Audiência pública rejeita PLC do governo que institui meritocracia no GDF

Após derrubar, em abril, o caráter de urgência do Projeto de Lei Complementar (PLC) 106/2017, que institui a avaliação periódica de desempenho (meritocracia) nos serviços públicos do Distrito Federal, a Câmara Legislativa do DF (CLDF) realizou, na tarde desta segunda-feira (22), uma audiência pública para discutir o PLC, de autoria do Governo do Distrito Federal (GDF). A conclusão da audiência é a de que o projeto é inaceitável nas condições em que foi apresentado porque visa a demitir servidores/as estáveis e a desestruturar os serviços públicos.
“A audiência pública mostrou diversos pontos de vista dos servidores sobre o PLC 106/17, no entanto, todos convergiram para a rejeição do projeto. Os deputados distritais presentes também rejeitaram a possibilidade de aprovação de um projeto que não visa à melhoria do serviço público, e sim somente a jogar a culpa da má qualidade do serviço público no servidor sem levar em conta as condições de trabalho e a má gestão do atual governo do DF”, analisa Cláudio Antunes, diretor do Sinpro-DF.
Ele disse que, no entendimento da diretoria colegiada, esse PLC é mais uma tentativa de o governo Rollemberg investir esforços contra o funcionalismo e sucatear ainda mais o serviço público no DF. “A avaliação periódica de desempenho pretendida pelo governo Rollemberg visa a instituir um modelo fracassado de gestão meritocrática no GDF mesmo sabendo que estudos realizados em vários países, incluindo aí nos EUA, demonstraram a ineficiência desse sistema de bonificação, que está evidente nos artigos 2º, 3º e 4º do PLC 106/2017”, denuncia.
O governo Rollemberg enviou esse projeto para a CLDF em abril com a recomendação de que fosse analisado e aprovado em caráter de urgência. Contudo, encontrou resistência. Os/as deputados/as distritais não aprovaram a urgência e pediriam uma audiência pública para analisá-lo.
Antunes lembra que um dos pilares da política de choque de gestão é a meritocracia travestida do nome “avaliação periódica de desempenho”, que, na educação, representa uma gradativa responsabilização do/a professor/a e da escola pelos resultados obtidos e transfere para a Secretaria de Estado da Educação o gerenciamento do sistema meritocrático. Esse modelo de gestão não deu certo em nenhum lugar do mundo, incluindo aí o Brasil, nos estados governados por políticos neoliberais, como acontece atualmente com São Paulo e ocorreu, por mais de 10 anos, com Minas Gerais.
O PLC 106/2017 é uma proposta do governo Rollemberg que cria as condições para o estabelecimento de metas inalcançáveis, as quais devem ser alcançadas de qualquer jeito pelo corpo docente. Quem não alcançá-las será eliminado do sistema. A lógica é a de que o/a estudante deixa de ser sujeito e cidadão e passa a ser consumidor de um produto denominado educação. Com a política meritocrática, o GDF acaba com a concepção de educação pública como um direito social e política pública do Estado para transformá-la em mercadoria (produto) e a SEEDF passa a ser uma gerenciadora de indicadores externos de qualidade.
Com o PLC 106/17, o governo Rollemberg pretende também instituir esse tipo de política no DF. Uma política mercantilista que promove uma variação inadequada e injusta na remuneração das categorias. O que o GDF quer é adotar, na capital do país, local em que a escola pública sempre foi uma referência nacional em qualidade de ensino, um modelo fracassado, adotado em Minas Gerais por Aécio Neves (PSDB) quando foi governador.
Minas Gerais viveu essa situação durante mais de 10 anos. Os governos neoliberais estamparam, em cada uma das escolas estaduais, uma placa com a nota da escola no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Essa placa com a nota servia de instrumento medidor do trabalho dos/as profissionais da educação. Com essa política, Minas deixou de tratar a educação como direito social e política pública.
Na época, as escolas estaduais de Minas Gerais foram modificadas de forma que a serem reconhecidas somente as instituições que apresentaram desempenho satisfatório no IDEB. As demais escolas, que apresentaram baixos indicadores, ficaram à margem do sistema e não tiveram, em mais de uma década, nenhum tipo de planejamento para atendimento diferenciado.
A experiência com meritocracia no Brasil e no mundo mostra que os governos neoliberais transformam a escola pública em uma empresa e os professores em empreendedores estimulados cotidianamente a disputar entre si a melhor colocação num ranking criado para isso.
Outro problema da meritocracia é que ela responsabiliza o/a professor e a escola pelos resultados no IDEB e, para isso, desconsidera as condições estruturais da escola em todos os sentidos. Trata-se de uma política que irá destruir a carreira do magistério público, duramente construída há décadas no DF, e destroi também a perspectiva de futuro dos/as educadores/as
No modelo meritocrático, o/a professor/a é tratado/a como um/a executor/a de aulas, que não deve ser ouvido durante a definição de políticas e considerado/a como um/a profissional que não tem condições para acompanhar o processo de aprendizagem dos seus/suas estudantes.
Com a meritocracia, o prêmio por produtividade irá substituir a valorização do salário por até um salário a mais por ano e os/as aposentados/as são considerados uma camada de servidores/as não produtivos/as que ficarão sem reajustes até que, no futuro, os impactos da falta de reajustes os/as deixarão com vencimentos básicos inferiores ao salário mínimo.
A meritocracia promove, de forma vertical, uma reforma administrativa, sem discussão com a sociedade e com os/as servidores/as públicos, e retira, de maneira autoritária, conquistas trabalhistas adquiridas em virtude do tempo de serviço.
Em alguns estados brasileiros em que se adotou a avaliação periódica de desempenho, houve a promessa de pagar o adicional de desempenho como política de valorização do/a professor/a, mas nunca foi pago a nenhum/a profissional da educação.
Em alguns estados, em que a meritocracia foi adotada, professores/as passaram a não receber auxílio-transporte e foram proibidos de comer a merenda da escola. Não há recomposição salarial na data-base do/a servidor/a, e nem sequer da inflação.