Em tempos de mordaça na educação

Os ataques que diversos governantes e parlamentares têm desferido contra a educação e as/os profissionais do magistério são emblemáticos deste momento histórico em que vivemos, que mistura negacionismo com intolerância resultando na criminalização do apreço ao conhecimento. A valorização da ignorância tem alimentado ações de violências e normalizado preconceitos. É neste contexto que a educação vem sendo desmontada com redução sistemática de recursos, desvalorização profissional e exclusão educacional a partir da imposição uniformizante e opressiva das escolas militarizadas e tentativas de amordaçamento dos/as profissionais do magistério.

Recentemente, no Distrito Federal, um jovem professor da rede pública de ensino, foi intimidado judicialmente por ter utilizado, em sala de aula, como material pedagógico, uma cartilha que problematizava o modelo de tributação brasileiro. Injustificavelmente, foi produzido e compartilhado um vídeo, nas redes sociais, “denunciando” o material como algo de cunho eleitoral, distorcendo o conteúdo da cartilha. O objetivo foi claro: amordaçar o profissional e impedir o debate sobre as causas da profunda concentração de renda que marca a sociedade brasileira. Além disso, demonstrou o uso do Poder Judiciário para perseguir e punir quem quer que seja que questione o abuso e aponte os motivos da pobreza generalizada.

A tentativa de amordaçamento de profissionais do magistério, vem se intensificando ao longo dos últimos anos, notadamente após o golpe de Estado de 2016 e do aprofundamento desse golpe com a eleição manipulada que elegeu o protofascista e autocrata Jair Bolsonaro. A propositura de leis em várias Casas Legislativas com a finalidade de impedir a livre reflexão e a produção dialética do conhecimento tem marcado a atuação de vários/as parlamentares representantes de segmentos extremistas conservadores, muitos dos quais também foram eleitos em 2018 numa eleição em que os direitos políticos do maior candidato à Presidência da República haviam sido cassados pela farsa da Operação Lava Jato.

A prova de que essa operação foi utilizada para fraudar a eleição de 2018 e impor um regime autoritário para privatizar o Estado brasileiro é resolução, publicada no dia 28 de abril, do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo a qual o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Operação Lava Jato foram parciais nos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que passou 580 dias na prisão por sua condenação. No documento, a ONU foi clara: “a investigação e o processo penal contra o ex-presidente Lula da Silva violaram seu direito a ser julgado por um tribunal imparcial, seu direito à privacidade e seus direitos políticos”, concluiu o órgão internacional.

No Distrito Federal, propostas como “escola sem partido”, retorno da disciplina “educação moral e cívica” ao currículo escolar – uma disciplina imposta pela ditadura militar, entre os anos 1964 e 1985, às escolas públicas cujo objetivo era a doutrinação, ou seja, o adestramento de crianças e adolescentes para não pensarem criticamente; a adoção do homeschooling e outras, são exemplos de propostas de determinados parlamentares que atuam no Congresso Nacional e em Casas Legislativas municipais e estaduais para impedir que a educação pública brasileira seja um instrumento para o exercício do livre pensar e a escola um espaço de convivência e exercício do respeito à diversidade humana.

Contudo, a intenção de amordaçamento e os projetos de esvaziamento do papel da escola têm encontrado a resistência corajosa de profissionais do magistério, o que, tem impedido a completa destruição do processo educacional pelos segmentos conservadores abastados e extremistas que compõem a sociedade brasileira. Nessa perspectiva de luta é cada vez maior a necessária construção de identificação dos profissionais do magistério como classe trabalhadora. Somente a unidade de classe possibilitará uma correlação de forças vigorosa para fazer frente aos ataques contra as tentativas de obstar o pensamento crítico e a educação como um instrumento de transformação social.

A consciência de classe é condição essencial para compreender o momento atual em que discursos e comportamentos individuais e coletivos, antes considerados e vistos como uma vergonha a ser eliminada, são hoje naturalizados. Racismo, machismo, misoginia, homofobia, classismo, capacitismo, xenofobia, desvio de dinheiro público, uso das instâncias de poder como balcão de negócio, etc. são exemplos crimes que estão sendo naturalizados. É por isso que a educação não pode ser crítica, o exercício do magistério não pode ser freireano e a escola não pode ser inclusiva. A liberdade de cátedra, nesse cenário, passou a ser criminalizada, a partir de discursos maniqueístas e conservadores extremistas e fascistas, que, intencionalmente descrevem a liberdade de cátedra como doutrinação. Conceitos que não guardam absolutamente nenhuma relação entre si.

A difícil conjuntura é desafiadora da capacidade de resistência e reação da classe trabalhadora. Nesse sentido, a categoria do magistério tem um papel protagonista, uma vez que o espaço escolar é local privilegiado para produção de consciência crítica a partir das percepções sobre os fatores sutis que formam a intrincada teia das relações sociais, econômicas e humanas. Os ataques desferidos contra a classe trabalhadora se intensificam a cada dia. É preciso coragem, teimosia, resiliência para impedir os retrocessos colocados em curso, de forma autoritária, pelos governos federal e distrital para extinguir direitos conquistados, para impor o pensamento único, para naturalizar a violência em suas várias formas para se apropriarem do dinheiro e patrimônio públicos e das riquezas minerais e biológicas do Brasil.

Assim, a violência imposta a um trabalhador ou a uma trabalhadora deve ser percebida como uma ação contra o conjunto da classe trabalhadora. É preciso atenção, solidariedade de classe e disposição para organizar a luta coletiva como forma de proteção a cada trabalhador e trabalhadora contra o avanço dos setores conservadores protofascistas, usurpadores das riquezas públicas do País e extremistas de ocasião para ganhar dinheiro e poder, que querem impor um projeto anticivilizatório e antidemocrático à sociedade brasileira.

Finalmente, diante dos ataques fundamentalistas e terroristas, é inevitável o aprofundamento da luta de classes, sobretudo neste ano em que a luta política se dá, principalmente, no campo eleitoral, ou seja, ano em que será escolhido o projeto de sociedade a ser implantado no País e no Distrito Federal. Escolha que, utilizando uma linguagem futebolística, definirá o campo em que se dará o embate entre as classes sociais que compõem a sociedade brasileira. Dependendo da escolha nas urnas, a luta se dará nos marcos do respeito à democracia ou da negação dos direitos democráticos e civilizatórios. Por isso, nesta quadra histórica, a defesa de uma educação crítica e emancipatória é uma ação de resistência democrática de potencial civilizatório que precisa ser assimilada pelo conjunto dos/as profissionais do magistério e encampada pelas diversas categorias que compõem a classe trabalhadora.

Em tempos de valorização de mordaças é preciso resistir coletivamente. Tentativas de silenciamento e de intimidação continuarão e poderão se intensificar, mas, podem ser desconstruídas e derrotadas pelas ações coletivas e conscientemente coordenadas. A luta continua!

 

Cleber Soares, professor da rede pública de ensino do Distrito Federal, diretor do Sinpro-DF e militante do movimento docente e das lutas humanitárias.