LINGUAGEM NEUTRA: Decisão do STF no caso Rondônia pode refletir em outras leis

Termina nesta sexta-feira (10/2) o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre lei de Rondônia que veda o uso da linguagem neutra na grade curricular e no material didático de escolas. O STF já formou maioria para decretar a inconstitucionalidade da lei.

O tema é analisado a partir de ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, que gerou a ADI 7019. Para a Contee, a lei de Rondônia “é inconstitucional, porque usurpa a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de ensino, e atenta contra os princípios fundamentais do país”.

O ministro Edson Fachin afirma em seu relatório que “a chamada ‘linguagem neutra’ ou ainda ‘linguagem inclusiva’ visa combater preconceitos linguísticos, retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro. A sua adoção tem sido frequente sobretudo em órgãos públicos de diversos países e organizações internacionais. Sendo esse o objetivo da linguagem inclusiva, é difícil imaginar que a sua proibição possa ser constitucionalmente compatível com a liberdade de expressão”.

No texto, Fachin ainda destaca que a lei de Rondônia que proíbe a utilização da linguagem neutra – e impõe sanção a quem descumpri-la – é aplicada em âmbito escolar, o que, segundo o ministro, é uma condição “ainda mais grave”. O relatório afirma ambiente escolar é “ambiente no qual, segundo comando da Constituição, devem imperar não apenas a igualdade plena, mas também ‘a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber’”.

O relatório de Edson Fachin lembra que, em deliberação anterior, o STF “já decidiu que ‘o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a expressão de gênero’ e que ‘a identidade de gênero é a manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la’. Por isso, proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo Estado”.

Embora já tenham formado maioria pela ilegalidade da lei de Rondônia que proíbe o uso da linguagem neutra em âmbito escolar, ainda não se pode dizer que a decisão é final. Isso porque os(as) ministros(as) podem mudar o voto até o fim da sessão. A realização disso, entretanto, é improvável.

A decisão do STF abre precedente para que leis com o mesmo teor da editada em Rondônia sejam submetidas à deliberação da Corte.

No DF

Projeto de lei semelhante ao de Rondônia, que proíbe o uso da linguagem neutra em sala de aula, tramita na Câmara Legislativa do DF. De iniciativa do deputado distrital Iolando Almeida de Souza (PSC), o PL 2303/2021 proíbe “o uso de linguagem neutra ou não-binária nos materiais didáticos utilizados nas instituições de ensino públicas e privadas do Distrito Federal”. A proposta ainda prevê que “a regra deverá se estender também aos editais e exames de processos seletivos públicos”. De acordo com o projeto de lei, a multa será de R$ 5 mil para aqueles que descumprirem a determinação.

“Um princípio linguístico, a supressão de pronomes masculino e feminino é o começo da ação da destruição de uma percepção natural, biológica dos sexos, pois começa a mudar a percepção da realidade através da linguagem”, afirma o deputado Iolando em seu site, mostrando abertamente que o projeto de sua autoria tem cunho ideológico.

O diretor do Sinpro Claudio Antunes rebate. “Vários professores e professoras sofreram e sofrem pressão por pais, mães, responsáveis por utilizar a linguagem neutra em sala de aula. É importante lembrar que a língua não é morta e não está congelada. Por ser viva, ela se adapta ao longo do tempo. Além disso, e sobretudo, é essencial lembrar que escola é lugar de aprender a conviver e respeitar as diferenças, bem como de lutar e fortalecer pelo direito dos docentes e das docentes à liberdade de cátedra”, afirma.

Também dirigente do Sinpro, Ana Cristina avalia que “as escolas devem ter autonomia para definir conteúdos do currículo escolar nas propostas pedagógicas”. “Isso está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. É mais um ataque à liberdade de ensinar e de aprender, garantido inclusive na Constituição Federal. Querem fazer das escolas espaços de reprodução dos preconceitos; dos professores, assistentes de um sistema opressor; e dos estudantes, meros receptores de conteúdos”, avalia. A dirigente Marcia Gilda completa: “nossa luta é pela dignidade da pessoa humana. E isso passa, necessariamente pela normalização do uso da linguagem neutra”.

Ao contrário de Jair Bolsonaro, que abominava a linguagem neutra, o governo Lula adotou a prática em seus eventos. A linguagem neutra foi adotada, por exemplo, na cerimônia de posse do ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, assim como na posse dos ministros da Fazenda, Direitos Humanos e Cidadania, Cultura, Mulher e das secretarias Geral da Presidência e de Relações Institucionais da Presidência da República.