Inflação e neoliberalismo põem alimentos fake na mesa dos brasileiros

Não é só na política e na economia que os brasileiros enfrentam uma profusão de coisas falsas e degeneração acelerada da vida. Estamos na era das fake news, da fartura de mentiras, de um aumento sem precedentes da manipulação de informações e de produtos. A indústria alimentícia usa a desculpa da inflação para colocar nos mercados alimentos falsos, ou seja, produtos que parecem alimentos.

É o caso de algumas marcas de leite condensado, do queijo cheddar e do creme de leite que apareceram, recentemente, nas prateleiras a preços mais baratos. São produtos feitos de substratos e outros tipos de refugo que a indústria descarta porque não servem para o consumo. No entanto, esses resíduos passaram a ser usados para fabricar os alimentos fake e ajudarem as empresas a não perderem lucro.

Numa postagem no Instagram, o Mídia Ninja mostrou uma foto de uma caixinha de leite condensado da Nestlé, mostrando que o produto é fake e escreveu: “O preço do leite tem subido em disparada. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o preço do leite aumentou 25% em julho, em relação ao mês anterior, acumulando uma alta de 77% no ano. Produtos derivados do leite também sofreram um expressivo aumento nos preços. O custo do leite condensado, por exemplo, subiu 19%, enquanto que o da manteiga aumentou 17%, do queijo 16% e do requeijão 14%.”

Colocar alimentos fake nas prateleiras é uma estratégia da indústria de alimentos de trazer para o mercado produtos sem qualidade nutritiva, com preços mais baixos, aparentemente com o objetivo de manter as metas de vendas lá em cima, mas promovendo uma perda nutricional em cada um desses alimentos. As consequências disso são doenças sem cura, como os vários tipos de cânceres advindos de alimentos artificiais, encharcados de centenas de agrotóxicos e produzidos em laboratórios pelas poucas empresas que dominam a produção de alimentos no mundo.

Além do problema grave de fome que o Brasil está vivendo por causa da adoção da política econômica neoliberal a partir do golpe de Estado de 2016 e aprofundado com a eleição de Bolsonaro em 2018, agora se tem também uma oferta de produtos que promovem desnutrição ou que afetam a desnutrição das pessoas. Isso é a prova da irresponsabilidade que o governo Jair Bolsonaro (PL) e que a indústria alimentícia, bem como o setor produtivo têm com o próprio Brasil, com a população e com o consumidor.

Especialistas nesse tema têm ido à mídia, sistematicamente, criticar essa mudança de matriz alimentícia e afirmar que uma empresa de alimentação deveria ter maior compromisso e engajamento com a saúde da população porque, a partir do instante em que a saúde do povo é afetada e prejudicada, as pessoas que só têm dinheiro para comprar alimentos sem qualidade nutricional vão adoecer e parar de consumir, de comprar, porque vão sair do mercado de algum modo.

Seria mais interessante que a indústria se posicionasse melhor diante do governo no sentido de auxiliar o País no combate à inflação, que está muito alta, mas, principalmente colaborar nas políticas de distribuição de renda, ajudar o consumidor a ter produtos saudáveis, assessorar nas políticas públicas de combate à fome e à desnutrição no Brasil. Com essa atitude, as empresas teriam muito mais segurança do ponto de vista de negócio, criando um ambiente de comercialização muito mais interessante para elas próprias do que criar produtos falsos, que desencadeiam a desnutrição e que, comprovadamente, adoecem as pessoas.

As enfermidades advindas de alimentação fake acontece desde uma cárie até problemas de obesidade, doenças incuráveis, como os vários tipos de cânceres e distúrbios neurológicos e outras moléstias que afetam o sistema nervoso central e são irremediáveis. A fabricação e oferta de alimentos fake mostram a irresponsabilidade do setor produtivo no Brasil e de um sistema econômico, social e produtivo que precisa ser modificado porque não dá mais para conviver com um modelo que só promove concentração de renda e de riqueza para alguns e adoecimento para o resto do País.

No entendimento da diretoria colegiada do Sinpro, não há como falar dos produtos fake sem contextualizar também o que o Brasil viveu nesse avanço da transgenia e da nanotecnologia, que vieram para ficar. Nessas duas tecnologias de criação de produtos alimentícios, observamos que a mesma base, ou seja, do mesmo produto que se faz um shampoo ou um detergente, faz-se também um macarrão. O leite “Ninho”, por exemplo, não é leite em pó. É um composto lácteo

Especulação com a falta de alimentos

Os alimentos fake estão intimamente ligados às proliferações de fake news das indústrias alimentícias. E não é de hoje. Desde o início do século XX se tem registros de propagandas enganosas sobre alimentos que não são alimentos. “Existem empresas que estão especulando e produzindo com essa sanha de ganhar dinheiro em cima de uma fragilidade do Brasil e do mundo que é a falta de alimentos. Primeiramente, a onda das tecnologias chegou à agricultura após a Segunda Guerra Mundial. Vimos, nos anos 2000, o avanço intenso da transgenia. E se foi aprovada a liberação de cultivo e comercialização no País por causa de um discurso de que era fato consumado. Existia uma grande produção, especialmente de soja e que não podia se perder essa produção”, explica Rosângela Piovizani, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).

Ela afirma que logo após as indústrias que visam não produzir alimentos saudáveis, mas sim lucros, desenvolvem também a transgenia e para além das transgenias, as nanotecnologias. “Esse é um processo seguinte à transgenia. Nós, do Movimento de Mulheres Camponesas, Via Campesina, rechaçamos essa forma laboratorial de produção de alimentos. A nanotecnologia pode, a partir de uma única substância produzir shampoos e biscoitos. Isso é uma forma desastrosa de lidar com a saúde e com a vida humana e com a responsabilidade ambiental”, critica.

Rosângela lembra que nos governos do PT os movimentos do campo – Movimento de Mulheres Camponeses, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Via Campesina e outras organizações do campo – construíram políticas públicas de fomento e custeio para produção de alimentos. “Por causa disso a gente teve uma grande produção de alimentos e também uma ascensão de compras governamentais da nossa produção. É impossível se pensar um país na dimensão do Brasil, com um campo fértil de Norte a Sul, com uma riqueza de variedades sem igual no mundo, se vê nas mãos das multinacionais europeias, japonesas, estadunidenses e diante de produtos altamente processados e transformados nas prateleiras dos supermercados”, critica.

No último período pós-golpe, do governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), todo o esfacelamento das políticas de fortalecimento da agricultura camponesa, de fortalecimento da produção saudável. “O que vimos foi o desmonte das políticas de crédito, microcrédito, compras para aposta num mercado de produção do mau agronegócio, que só visa a exportação e deixa a população brasileira à mercê de empresas que querem ter lucro. Isso está intimamente relacionado com o aumento escandaloso da fome, da miséria, da subnutrição, do adoecimento e da morte, especialmente num país que tem uma biodiversidade imensa. Rechaço isso com muita veemência porque é inadmissível que a gente busque produtos que não são alimentos, sem propriedades nutritivas, para vender ao povo”, finaliza Piovizani.

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