Educação pública volta a ser prioridade no Brasil

Em entrevista ao Sinpro-DF, a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Corrêa, faz uma análise da situação da educação pública e gratuita após os dois últimos governos e comenta o encontro que a confederação teve com o novo ministro da Educação Camilo Santana.

Na categoria dos(as) professores(as) e orientadores(as) educacionais em todo o País é unânime a opinião de que no governo Bolsonaro houve uma demolição feroz do setor para acelerar a mercantilização desse direito e a privatização da escola pública.Nos últimos 5 anos, a luta da categoria contra a privatização, o sucateamento e o fascismo foi diária.

A educação superior e a pesquisa científica do Brasil sofreram uma perseguição feroz nunca vista na história. Nas contas da CNTE, foram 6 anos sem diálogo com o governo federal e um rescaldo de milhares de prejuízos.Um dos piores prejuízos, além da demolição declarada da Educação Superior Pública, foi a reforma do Ensino Médio, que destruiu o projeto de educação desse segmento escolar para transformá-lo em formador de mão de obra autômata para o mercado, sem nenhum conhecimento acadêmico e nem formação para o pensamento crítico e o exercício da cidadania.

Na avaliação da diretoria do Sinpro, é urgente revogar o Novo Ensino Médio por é um atraso sem precedentes na soberania do Brasil e se trata apenas de um velho e obsoleto método para doutrinar filhos e filhas da classe trabalhadora a serem escravos e escravas sem questionarem sua condição de escravos(as). Esse e outros assuntos urgentes foram o mote de um encontro que novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva promoveu com as entidades representativas da educação nesta semana.

O ministro da Educação recebeu a CNTE e, após 2 horas de reunião com uma comissão da entidade, saiu do encontro afirmando que o governo Lula recolocou a educação em cena. Realizada na quarta-feira (15/2), a reunião contou com a presença do ministro, da comissão da confederação e com secretários do MEC.

Segundo o presidente da CNTE, Heleno Araújo, os trabalhadores conseguiram atingir os dois objetivos da entidade sindical. Ele disse que uma pauta extensa foi apresentada e bem aceita pelo ministro e sua equipe. “Atingimos nossos objetivos, que eram apresentar nossa pauta de reivindicações e estabelecer o diálogo com o ministério após seis anos sem esse debate sistemático”, disse o dirigente.

Rosilene Corrêa, diretora da CNTE e representante do Sinpro-DF na entidade nacional do magistério, também participou do encontro e, segundo ela, essa reuniãopode ser vista como o início de um trabalho conjunto, como aquele que proporcionou êxitos nos primeiros governos de Lula.Em entrevista para o sindicato, Rosilene fala sobre o encontro e a luta urgente da categoria. Professora aposentada, ex-dirigente do Sinpro e diretora da CNTE, ela analisa a situação atual da educação, faz um balanço da “terra arrasada” que os governos Bolsonaro e Temer deixaram no setor e mostra as novas perspectivas com o governo Lula. Confira.

 

ENTREVISTA  | Rosilene Corrêa

 

Sinpro – O governo federal ficou 6 anos sem atender às entidades representativas do magistério. Quase uma década. Qual o impacto disso e quais os prejuízos na vida profissional (condições de trabalho), financeira e pessoal dos professores(as) e orientadores(as) educacionais e como esse impacto reverbera na qualidade da educação?

Rosilene Corrêa – Da perspectiva nacional e considerando a política do Ministério da Educação, passamos 6 anos sem nenhum diálogo e sem o cumprimento das leis. O prejuízo disso é imenso para a categoria do magistério e mais ainda para os estudantes. Um exemplo, dentre muitos outros, é o não cumprimento do Plano Nacional de Educação, que ficou parado, praticamente, no mesmo lugar. Os dois governos anteriores simplesmente não cumpriram o PNE. Além disso, é importante destacar que a política pública denominada educação precisa de diálogo entre as partes para a sua própria construção e busca de alternativas para assegurar avanços não só das condições de trabalho e das melhorias nas tabelas salariais da categoria, é preciso diálogo porque a educação necessita de ser pensada e elaborada coletivamente.

O diálogo na Educação é fundamental em todos os sentidos. Aliás, o diálogo é crucial desde as construções diárias das grandes políticas públicas da Educação, no ministério, até no dia a dia do fazer pedagógico, dentro mesmo da escola, na relação entre estudantes e professores. Por isso a gestão democrática é indispensável no fortalecimento da educação pública.

É importante ouvir a academia, o Executivo, os sindicatos, os estudantes, as comunidades universitárias e escolares. A educação deveria ser feita com a participação de todos os segmentos da sociedade. Aí sim, a gente teria chance de ter uma educação pública forte, gratuita, laica, libertadora, inclusiva, de qualidade socialmente referenciada.

 

Sinpro – Quais os prejuízos dessa falta de diálogo do governo federal anterior com a educação para os(as) estudantes e para a Educação pública do País?

Rosilene Corrêa – A educação acompanha a humanidade. As coisas vão acontecendo e a educação precisa ser repensada e melhorada a todo momento. Sem diálogo essa melhoria não acontece. Esse é um impacto repercutiu também no Distrito Federal. Aqui não foi nem a falta de diálogo, mas sim a completa falta de uma proposta de educação nesse período todo.

Nacionalmente, por sua vez, embora não tenha tido diálogo, na questão financeira, como já existia uma Lei do Piso, sancionada pelo segundo governo Lula, em 2008, todos os anos tivemos reajustes, embora com muita luta pela categoria nos estados e municípios do País para que essa lei fosse cumprida todos os anos. No geral, essa lei garantiu e não houve um congelamento radical por causa disso.Isso falando em Educação Básica. Contudo, quando vamos para a educação superior o impacto foi violento, de destruição e de cortes financeiros.

 

 

Sinpro –  O que significa e qual a importância dessa reabertura MEC ao diálogo com as entidades representativas do magistério?

Rosilene Corrêa –A reabertura é o esperado de um governo que respeita a democracia e reconhece a representatividade das categorias. No nosso caso, que é a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, a CNTE, é muito importante porque somos uma entidade classista que luta, historicamente, em defesa da educação e que a gente, realmente, consiga avançar para oferecer uma educação cada vez melhor.

Assim, essa abertura de um processo de negociação em que o ministro Camilo Santana se colocou numa lógica de Mesa Permanente de Negociação para debater todos os pontos que precisam ser revistos e outros que precisam de reiniciação de debate, enfim, têm questões muito urgentes, como a própria Lei do Piso. É preciso criar mecanismos de garantia que a lei seja cumprida, que a gente não fique com o piso numa lógica de teto. Muitos governantes estão achando que atingindo o piso está cumprindo e que está tudo bem e não precisa discutir para além disso.

Há também os demais profissionais da educação, que são outros trabalhadores do setor para além do magistério, que não são contemplados pela Lei do Piso. Essa é uma pauta antiga que precisamos avançar e precisa também da nossa luta. Enfim, há uma perspectiva que a gente consiga restabelecer a relação com o MEC de construção e reconstrução. Estamos falando de um país que foi destruído e a educação foi brutalmente atacada. Então é preciso ter muita disposição de diálogo.

Para isso, colocamo-nos à disposição do MEC. Apresentamo-nos ao ministro e à equipe dele nessas condições: de construirmos juntos e sempre numa lógica de preservar direitos e buscar avanços.

 

Sinpro –Na campanha salarial do ano passado e deste ano, a palavra valorização é o mote de todas as reivindicações. Qual valorização que o magistério precisa agora?

Rosilene Corrêa – A luta pela valorização da carreira do magistério é histórica. Nunca esteve no topo das prioridades. E valorização passa, obviamente, por um bom salário, mas passa também pelas condições de trabalho, pela carreira. É um pacote. E continua na pauta, portanto, essa valorização porque nós não atingimos, muito pelo contrário, podemos até termos como exemplo claro a situação do Distrito Federal, que já ocupamos o primeiro lugar das tabelas salariais do magistério no País e hoje não estamos entre os três primeiros salários. E é uma realidade geral de baixos salários e condições ruins de trabalho.

 

Sinpro – Outra palavra que faz parte da luta do magistério por melhores salários e condições de trabalho e por uma educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada é “reconstrução”. Vc pode nos dar um panorama da demolição que o governo anterior fez no campo da educação e quais as perspectivas no novo governo?

Rosilene Corrêa – Acho que o governo anterior deixou um rastro de desmontes de toda natureza, desde não ter mais construção de creches, de novas escolas e isso está causando superlotação nas nossas salas de aula e leva o professor ao adoecimento; não houve nenhuma força-tarefa para uma recomposição do período da pandemia da covid-19, se é que a gente pode falar em pós-pandemia, pós-período de aulas virtuais em que uma grande parte de estudantes do Brasil sem acesso a essa escola virtual e o MEC, na época, não tomou nenhuma providência, nenhuma proposta com esse objetivo, nem mesmo uma busca ativa desses estudantes que foram expulsos da escola e não retornaram.

Outro ponto importante colocado na reunião com o ministro Camilo Santana foi o da conectividade. E o ministro apresentou isso como um dos pontos a serem trabalhados, mas é de garantir não só a Internet, mas também o acesso a ela, como as ferramentas de acesso, cursos, para que se tenha uma ferramenta pedagógica também.

 

Sinpro – Qual o papel da educação na construção de um processo civilizatório num país com princípios democráticos e numa nação soberana?

Rosilene Corrêa – Já é sabido qual o papel que a educação tem para uma nação. No Brasil, mais do que nunca, faz-se necessário que tenhamos um altíssimo investimento na educação, mas também uma reestruturação na nossa proposta pedagógica. Não vamos mudar essa realidade do fascismo, fundamentalismo, todo tipo de preconceito, intolerâncias se não pela educação. A nossa educação precisa radicalizar na democracia participativa. Precisamos de uma pedagogia absurdamente freiriana para se contrapor a isso que a gente vem assistindo. Precisamos mudar o comportamento da nossa sociedade e é a educação quem, certamente, cumprirá com esse papel também.

O que não podemos ter é uma educação que tenha na sua centralidade apenas resultados. Não podemos sustentar uma educação meritocrática e pronto, que não leve em consideração essa formação global do ser. Precisamos voltar para um processo civilizatório e é a partir da educação que conseguiremos fazer isso.

 

Sinpro – A categoria, nacionalmente, tem pedido a revogação da reforma do Ensino Médio, melhorias na Lei do Piso, e, no caso do Sinpro-DF, uma nova reestruturação de carreira. Como vocês analisam esse tipo de reivindicação e a possibilidade de elas terem reverberação positiva neste novo governo?

Rosilene Corrêa – O Novo Ensino Médio é a pauta central nossa, tanto na CNTE como dos sindicatos e do movimento do magistério em todo o País. Trata-se de uma prioridade das prioridades. É urgente rever esse projeto mercantilista produzido por governos autoritários, que não consultaram a sociedade e impuseram um projeto de Ensino Médio segregador e que impede a construção do conhecimento e da cidadania por meio da escola.

A revogação do Novo Ensino Médio é uma demanda da categoria. Um dos grandes apelos para a sociedade não questionar o Novo Ensino Médio, o chamado NEM, era o discurso da “liberdade” de escolha para os estudantes, o que não é real. Isso não se concretizou em nenhum lugar do País e, ao contrário, era uma estratégia para se eliminar matérias do currículo escolar e demitir professores.

Essa reforma buscou impedir o acesso dos 80% dos jovens que freqüentam o Ensino Médio e Fundamental do Brasil às ferramentas básicas de conhecimento para a cidadania política e econômica. Implantou bases privatistas e mercantilistas que impedem a juventude da classe trabalhadora da escola pública de ter em sua vida adulta a participação ativa como sujeitos autônomos na vida social, política e cultural. Também impede essa juventude de se inserir de forma qualificada no mundo da produção e alcançar a autonomia financeira. Na realidade, como bem analisou o educador Guadêncio Frigotto, “o ‘novo’ esconde seu caráter anacrônico, regressivo que anula o que se buscou no processo de redemocratização do País e os avanços da Constituição de 1988”.

A revogação do Novo Ensino Médio é prioridade das prioridades. Na nossa conversa com o ministro, ficou entendido que vamos construir outra proposta ouvindo a sociedade porque esta impacta negativamente na vida dos professores e orientadores educacionais também tem todos os sentidos. Por exemplo, impacta na realização de concursos públicos para o magistério. Ainda inspirada na avaliação de Frigotto, destaco que o NEM “faz parte da manutenção e do aprofundamento do apartheid social posto em curso nos últimos 5 anos, além de consolidar contrarreformas que rasgam a Constituição de 1988 por meio de uma política de liquidação do patrimônio comum dos brasileiros; do desmonte da esfera pública e de uma a uma das políticas sociais e de inclusão para diminuição da desigualdade social, da fome e da pobreza; e o aniquilamento da pesquisa científica no curto prazo pelo corte absurdo do financiamento e, em longo prazo, pelo desmonte da educação básica e universidades públicas”.