Entenda as principais questões sobre a reforma trabalhista

Os trabalhadores serão prejudicados? Terão assegurados direitos como FGTS, 13º salário e seguro desemprego? Poderão ser demitidos e recontratados para ganhar menos?
Essas são só algumas perguntas que ainda pairam sobre a reforma trabalhista. A proposta, que se encontra sob análise do Senado, prevê a alteração de mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Na tentativa de esclarecer as principais dúvidas de seus leitores, o Carta Educação selecionou algumas questões recebidas e as encaminhou para a juíza do trabalho Valdete Souto Severo, convidada do Carta Explica desta semana. Confira!
1. A reforma altera algum artigo da Constituição trabalhista?
A reforma altera a CLT não a Constituição, embora exista uma PEC em tramitação (PEC 300/2016) que prevê alteração no artigo sétimo da Constituição Federal. O problema é que as alterações que essa reforma trabalhista propõe para a CLT vão acabar tornando letra morta os artigos da Constituição. Não altera diretamente, mas indiretamente sim.
2. A reforma trabalhista tira direitos dos trabalhadores ou os prejudica de alguma forma?
De várias formas. Ela mexe em mais de 200 artigos da CLT e retira vários direitos. Permite, por exemplo, a supressão de intervalo de descanso, o trabalho intermitente – que é aquele em que o trabalhador só recebe pelas horas que efetivamente trabalhar, sem remuneração de descanso e férias. É quase a institucionalização do bico, um trabalho bem precarizado.
Além disso permite a terceirização em todas as atividades da empresa, artigos que dizem que gestantes podem trabalhar em ambientes insalubres, que trazem danos à saúde. Do início ao fim, todos os artigos prejudicam e tiram direitos dos trabalhadores.
3. No caso do trabalho intermitente, as horas trabalhadas seriam pré-combinadas ou alteradas de acordo com os interesses do empregador?
Elas podem ser alteradas pelo empregador. A previsão da lei é a seguinte: o trabalhador pode ser contratado para trabalhar cinco horas em uma semana, dez na outra, e essa decisão fica a cargo do empregador. Isso impacta diretamente em sua remuneração, que será calculada com base nesse montante de horas trabalhadas. Ou seja, para ter uma remuneração decente, ou mesmo para planejar a vida, o trabalhador teria que buscar por mais empregos.
4. O que significa o negociado prevalecer sobre o legislado? Quais os impactos para o trabalhador?
Significa que, supostamente, haveria a possibilidade dos trabalhadores negociarem condições de trabalho piores do que as que estão previstas na lei. O que se chama de negociado sobre o legislado é permitir que os trabalhadores abram mão de direitos através de acordos coletivos. Para isso, a reforma prevê a possibilidade de empresas com mais de 200 funcionários nomearem representantes não sindicais que teriam o papel de fazer esse tipo de negociação com os trabalhadores.
5. Essa negociação seria válida a todos os trabalhadores de uma empresa ou conduzida caso a caso?
Aqui temos algumas hipóteses possíveis. Há a possibilidade do trabalhador negociar a perda de direitos diretamente com o patrão, ou ainda dos sindicatos fazerem essa negociação com o empregador, e aí valeria para toda a categoria.
6. Direitos como férias, FGTS , 13º salário e seguro desemprego estariam ameaçados, poderiam ser renegociados?
A reforma diz que os trabalhadores podem negociar tudo, menos o que está previsto no artigo sétimo. Com isso, estes direitos estariam salvos. Mas, no próprio artigo diz que pode negociar parcelamento de férias, décimo terceiro, supressão de intervalo, o que significa que esses direitos poderão ser negociados ou suprimidos caso a lei seja aprovada e considerada constitucional.
7. Como fica o parcelamento das férias? A escolha pode ser do funcionário ou o chefe a determina?

É o chefe que determina. O parcelamento poderá ser feito em em até três períodos, mas nenhum deles poderá ser menor que cinco dias corridos ou maior que 14 dias corridos. Hoje, a CLT permite que as férias sejam divididas apenas em dois períodos, nenhum deles inferior a dez dias.
8. O trabalhador pode ser demitido e recontratado para ganhar menos?
Em tese, não poderia. Tem uma norma na CLT que diz que o empregado não pode se sujeitar a uma condição pior do que ele já tem. Mas a ideia do projeto é que os trabalhadores contratados a prazo indeterminado sejam terceirizados ou atuem sob esse modelo de trabalho intermitente. E isso vai acontecer, porque essa regra depende de interpretação. No entanto, não haverá a criação de novos postos de trabalho, mas a transformação de trabalhos seguros em precários.
9. Como se daria a precarização?

Tem uma previsão que diz que o trabalho em tempo parcial, por exemplo, pode ser feito em até 36 horas, com possibilidades de hora extra. Então, veja, para que contratar um funcionário para trabalhar 44 horas com o valor integral do salário, se é possível contratá-lo por 36 horas e ainda contar com o acréscimo das horas extras? A exigência pode ser a mesma, em condições trabalhistas inferiores.
Digo isso porque no regime parcial o cálculo para pagamento é feito com base em trabalhadas, ou seja, não se garantirá nem o salário mínimo. O mesmo vale para as horas extras, que terão base de cálculo menor. Isso rebaixa a condição de trabalho e afeta a vida desse trabalhador, que vai ter que trabalhar mais para tentar se manter.
10. E sobre a terceirização? É verdade que os terceirizados terão os mesmos direitos dos trabalhadores contratados diretamente?
Não é verdade. Se terceirizado, o empregador deixa de ser contratado diretamente pela empresa tomadora de serviços e passa a ser pela prestadora de serviços. Com isso, fica sujeito às condições de trabalho da terceirizada, com outro salário, outra participação sindical.
Outro problema grave é que esses contratos de terceirização geralmente se renovam a cada dois ou três anos. Então, por exemplo, quando a pessoa adquirir seu direito a férias e estiver próximo a tirá-la, a prestadora rompe esse contrato com a tomadora e faz um novo contrato, iniciando um novo vínculo de emprego. Conheço pessoas que estão há dez anos sem férias porque ficam nessa lógica.
11. Se o funcionário for demitido sem justa causa e sem nenhum tipo de acordo com o empregador, os direitos atuais como 40% de multa sobre o FGTS, saque de 100% do FGTS e seguro desemprego permanecem?

Depende. Em tese, permanecem. Mas a reforma está prevendo uma possibilidade de acordo entre empregado e empregador, como se o empregado concordasse em ser demitido e, nesse caso, receberia tudo pela metade e não retiraria o seguro desemprego. É quase como chancelar fraude. 

12. É verdade que a reforma trabalhista tende a reduzir o desemprego?
Não existe no mundo estudo que demonstre criação de postos de empregos com redução de direitos sociais. Se o que estivesse colocado fosse uma redução de jornada de trabalho, por exemplo, uma empresa que trabalha 24 horas diárias precisaria de quatro funcionários para dar conta de um dia de trabalho. A reforma, no entanto, autoriza tomar trabalho por 12 horas, sem intervalo. Ainda na mesma linha de pensamento, a empresa precisaria de apenas dois funcionários para cumprir o dia, entende? Hoje, que são regulamentadas oito horas de trabalho, seriam necessários três funcionários. Percebe como piora?
Não tem como gerar posto de trabalho. O que vai ocorrer é uma migração de trabalhadores hoje contratados diretamente para modelos de trabalho intermitentes ou em tempo parcial.
14. Será mais difícil para o trabalhador reivindicar seus direitos na justiça?

Muito mais difícil. A reforma prevê, por exemplo, que caso o trabalhador não consiga comparecer a uma audiência, tenha que pagar para seguir com a ação. Estabelece também a chamada sucumbência recíproca em processos judiciais, por exemplo, se o trabalhador reivindicar doze direitos contra a empresa e ganhar somente cinco deles, terá que pagar custos e honorários à empresa referente às reivindicações que perdeu.
Isso é um desestímulo para que o trabalhador vá para a Justiça do Trabalho, porque as provas muitas vezes são difíceis e tornam o processo arriscado. É o caso dos pagamentos por fora, super comuns, como o trabalhador pode prová-los?
15. A modernização da lei é outra defesa dos apoiadores da reforma. Ela procede?

A lei não é antiga, a CLT já foi muito modificada. Ela não chega a ter 100 artigos com redação original de 1943, basta olhar o texto e suas alterações. A própria terceirização já era uma prática dos séculos XVIII e XIX e foi tolhida justamente porque precarizava demais a condição do trabalhador.
Outra coisa grave é a possibilidade do receber prêmios e abonos como indenização e não como parte do. Hoje, todo mundo recebe por produção. Se acontece a vinculação como
indenização, não se gera contribuição previdenciária, não reflete no FGTS, em nada. Essa prática também aparecia no século XIX e foi superada em favor de um salário fixo pelo reconhecimento de que se o empregado não tem previsibilidade do que ele vai ganhar, ele não consome a médio e longo prazo, o que também é ruim para a economia do país.
16. O que é contribuição sindical?
O imposto sindical é uma forma de atrelar o sindicato ao Estado. Claro que, na modalidade obrigatória, é o Estado que determina quanto o sindicato vai receber e essa é uma crítica que se faz.
Com isso, torna-se necessária uma reforma sindical que deve ser discutida e pensada fora de uma reforma trabalhista, a meu ver. Meu segundo ponto é: como tirar uma contribuição sindical sem dar reais condições de existência aos sindicatos?
17. Os professores podem ser afetados com a reforma trabalhista?

Sim. Com a aprovação da Lei da Terceirização, uma escola pode contratar professores por meio de uma outra empresa,o que seria só uma maneira de não criar vínculo empregatício direto.
Deve-se falar também que uma lei que piora a vida dos trabalhadores e aumenta a jornada de trabalho, impacta a sociedade como um todo. Sem contar que os professores já sofrem com uma precarização do trabalho que impacta diretamente na qualidade da educação e isso ainda pode piorar.
18. Existem países que adotaram leis semelhantes às apresentadas pela reforma?
Os países da Europa já enfrentaram reformas trabalhistas, mas nenhum deles teve algo semelhante como a que está sendo proposta no Brasil. A Itália, por exemplo, teve uma reforma em 2012 e mais um conjunto de decretos em 2015 que flexibilizava a legislação. A diferença é que eles estavam em um patamar muito mais avançado do que o nosso e ainda assim a flexibilização foi menor do que a proposta aqui.
19. Por que em países desenvolvidos existem menos direitos trabalhistas do que em países subdesenvolvidos? 
Isso é um dado falso. Acontece que em países como a Alemanha e Estados Unidos existe uma história de regulação diferente, muita coisa é definida com os sindicatos em negociações coletivas que, sobretudo, preservam a categoria dos trabalhadores até mais do que a própria lei. A lógica é invertida.
Existem menos leis feitas pelo Estado porque tem uma regulação das próprias classes trabalhadoras organizadas. É uma cultura sindical diferente, a estrutura sindical deles é muito mais forte que a nossa.
(da Carta Educação)