Eleições municipais: a esperança começa a virar o jogo contra o ódio

“Muita gente, muita gente mesmo, de vermelho nas zonas eleitorais do Leblon. A Zona Sul vermelhou”, declarou Hildegard Angel em suas redes sociais. A observação da jornalista, filha da estilista Zuzu Angel e irmã de Stuart Angel Jones, ambos assassinados pela ditadura militar durante a intervenção dos generais Ernesto Geisel e Emílio Garrastazu Médici respectivamente, revela mais uma nova reviravolta no cenário político brasileiro.

As eleições municipais de 2020 recolocam, na centralidade do debate político brasileiro, os ideais humanistas e de justiça social da esquerda, contudo, ainda mantêm, na liderança das opções eleitorais, as concepções neoliberais e privatistas de direita e centro-direita, que caracterizam partidos políticos como DEM, Patriota, PSDB, Novo, PL, PP, MDB entre outros. Em 2020, o campo da esquerda assume protagonismo após a onda de direita que varreu o Brasil em 2016 e 2018 por meio de fake news e ações da mídia comercial conservadora.

No cômputo geral, a direita neoliberal tradicional foi a vencedora da eleição, mas sua situação não é confortável porque a esquerda retomou fôlego. A mídia comercial tenta vender o fortalecimento da centro-direita e a ideia de que o PT foi o grande derrotado. Mas o PT recuperou espaço nos municípios médios e chega ao segundo turno com chances de vitória em cidades como Juiz de Fora, Contagem, Caxias do Sul, Pelotas, Diadema, São Gonçalo, Anápolis, Cariacica, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Santarém, além de vantagens em algumas capitais, como Recife e Vitória. Em São Paulo, o PT fez a maior bancada na Câmara de Vereadores (empatado com o PSDB).

Apesar de Marcelo Crivella (Republicanos) e Eduardo Paes (DEM) estarem no segundo turno, o bolsonarismo enfrenta o derretimento nas eleições municipais.  Seus candidatos tiveram votação pífia na maioria das cidades. Só 11 dos 59 candidatos apoiados por Jair Bolsonaro foram eleitos. Mesmo em locais que foram mais bem posicionados, foi bem abaixo do esperado. Carlos Bolsonaro, por exemplo, recordista de votos em 2016, perdeu o posto de vereador mais votado do Rio para Tarcísio Motta do PSOL. Carluxo perdeu um terço dos votos em relação a 2016. O RJ também não elegeu a funcionária fantasma Wal do Açaí, ligada ao clã dos Bolsonaros. Ela recebeu 266 votos e não conseguiu vaga na Câmara de Angra dos Reis.

Os resultados mostram que o bolsonarismo sofre um revés em toda parte, incluindo aí no lugar onde surgiu. A capital carioca, por outra parte, revelou o bom desempenho da petista Benedita da Silva. Não foi eleita, mas marcou posição como líder da resistência nas comunidades pobres apesar das milícias. Em São Paulo, Eduardo Suplicy (PT) é o vereador mais votado. Outra virada que mostra uma nova conjuntura, na qual a esperança começa a virar o jogo contra o ódio, é o fato de João Dória (PSDB) ter ganho a eleição para prefeito, em 2016, no primeiro turno e, agora, a esquerda foi para o segundo turno em São Paulo.  

Fanatismo e fundamentalismo religioso e neoliberal perdem espaço
O fundamentalismo, o fanatismo e o radicalismo neoliberais, antidemocráticos e privatistas do bolsonarismo perdem fôlego em todo o País e dão lugar à disputa entre uma esquerda que defende a reconstrução de um Brasil soberano, dono de suas riquezas, mais fraterno e solidário, com políticas públicas de Estado para salvaguardar seu povo, e uma direita conservadora, ligada ao empresariado neoliberal e banqueiros, representados por partidos como o DEM (ex-PFL), PP (ex-PDS), PSDB, PSD, MDB, Patriota, Novo (criado pelo Itaú e outros bancos) etc.

O campo da esquerda, que a mídia vem classificando como o grande perdedor, é vencedor. O PT e o PSOL estão entre as siglas que mais cresceram na disputa das Prefeituras das 100 maiores cidades do País. Os dois partidos, que hoje não têm nenhum representante nesses municípios, podem chegar a 17 prefeitos em 2021: 13 do PT e dois do PSOL, no segundo turno. Nas capitais, a esquerda leva a disputa para o segundo turno em várias cidades, sobretudo em São Paulo. A maior cidade brasileira irá protagonizar um pleito histórico entre Guilherme Boulos (PSOL) e Bruno Covas (PSDB). Essa disputa ilustra bem o confronto entre os ideais humanistas da esquerda e os neoliberais e privatistas da direita.

A esquerda leva a eleição municipal para o segundo turno também no Belém (PA), com Edmilson Rodrigues (PSOL), que irá disputar com o Delegado Federal Eguchi (Patriota); Manuela D’Ávila (PCdoB), no Rio Grande do Sul, disputando com Sebastião Melo (MDB). Em Pernambuco, entre os primos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT). Em Vitória, Espírito Santo, João Coser (PT) com o Delegado Pazolini (Republicanos). Em Aracaju, Sergipe, com Edvaldo Nogueira (PDT) e a delegada Danielle Garcia (Cidadania).

Nesta eleição, o PT será a legenda mais presente no segundo turno em 15 das 57 cidades em que haverá disputa. Depois, vem o PSDB, em 14 cidades; e, em seguida, o MDB, em 12. O PT elegeu 2.584 vereadores. O PSOL, 75. O PCdoB fez 678 cadeiras municipais. Nas Prefeituras, o PT elegeu 174 prefeitos no primeiro turno. O PCdoB, 45. O PSOL, seis. Análises mostram que os votos em candidatos do PT a prefeito, em 2020, subiram 2,53% em relação a 2016 e, no PSOL, subiram 6,42%. O PCdoB caiu 33,52%. Com 17 candidatos na disputa do segundo turno, PT e PSOL são justamente as duas siglas que mais cresceram na disputa nas maiores cidades do Brasil.

Guilherme Boulos – voto na esperança é a grande novidade
A disputa pelo segundo turno na capital paulista é a grande novidade desta eleição. São Paulo capital terá segundo turno entre Guilherme Boulos (PSOL), que obteve 20,24% dos votos válidos, e Bruno Covas, com 32,85%. O maior colégio eleitoral do País revela a situação dramática do bolsonarismo.

Se a derrota de Bruno Covas, na capital paulista seria uma boa estratégia para o bolsonarismo, uma vitória de Boulos será péssimo negócio para a direita e extrema-direita juntas. Daí os ataques cibernéticos aos computadores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) articulados com uma campanha de fake news para deslegitimar os resultados. O chamado gabinete do ódio adota a tática de Donald Trump e se mostra predisposto a ir às últimas consequências, revelando indícios de que Bolsonaro deseja ficar no poder de qualquer jeito.

Apesar dos ataques à democracia, aparentemente, houve um crescimento das bancadas de vereadores da esquerda no País. Mandatos de esquerda faz diferença nos municípios para derrotar retrocessos, denunciá-los e articular a resistência com os movimentos sociais. Mesmo com os desafios impostos pela pandemia do novo coronavírus, a esquerda esteve nas ruas, dialogando com o povo e debatendo um projeto de sociedade mais humana e menos desigual.

Mulheres, LGBTQI+, povos originários: começa uma nova configuração
A mídia ainda vai falar muito sobre a suposta derrota das esquerdas, mas o que está ocorrendo de fato é uma renovação como jamais vista. Essa é a análise de especialistas sobre o desempenho da esquerda após observação dos números dos TSE. Diferentemente do que diz a mídia, o campo da esquerda sai mais plural e fortalecido do processo eleitoral 2020.

Os números revelam também que, nesta eleição, muitas mulheres negras, brancas, indígenas, professores e LGBTQI+ de todas as raças foram eleitas, o que, na avaliação de analistas, significa a renovação pela base, pelas identidades, pelas lutas que do dia a dia. Foi a primeira vez na história que muitas candidatas mulheres, negras e transexuais se elegeram vereadoras por todo o País. Quase todas estão no campo da esquerda. Nesse território, destacam-se as mulheres eleitas pelo PT e PSOL.

Em seis capitais, mulheres ficaram em primeiro lugar entre vereadores eleitos. Porto Alegre, segundo o TSE, será a capital com maior representatividade feminina na Câmara de Vereadores,  com 30,55% de representatividade. Elas ocuparão 11 das 36 vagas. Em Belo Horizonte, elas vão ocupar 26,83% das vagas, e, em Natal, 24,14%. São Paulo ocupa o quarto lugar, com 23,63%, ou seja, 13 das 55 vagas serão ocupadas pelo sexo feminino.

Apesar de ser ainda bem abaixo da proporção encontrada no Brasil, em que 51,8% da população é mulher, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esta eleição de 2020 trouxe a maior votação de mulheres para o cargo de vereadora. Florianópolis (SC), Curitiba (PR), Palmas (TO), Salvador (BA), Fortaleza (CE), Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE), Boa Vista (RR), Teresina (PI), Belém (PA), Aracaju (SE), São Luís (MA), Maceió (AL), Goiânia (GO), Vitória (ES), Rio Branco (AC), Manaus (AM), Porto Velho (RO), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), João Pessoa (PB): todas essas capitais elegeram muitas mulheres jovens, negras, LGBTQI+, educadoras, da cultura e das periferias. Curitiba, por exemplo, elegeu, pela primeira vez, uma mulher negra e professora da rede pública para o cargo.

“As eleições municipais revelaram que a agenda eleitoral de 2022 está, claramente, aberta para que a esperança possa vencer o retrocesso que a ultradireita e o fundamentalismo neoliberal e religioso implantaram no Brasil nesses últimos anos. As eleições municipais de 2020 renovam a esperança de dias melhores a partir das eleições de 2022”, afirma a diretoria colegiada do Sinpro-DF.