Governo reduz investimento na EJA e deixa modalidade com os dias contados

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) está com os dias contados. A previsão é do Orçamento federal para 2020, que registra o pior investimento dos últimos anos. A lei do Orçamento Anual do governo Jair Bolsonaro destinou apenas R$ 25 milhões para o setor. Em 2019, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, aplicou somente R$ 16,6 milhões na área, o que corresponde a 22% dos R$ 74 milhões previstos, segundo O Globo.

Um levantamento feito pelo Sistema Integrado de Operações (Siop) mostra que este foi o menor investimento no programa da década. Em matéria sobre o tema divulgada no dia 29/12/19, O Globo destacou que, “em 2012, por exemplo, durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), o investimento no EJA foi de R$ 1,6 bilhão, valor 115 vezes maior do que de 2019”.

A revista Rede Brasil Atual, de 20/12/19, por sua vez, afirma que, dos R$ 54,4 milhões destinados ao programa, em 2019, apenas R$ 1,5 milhão foi aplicado, valor que equivale a 2,8% do total. “Mais R$ 1 milhão foi usado para cobrir os chamados restos a pagar de 2018. “Eles não têm nem o que executar. Destruíram todos os programas que existiam. É até de se perguntar: gastaram dois milhões no quê?”, questiona o coordenador da Unidade de Educação de jovens e Adultos da Ação Educativa da ONG Ação Educativa, Roberto Catelli”.

Além da falta de investimento, a EJA, no governo Bolsonaro, passou por uma profunda desarticulação na época em que o ex-ministro da Educação Vélez Rodriguez extinguiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que era responsável por fomentar políticas para o setor em estados e municípios.

Enquanto o governo Bolsonaro elimina uma das principais políticas públicas de Estado de inclusão educacional, mais da metade dos brasileiros com mais de 25 anos não tem Ensino Médio completo, número que corresponde a 52,6% da população. Esse dado é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) 2018 mostra que a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, no Brasil, foi estimada em 6,8% (11,3 milhões de analfabetos). Erradicar o analfabetismo no Brasil não é tarefa fácil. São séculos de governos como o de Bolsonaro, que alijaram milhões de brasileiros da possibilidade de estudar. Os números confirmam a declaração de Darcy Ribeiro, antropólogo, educador, romancista, criador da Universidade de Brasília (UnB): “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”.

 

DESINVESTIMENTOS

“Nem os governos neoliberais dos anos 1990, que investiram o mínimo que puderam na educação, ousaram jogar o Brasil em tão grande obscurantismo educacional. Ao contrário, criaram, mesmo timidamente, políticas de inclusão social e educacional. O governo Bolsonaro faz questão de dilapidar, apressadamente, tudo isso, principalmente a cultura e a educação. Não cumpre a Constituição e ignora que o acesso à Educação de qualidade é direito fundamental para a ampliação da cidadania, para o aprofundamento da democracia e para o desenvolvimento do País”, afirma Rosilene Corrêa, coordenador de Finanças do Sinpro-DF.

Ela informa que os países desenvolvidos do mundo investiram pesado na educação e mostraram que somente com investimentos públicos em educação conseguiram erradicar o analfabetismo e, consequentemente, reduziram a pobreza, a criminalidade e ampliaram o crescimento econômico, o bem-estar e o acesso da população aos direitos fundamentais.

“Entre 2002 e 2015, houve um grande aprofundamento no investimento do dinheiro público nos setores sociais, sobretudo na inclusão educacional. Hoje, o que se tem no Brasil é uma política contrária aos preceitos constitucionais e a tudo o que foi feito dos anos 1990 do século passado até o momento. O que o governo atual está fazendo no Palácio do Planalto é desconstruir as políticas sociais que garantem o acesso e, sobretudo, as de permanência na escola”, analisa Cláudio Antunes, coordenador de Imprensa do sindicato.

Em pouco mais de 2 anos, o desinvestimento em educação retirou do Distrito Federal o selo de unidade da Federação livre de analfabetismo, que ganhou em 2014. Em 2019, o governador Ibaneis Rocha (MDB), que segue a cartilha neoliberal do governo Bolsonaro, fechou várias turmas e turnos noturnos oferecidos pela rede pública de ensino.

“Aqui no DF a gente vai observar ainda mais fechamento de turmas e turnos de EJA, que já vem acontecendo desde o ano passado e, agora, com Bolsonaro, vai acentuar pela falta de investimento. O objetivo é claro. Isso aí é um projeto de governo para sucatear a educação pública. Hoje a gente observa isso na EJA”, finaliza Letícia Montandon, diretora do Sinpro-DF.

 

ESTRAGO SILENCIOSO

O título da matéria da revista Veja fazia o alerta: “O estrago silencioso na educação”. Na matéria, a Veja denunciou que o estrago ia além do contingenciamento de verbas para as universidades federais e o corte de R$ 348 do lote destinado à produção e distribuição de livros didáticos e da interrupção total da Secadi.

“O impacto do sucateamento foi traduzido nos dados divulgados pelo Censo Escolar de 2018: o número de matrículas da EJA diminuiu 1,5%, totalizando apenas 3,5 milhões de estudantes matriculados no ano passado. O número é extremamente baixo para um país que, em 2017, tinha 11,5 milhões de pessoas analfabetas acima dos 15 anos de idade, segundo o IBGE”, dizia a revista.

Ainda segundo a Veja, a taxa de alfabetização da população acima de 15 anos está abaixo do previsto. A meta a ser atingida em 2015 era de 93,5%; em 2019, 4 anos após o fim do prazo, essa porcentagem ainda estava em 91,5%. Isso significa que as metas estabelecidas pelo Plano Nacional da Educação (PNE), cujo objetivo é acabar com o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% o analfabestismo funcional, dificilmente serão atingidas até 2024, quando termina o prazo para alcançá-las.

 

PERMANÊNCIA

“Não é só a EJA que está sendo ameaçada de extinção, o ensino regular também com o fechamento da educação noturna. É preciso investir nesse setor para melhorar os índices de analfabetismos. Para levar a população que não conseguiu concluir o ensino básico para a escola, é preciso investir também na permanência. Essa é uma das políticas ameaçadas pelos governos federal, sobretudo quando se trata das políticas focadas no segmento da população que já havia sido prejudicado pela falta de oportunidade e de políticas públicas de permanência”, afirma Berenice Darc, diretora do Sinpro-DF.

A EJA já vinha sofrendo reduções significativas de orçamento desde 2014, quando a receita disponível a essa modalidade foi de R$ 679 milhões. Em 2017, no governo de Michel Temer (MDB), o orçamento foi de R$ 161,7 milhões. Em 2018, foram R$ 68,3 milhões. Os dados constam da página Siga Brasil, sistema de acompanhamento do orçamento federal, mantido pelo Senado. Apesar das reduções, a execução do orçamento vinha sendo próxima àquilo que fora planejado. Já este ano, “o quadro é de desolação”, na avaliação de Roberto Catelli.

Nos anos 1970, em vez de EJA, a alfabetização e escolarização de adultos era conhecida como ensino supletivo. Mudou de nome para EJA porque se aperfeiçoou com novas e mais eficientes metodologias de ensino. Nos anos 1980, se fortaleceu. No atual orçamento destinado à educação na EJA, o valor estimado para cada estudante é de 2.870,94 reais, de acordo com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Com informações de O Globo, revista Rede Brasil Atual, UOL, site do IBGE, site do MEC, O Estado de S. Paulo, revista Veja, revista Fórum.