fato mostra a queda brutal no investimento na área. Enquanto em 2014 o orçamento federal para serviços de proteção social especial foi de R$ 1,1 bilhão, o orçamento de 2023 enviado pelo Executivo ao Congresso prevê apenas R$ 15 milhões para a proteção de crianças de adolescentes.

“Não nos calaremos diante dos crimes cometidos pelo atual Presidente da República contra a infância”, finaliza o “Manifesto pela dignidade da infância e em repúdio a ações e omissões da autoridade pública diante de violações de direitos”.

Abaixo, leia a íntegra do manifesto.

MANIFESTO PELA DIGNIDADE DA INFÂNCIA E EM REPÚDIO A AÇÕES E OMISSÕES DA AUTORIDADE PÚBLICA DIANTE DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS

Este Manifesto é por todas as meninas e meninos. Em respeito àquelas e àqueles que já foram e estão sendo vítimas da exploração sexual e para que nenhuma criança ou adolescente venha sofrer tal violência.

A sociedade civil organizada em defesa da infância, parlamentares, famílias, mães e pais de crianças e adolescentes, cidadãs e cidadãos brasileiros que reconhecem seu dever legal e ético para com a proteção integral das meninos e meninos, vêm a público denunciar os crimes cometidos pelo Sr. Jair Bolsonaro contra os direitos das crianças e adolescentes em nosso país e exigir que esses crimes não fiquem impunes, pois nenhuma autoridade política nacional está acima da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção de Direitos da Criança das Nações Unidas, tratado que o Brasil é signatário.

As pessoas dignas do nosso país estão estarrecidas pela forma perversa e abusiva utilizada pelo Presidente da República ao referir-se a meninas que segundo ele, teriam 14 e 15 anos e “estariam se arrumando para programas”. A naturalidade com que o Presidente trata o fato que ele próprio relata, desrespeita toda a norma legal brasileira, para qual nenhuma criança ou adolescente “se prostitui ou faz programa”, sendo, nessas circunstâncias sempre considerada vítimas pela condição de exploração sexual.

Tão ou mais grave é o fato de um homem adulto e investido de poder colocar-se diante de meninas, de acordo com seu relato, apresentando tal cena com a expressão “pintou um clima”, que em tal contexto não está associada à proteção das crianças, mas sim a erotização a partir de seu olhar de adulto.

Necessário frisar que o Sr. Presidente não tomou qualquer medida cabível para proteção das meninas ou para responsabilização de agressores que possivelmente frequentassem esse lugar que ao “pedir pra entrar”, ele próprio julgou e divulgou como destinado à exploração sexual.

Ademais, desmentido que as meninas estivessem em condição de exploração sexual, fica claro que foi o Sr. Jair Bolsonaro quem tratou as meninas de forma sexualizada. Neste caso, independentemente do que aconteceu no local e data da tal visita de moto, o que deve ser rigorosamente investigado, ele expôs à condição vexatória e degradante meninas com 14 ou 15 anos. Por este tratamento, já fere o Estatuto da Criança e Adolescente e outras normas legais brasileiras.

Ou seja, o Presidente da República, ao tomar conhecimento de possível violação de direitos humanos de crianças e adolescentes, não cumpriu seu dever moral e legal de denunciar e encaminhar o caso para investigação no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Mas o atual Presidente fez o contrário: “supôs” que as meninas estavam em situação de abuso e exploração sexual, violou o ECA e a Lei da Escuta Protegida, expôs as mesmas a condição vexatória, fomentou estigmas contra a população imigrante e promoveu uma perversa banalização das violações de direitos em nosso país.

Com o único objetivo de se autopromover eleitoralmente, Jair Bolsonaro usou do cargo que ocupa para cometer crimes contra a infância, previstos nos Arts. 4º e 5º do ECA (Lei 8.069/1990), no Art. 20º da Lei º 9.459/1997 e no Art. 13º da Lei da Escuta Protegida (Lei nº 13.431/2017), e no Art. 319 do Código Penal, pois prevaricou; e são essas ações e omissões que não podem ficar impunes. Tal legislação obriga a todos a denunciar nos canais institucionais as possíveis violações de direitos de crianças e adolescentes, bem como protegê-las em suas especificidades, como são as crianças imigrantes.
Por este motivo, nós parlamentares, sociedade civil, famílias, mães e pais de crianças e adolescentes, há décadas assumimos o compromisso pela salvaguarda de direitos das meninas e dos meninos de todas as formas de violência, em especial o combate ao abuso e à exploração sexual. Não nos calaremos diante dos crimes cometidos pelo atual Presidente da República contra a infância.

Recordamos também que o atual governo federal cortou recursos no orçamento público para a prevenção e o enfrentamento do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes, bem como impediu a participação e o controle social, impedindo o funcionamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e o cumprimento de suas atribuições. A violência sexual pode ser prevenida e isso começa no orçamento público e na participação e controle social!

Ao descumprir o Art. 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o governo federal desconsiderou a absoluta prioridade com que o tema deve ser tratado nas políticas públicas, além de enfraquecer o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e o Disque 100, o principal canal de denúncias de violação de direitos humanos em nosso país.

É preciso dar um basta em tantas violações de direitos das crianças e adolescentes. Por ação ou omissão, nenhuma das nossas filhas e filhos, nenhuma criança ou adolescente, podem ser vítimas de qualquer tipo de violência! Juntos e juntas, construímos uma das mais completas legislações, promovemos políticas públicas e um sistema de garantias de defesa e proteção aos direitos. Construímos a campanha FAÇA BONITO!, contra o abuso e à exploração sexual, e a Lei da Escuta Protegida, que garante que meninos e meninas não sejam revitimizados pelas autoridades públicas.

Neste momento, nos unimos à indignação das famílias atingidas pelo descaso com que o atual Presidente trata o tema e repudiamos as estratégias de coação às vítimas. Jamais aceitaremos o uso inescrupuloso do sofrimento de crianças e adolescentes com a finalidade de manutenção no poder.

É inaceitável a postura do Presidente da República e seus apoiadores(as) próximos(as) que violam a Doutrina de Proteção Integral e promovem uma verdadeira banalização da violência contra crianças e adolescentes, inclusive procurando-as para pressioná-las. Por isso, exigimos a imediata investigação e responsabilização.
Ninguém, nenhuma pessoa ou instituição pode ser indiferente diante desta conduta pedofilizada e criminosa. Cabe ao Ministério Público e a Justiça agirem nessa situação emblemática para que ela não represente o incentivo aos que abusam e exploram a infância, sobretudo meninas que vivem ainda maior vulnerabilidade por sua condição de risco social, econômico ou discriminações por serem imigrantes, negras, indígenas ou de grupos étnicos vulneráveis. Não é aceitável qualquer omissão diante de condutas criminosas! Estamos em unidade na defesa de nossas crianças e adolescentes para cumprir o que elas mesmas já nos pediram: “Faça Bonito”!

Esquecer é Permitir,
Lembrar é combater!

São Paulo, 24 de outubro de 2022

Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes

Deputada Federal Maria do Rosário – Coordenadora da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Congresso Nacional

Coalizão Brasileira pelo fim da Violência contra Crianças e Adolescentes

Senador Humberto Costa – Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal

Deputado Federal Orlando Silva – Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados