Estudo mostra que militarização é utilizada para reconfigurar política educacional brasileira

A militarização das escolas, alinhada ao enfraquecimento de políticas educacionais democráticas, integra o projeto político da Nova Direita para reconfigurar a educação brasileira. É o que aponta o artigo científico “Militarização de escola pública: gestão democrática em perigo?”.

O estudo acadêmico foi elaborado por Júlio Barros, diretor do Sinpro; Marcos Nunes Soares, integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Discriminação (TEDis) da UnB; e Natália de Souza Duarte, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas para Infância e Juventude (PPGPPIJ) da UnB.

A Nova Direita, segundo explicam os(as) autores(as), é um movimento político-conservador que combina neoliberalismo, conservadorismo social e autoritarismo. Em ascensão formal desde o golpe jurídico-parlamentar de 2016, o grupo utiliza políticas públicas — especialmente na educação — para controlar, disciplinar e reproduzir desigualdades sociais.

De acordo com o artigo, o modelo de gestão compartilhada no Brasil retoma mecanismos que são inspirados no autoritarismo da ditadura militar. Ao mesmo tempo, práticas emancipadoras inerentes à gestão democrática, como o reconhecimento e a valorização da diversidade, o enfrentamento às violências de gênero e a promoção de uma educação crítica, são negligenciadas.

O estudo aponta que, na militarização das escolas, a ordem, a disciplina e a hierarquia são inseridas no contexto educacional como solução milagrosa para melhorar a qualidade de ensino, combater a violência e promover a segurança escolar.

Entretanto, para os(as) autores(as), a abordagem autoritária — traço característico da gestão compartilhada — vai além e usa a educação como instrumento de controle social. O modelo visa, especialmente, ao controle sobre juventudes periféricas e racializadas, que têm suas vozes e expressões excluídas e silenciadas.

“Essa inflexão conservadora se articula com outras políticas educacionais da Nova Direita, como ‘Escola sem Partido’, Homeschooling, orientação cisheteronormativa, que visam restringir o pensamento crítico e a autonomia docente, configurando um cenário de desdemocratização da educação pública”, afirma trecho do artigo.

Impactos pedagógicos

Mais do que prejuízos à construção da identidade de estudantes, os impactos da militarização são sentidos também no âmbito pedagógico. Segundo os(as) autores(as), com a presença de militares, o ambiente escolar perde espaços de diálogo, criatividade e pluralidade, dando espaço a um território de disciplinamento e silenciamento.

“Além disso, a lógica militar desestimula práticas pedagógicas críticas e participativas, instaurando uma cultura de obediência, incompatível com os princípios democráticos da educação pública” afirmam os(as) pesquisadores(as).

O princípio da gestão democrática do ensino público — garantido pela Constituição Federal de 1988 e por outros dispositivos legais — também é prejudicado. O artigo destaca que a lógica disciplinar e hierárquica imposta pelo modelo de gestão é incompatível com a educação emancipadora e promove o enfraquecimento da participação da comunidade escolar.

Modelo de gestão inconstitucional

Outro ponto abordado pelo estudo diz respeito à legalidade do modelo de gestão. Órgãos como a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público Federal (MPF) já se manifestaram pela inconstitucionalidade da militarização das escolas. No mesmo entendimento, o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança recomendou a proibição imediata do modelo em todas as escolas públicas do Brasil.

Nesse sentido, o artigo explica que, longe de representar uma solução, a militarização “revela-se como um retrocesso que ameaça os direitos educacionais conquistados e compromete o papel social da escola pública”.

Para os(as) autores(as), diante desse cenário, é urgente fortalecer políticas públicas que consolidem a escola como espaço de liberdade, participação e cidadania.

“Isso implica investir na formação continuada dos profissionais da educação, ampliar as equipes escolares com psicólogos e assistentes sociais, garantir a gestão democrática com participação efetiva da comunidade escolar e eleição direta do diretor pela comunidade, promover ações de prevenção crítica das distorções do ideário neodireitista neoliberal neoconservador – educação antirracista, antimachista, antiLGBTQIAfóbica”, afirma o estudo.

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Edição Vanessa Galassi