“Enquanto morar for privilégio, ocupar é um direito”
Na madrugada do último dia 1° de maio, após um incêndio, um prédio desabou no Largo do Paissandu, em São Paulo. Era um edifício público, que estava abandonado há 17 anos e que foi legitimamente ocupado por cerca de 150 famílias. Estima-se em mais de 40 desaparecidos na tragédia.
Infelizmente a imprensa e o poder público focaram seus argumentos em criminalizar a ocupação e não em questionar a omissão do Estado em assegurar o direito constitucional da moradia para todos os cidadãos, como está no Artigo 6°: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Após o incêndio durante a madrugada, o governador Márcio França (PSB) declarou que viver em ocupações era “procurar encrenca” e que é preciso “convencer as pessoas a não morar desse jeito”. Mais cedo, o ex-prefeito de São Paulo João Doria, candidato tucano ao governo, disse que a “solução” é evitar novas “invasões”. O ex-prefeito disse ainda que “parte da invasão” teria sido feita por uma “facção criminosa”, mas não detalhou ou esclareceu a denúncia.
Os políticos dizem que as ocupações são “invasões”, com o intuito de criminalizar estes movimentos. A invasão é quando se entra em um território, em um local que não lhe pertence, que não lhe é atribuído e não pode ser reivindicado. A ocupação é o oposto, é quando há uma luta para reconquistar aquilo que lhe pertence. É quando os índios ocupam as terras que eram deles e foram roubadas com o passar dos séculos. No momento em que estudantes ficam e dormem nas suas próprias escolas e resistem contra políticas que precarizam a educação. É quando pessoas querem retomar o que é seu (um edifício público, que inclusive estava abandonado), é resistir, é um dever quando o verdadeiro invasor priva os cidadãos daquilo que eles têm direito (moradia).
No mesmo dia, 38 movimentos sociais ligados à luta por moradia manifestaram solidariedade às 150 famílias vítimas do incêndio. As entidades também repudiam a tentativa – pela mídia tradicional e pelo poder público – de responsabilizar os moradores pela tragédia e cobram políticas públicas que atendam à demanda por moradia popular na cidade e no país.
“Reafirmamos mais uma vez: as ocupações não são uma escolha, mas a única opção para milhares de famílias, diante da grave crise que assola o país e da falta de políticas públicas de habitação”, disse o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), em nota própria.
As entidades, além de reafirmarem a unidade dos movimentos por moradia, exigem a responsabilização do Estado pelas omissões que resultaram na tragédia e medidas que façam o enfrentamento à especulação imobiliária, que inviabiliza o acesso à habitação para as famílias de baixa renda.
O MTST explica ainda que não possui ocupações no centro de São Paulo e que não cobra das famílias nenhuma taxa por fazerem parte das ocupações organizadas, como mentirosamente é divulgado pela imprensa e nas mídias sociais.
De acordo com a nota do MTST, “as famílias que vivem em ocupações são vítimas do descaso, da irresponsabilidade do Estado e da especulação imobiliária — que impõem alto custo de habitação, sobretudo nas áreas centrais. Não é a primeira e não será a última tragédia, enquanto o investimento público para o enfrentamento do problema habitacional não for significativo e comprometido com o acesso à moradia como um direito”, salienta.
De acordo com a Secretaria Municipal da Habitação de São Paulo, o déficit habitacional da cidade de São Paulo é de 358 mil moradias. Estudos de entidades ligadas ao movimento de moradia, estimam seria possível a adaptação de 400 mil unidades de moradia nos prédios abandonados ou sem função social. Ou seja, o déficit habitacional poderia ser resolvido sem que as famílias tivessem que deixar a região central da cidade.
A nota é encerrada com um questionamento: “quantos prédios ainda irão cair até que sociedade e governos entendam que a moradia é um direito de todos e um dever do Estado? Permaneceremos mobilizados”.
(com informações da CUT e MTST)