Em defesa do presidente da CUT
Na última quinta-feira, 13 de agosto, em solenidade no Palácio do Planalto, Vagner Freitas conclama a sociedade brasileira a tornar-se construtora da democracia. Em seu discurso, rejeita a onda de intolerância e de preconceito, assim como defende a unidade nacional e um projeto de desenvolvimento econômico e social.
No entanto, na ocasião causou polêmica a frase em que conclama a sociedade brasileira a “ir para as ruas, entrincheirados, com armas na mão, se tentarem derrubar a Presidenta Dilma Rousseff”.
Para não cometer equívocos interpretativos, é preciso analisar o contexto em que é proferido tal discurso.
Em primeiro lugar, não se trata de um discurso em comício, com público amplo e variado. Ao contrário! Seu discurso dirige-se a uma audiência especializada e homogênea, no caso, os convidados para o evento “Diálogo com os Movimentos Sociais”. Em segundo lugar, em discursos políticos é usual o emprego de figuras de linguagem. Em audiências não especializadas em termos científicos o foco é o convite ao engajamento político, o chamamento e o convencimento dos ouvintes. Portanto, o discurso de Vagner Freitas é um discurso político para um público restrito e homogêneo, não se confundindo com discurso científico em que palavras costumam ter significados mais precisos.
Com essa advertência como pano de fundo, passemos a analisar o sentido da expressão “ir para a rua, entrincheirados, com armas na mão, se tentarem derrubar a Presidenta Dilma Rousseff”.
Essa análise terá como linha condutora a empreendida pelo que os especialistas em linguagem chamam de “análise do discurso”, mais especificamente pela análise dialógica do discurso, em que são considerados seu contexto, sua interatividade, sua polifonia e sua interdiscursividade.
No que diz respeito ao contexto em que é prolatado o discurso do presidente da CUT, é preciso contemplar duas nuanças: (1) é proferido ante uma platéia formada por pessoas engajadas em causas políticas semelhantes às da CUT, isto é, por militantes de partidos e de organizações não governamentais de esquerda, que têm na luta por igualdade e por inclusão social o objetivo dessa militância. (2) O discurso do presidente da CUT é um dos pontos altos do evento, vez que se trata da fala do líder da maior central sindical do Brasil e ponto de referência para as tomadas de decisão das demais lideranças e das organizações congêneres à CUT.
A interatividade discursiva das palavras proferidas por Vagner Freitas diz respeito à coerência entre o que é dito e o modo que é percebido pelos ouvintes. Trata-se da adequação das palavras e do tom empregado ao público a quem o discurso se destina. Desse modo, a fim de ter sucesso como orador, a pessoa adapta sua performance às expectativas da audiência. Essa interatividade é tanto maior quanto mais houver simbiose entre orador e ouvintes. Por isso, a importância do emprego de palavras de ordem e a utilização de chavões para facilitar a marcação discursiva e, com isso, alcançar-se o ponto máximo de aprovação tanto ao discurso quanto ao orador.
A polifonia discursiva refere-se aos pontos de contato da fala prolatada com outras vozes, com as quais concorda ou discorda. Assim, o discurso do presidente da CUT se contrapõe explicitamente às vozes que pregam o impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Por isso, referido discurso classifica-se como reativo e, como tal, vale-se de termos e de expressões próprias à resistência política e as emprega para mobilizar sua base, (“ir para ruas”), para que essas se defendam de ataques, (“trincheiras”), com vistas ao objetivo político de conservar o mandato presidencial de Dilma Rousseff.
Não por acaso a interdiscursividade coincide com o apogeu da oração de Vagner Freitas. Essa interdiscursividade diz respeito à interação desse com os demais discursos. Nesse caso, a interdiscursividade consiste na oposição política dessa oração ao movimento político que pretende tolher o mandato presidencial. Assim, a polêmica que se segue ao discurso do presidente da CUT revela o quão satisfatório ele foi.
Por conseguinte, representações penais contra seu discurso são apenas tentativas de criminalizar um discurso político, sem a mínima chance de ser recebido como representação criminal pelo Ministério Público ou de eventual denúncia ser acatada pelo Judiciário, pois violaria a mais mínima noção de racionalidade presente no sistema jurídico brasileiro.
Vagner Freitas move suas palavras com clara disposição de enfrentamento político. Ele se sabe líder político e, como tal, modela o alcance e o objetivo de suas palavras. Define com precisão um objeto, estabelece uma performance, mobiliza atores, tudo em prol de uma causa política.
Por outro lado, o engajamento político defendido por Vagner Freitas diz respeito à superação da dicotomia entre autonomia privada e autonomia pública. Como a democracia é uma conquista recente no Brasil, era comum que o destino político da classe trabalhadora fosse entendido como assunto de poucos. Na medida em que vê os cidadãos como autores e como destinatários das normas jurídicas e responsáveis pela elaboração de seu próprio destino, o presidente da CUT avoca para a sociedade civil o protagonismo na definição de seu futuro.
Com isso, como protagonista político, Vagner Freitas supera uma das grandes armadilhas da modernidade, que consiste em reduzir os cidadãos a sujeitos parciais. O presidente da CUT almeja mais: pretende que os cidadãos se tornem livres e iguais, isto é, que assumam para si o ideal de Píndaro, “torna-te o que és!”
(Do O Cafezinho)