Lei Maria da Penha poderá proteger transexuais e transgêneros
O Projeto de Lei 8032/14, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), pretende incluir, na Lei Maria da Penha, pessoas transexuais e transgêneras que se identifiquem com o sexo feminino. Atualmente, a lei protege mulheres – independente da orientação sexual – de violência doméstica e familiar que envolva morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de dano moral ou patrimonial.
A proposta será arquivada no dia 31 de janeiro, em um procedimento padrão devido ao fim da legislatura, mas a deputada já manifestou o interesse de desarquivá-la logo em seguida, para continuar os trâmites dentro da Casa. O texto deverá ser analisado em caráter conclusivo pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias; de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Em entrevista à Fórum, Feghali afirmou que a iniciativa busca coibir atos de violência que, infelizmente, são comuns nessa população. “Só no ano passado, foram assassinadas 84 travestis. Isso acontece por força de uma cultura extremamente machista”, explicou.
A opinião da parlamentar é confirmada pelas estatísticas. Segundo relatório da ONG Transgender Europe, o Brasil lidera o número de assassinatos de travestis e transexuais em todo o mundo. Entre 2008 e 2013, foram 486 mortes, quatro vezes a mais que o México, que está na segunda posição entre os países com mais casos registrados.
Para enfrentar uma eventual resistência em relação ao tema, a deputada afirma que o próximo presidente da Câmara, eleito em fevereiro, será fundamental para conduzir a discussão de maneira adequada.
Confira, abaixo, a entrevista completa:
Fórum – Por que é tão importante a criação de uma lei que estenda esse direito a transexuais e transgêneros?
Jandira Feghali – Há um componente biológico muito importante na questão da identidade de gênero. Os mais renomados especialistas da psiquiatria afirmam, por meio de comprovados estudos, que existe um cérebro feminino e um masculino, determinado no útero da mãe por hormônios masculinos circulantes. O cidadão cresce, se vê em um corpo diferente em relação ao seu cérebro, e passa a querer mudar de sexo, a fim de ajustar o seu corpo à sua mente. Logo, vive como mulher.
Fórum – Como surgiu a ideia do projeto de lei?
Feghali – Esse debate surgiu de forma curiosa. Foi através de um questionamento da minha filha de 21 anos, a Helena, estudante de psicologia. Ela veio até mim e perguntou: “Mãe, o cidadão transexual não é protegido pela Lei Maria da Penha da violência doméstica?”. E é verdade, de certa forma, não é. Foi uma pergunta repleta de modernidade, do debate contemporâneo. Daí, percebemos que a aplicação da lei ficava a cargo da interpretação de juízes e somente isto não bastava para proteger realmente estes cidadãos.
Fórum – Como a senhora vê a questão da violência para este segmento da sociedade?
Feghali – Há uma grande demanda social. O transexual ou transgênero hoje não se vê contemplado de forma segura pela Lei Maria da Penha que, na prática, deveria protegê-lo da agressão doméstica (já contemplada para relação homoafetiva entre mulheres, por exemplo). Essa aresta acaba permitindo que inúmeros crimes sejam mantidos às sombras.
O respeitado Grupo Gay da Bahia, que estuda crimes contra a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), aponta que os transexuais são, proporcionalmente, os mais afetados por agressão de diversas naturezas, da homofobia à violência conjugal – que é muito comum, mas muita gente ignora ou desconhece.
Enquanto os gays representam 10% da população, cerca de 20 milhões de pessoas, as travestis não chegam a 1 milhão e têm número de assassinatos quase igual ao de gays. Só no ano passado, foram assassinadas 84 travestis. Isso acontece por força de uma cultura extremamente machista, de submissão, que atinge tanto mulheres quanto cidadãos trans.
Fórum – Quais os desafios no Legislativo para a aprovação do PL?
Feghali – Estou discutindo com os atuais líderes da Casa para levarmos ao plenário o mais rápido possível, na retomada dos trabalhos com a nova legislatura (2015-2019). Para termos êxito, é extremamente necessário que o próximo presidente na Câmara seja um parlamentar comprometido com essas pautas, e leve ao Plenário para nossa apreciação. Não há porque esperar, esse debate já se deu com a sociedade que, em peso, apoia medidas eficazes no combate à violência doméstica.
(Da Revista Forum)