Legados de Zumbi e Mandela marcam dia da Consciência Negra

Para o professor Silvio de Almeida, racismo é estrutural no Brasil. Em São Paulo, ex-carcereiro do líder sul-africano participa de evento na noite desta segunda-feira (19)
São Paulo – A figura guerreira de Zumbi dos Palmares aparece no imaginário brasileiro como um ícone de resistência à escravidão e nesta terça-feira (20) completam-se 323 anos de sua morte. O Dia Nacional da Consciência Negra marca a luta e a resistência contra o racismo estrutural que persiste na sociedade e celebra nomes como o da esposa de Zumbi, a heroína Dandara, até o icônico líder sul-africano Nelson Mandela, que completaria seu centenário neste ano.
Mandela, em seu país, fez frente ao regime do apartheid que segregava brancos e negros. Preso pelo regime racista em 1962 por seu ativismo, passou 27 anos encarcerado na Ilha Robben. Saiu nos braços do povo, vencedor do Prêmio Nobel da Paz e presidente de seu país. Por ocasião de seus 100 anos e para marcar o dia da Consciência Negra, o escritório de turismo da África do Sul promove hoje um debate com seu carcereiro naqueles tempos, Christo Brand.
O ex-carcereiro de Madiba, como é chamado carinhosamente em seu país, se tornou amigo próximo, o que revela a face agregadora e pacifista do líder sul-africano. Ele será entrevistado no espaço CIVI-CO, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, às 19h desta segunda-feira (19). O bate-papo aberto ao público traz Brand que, até hoje, trabalha na Ilha Robben. Agora, em um memorial dos tempos sombrios, para que não se repitam.
Quem será o encarregado de conversar com Brand é o sociólogo Túlio Custódio, com mediação da jornalista Milly Lacombe, que esteve recentemente na África do Sul para realizar um estudo sobre a vida de Madiba e sua história pelas ruas da capital do país, Joanesburgo.
O escritório sul-africano ainda deixa uma dica cultural em São Paulo para aqueles que querem um passeio ao ar livre neste feriado da Consciência Negra com reflexão sobre o tema a partir de uma obra no Elevado João Goulart. “Outro programa para quem quiser celebrar o legado de Nelson Mandela durante o feriado do Dia da Consciência Negra é visitar o mural que foi pintado em homenagem ao líder no Parque do Minhocão, altura da estação Marechal Deodoro. Criada pelos artistas Criola e Diego Mouro, a obra mostra Mandela cercado por elementos relacionados à África do Sul, como as flores protea e o guepardo.”

Questão estrutural

Para chamar a atenção à importância da igualdade e da inclusão efetiva do negro na sociedadebrasileira, São Paulo recebe a primeira edição da Virada Cultural da Consciência Negra, que acontece deste ontem e vai até quarta-feira.
Ao analisar os mapas de violência no país, fica evidente a importância de tais eventos e memórias. A população negra da cidade representa 30% do total, sendo que os negros são 54% dos presos. Uma das pesquisadoras do Mapa da Violência de 2016, Giane Silvestre, falou a respeito desses números no seminário Prisão e Direitos Humanos: Histórias de Longa Caminhada, em maio de 2017. “Quando dizemos que tem mais negros presos do que brancos, não significa que mais negros cometem crimes. Significa que existe um foco policial na população negra e também em determinados tipos de crimes – aqueles que atentam apenas contra o capital (roubos e furtos). Nossa hipótese é de racismo institucional.”
Para o presidente do Instituto Luiz Gama, professor de filosofia do direito, Silvio de Almeida, o racismo é parte da estrutura social e política brasileira. Ele é autor do livro O Que é Racismo Estrutural?, da editora Letramento, de 2018. “Quando pensamos em racismo pensamos em violência direta contra uma pessoa. Quando você ofende ou impede a entrada de alguém em algum estabelecimento, paga um salário menor. A discriminação. Entretanto, compreender o racismo, é preciso entender a conjuntura”, afirma.
“Fosse o racismo uma patologia, atribuindo àqueles que são racistas algum tipo de problema intelectual, mental ou de caráter. A noção do racismo estrutural coloca que o racismo não é anormal e sim normal. Não que devemos aceitar, mas, independentemente disso, ele constitui suas relações em um padrão de normalidade. O racismo é uma forma de racionalidade, uma forma de normalização, de compreensão das relações. Ele constitui ações conscientes e inconscientes, falo de economia, política e subjetividade, pontos em que existe um constrangimento e que faz parte da dinâmica do cotidiano”, explica.
Fonte: Rede Brasil Atual