Educação Física: suspensa aplicação da circular 140

Mais um resultado da luta e mobilização dos professores: a Secretaria de Educação suspendeu a aplicação para este ano da circular nº 140/09, que pretendia mudar para o contraturno as aulas de Educação Física. Desde junho do ano passado, os professores da área tinham se posicionado contrários a essas novas diretrizes, por considerá-la um equívoco pedagógico.
De acordo com o diretor do Sinpro, José Antônio, que coordenou a mobilização juntamente com outros professores da base, esse recuo do GDF demonstra a força que tem um grupo organizado em defesa de uma educação inclusiva e democrática. “Realizamos debates e um importante seminário expondo nossa posição contrária a essas diretrizes e assim conseguimos reverter mais uma determinação autoritária da Secretaria”, afirmou ele.
Abaixo reproduzimos o documento-síntese do seminário realizado com os professores de Educação Física.

1º Seminário de Educação Física Escolar do Sinpro/DF
Documento – Síntese

Reunidos nos dias 3 e 4 de dezembro de 2009, na sede do Sindicato dos Professores no Distrito Federal, mais de cem Trabalhadores em Educação e acadêmicos participaram do 1º Seminário de Educação Física Escolar do Sinpro/ DF.
Realizado pelo Sinpro/DF, o Seminário teve a chancela e o apoio da Secretaria Distrital do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, CBCE/DF, do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal, SINPROEP, da Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília, FEF/ UNB, assim como da Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física, EXNEEF.
Tal iniciativa foi provocada pelo recebimento nas unidades de ensino da Circular nº 140, datada de junho deste ano, subscrita pelo Subsecretário de Gestão Pedagógica e Inclusão Educacional. O referido documento versa sobre as “Diretrizes Pedagógicas de Educação Física”, proposta esta que segundo o texto seria implantada no ano de 2010!
Indignado com o método autoritário e perplexo com o conteúdo anacrônico e excludente no que se refere à Educação Física Escolar, um conjunto de militantes procurou a Direção do Sinpro, que prontamente acolheu a pauta, não como um assunto vinculado aos interesses da Educação Física, mas como uma equivocada medida que interferiria na estrutura da organização de cada uma das unidades de ensino do Distrito Federal nas quais se desenvolve o componente curricular.
Um árduo trabalho de mobilização aconteceu ainda em julho no decorrer do recesso da categoria, para que pudéssemos realizar uma Plenária com a rigorosidade política e a radicalidade democrática distintivas na trajetória de lutas do Sinpro/DF.
Marcada para o dia 25 de agosto, a primeira plenária contou com a participação de mais de 70 professores, que sob a coordenação política da Direção Colegiada do Sinpro, entenderam pela ampliação do debate em plenárias regionais, o que aconteceu em quatro ocasiões, a saber: 19 de Setembro, em Taguatinga, abrangendo as regionais de Taguatinga, Ceilândia, Samambaia, Brazlândia, Recanto das Emas e Riacho Fundo; no dia 1º de Outubro, no Gama, envolvendo também a regional de Santa Maria; em 6 de Outubro, na sede do Sinpro, atendendo às regionais do Plano Piloto/ Cruzeiro, Guará, Núcleo Bandeirante, Paranoá e São Sebastião, e para fechar o conjunto de regionais no dia 8 de Outubro na cidade de Planaltina, com a participação também dos militantes de Sobradinho.
Um conjunto de propostas foi elaborado como desdobramento das Plenárias regionais, convergindo com a realização de um Seminário para que pudéssemos tirar nossas posições, a partir da metodologia que historicamente construímos na nossa luta sindical: a Participação Política do conjunto de trabalhadores orientando a Direção do Sindicato naquilo que iria encaminhar e passar a defender.
Dessa forma, o I Seminário de Educação Física Escolar do SINPRO teve por objetivos:
1. refletir sobre as perspectivas e tendências para a educação física escolar no Distrito Federal, a partir de 2010 – ano em que estaria prevista a implementação das diretrizes pedagógicas citada acima.
2. Promover interação entre os professores de educação física do Distrito Federal, a fim de discutir os rumos da educação física escolar em 2010.
3. Discutir a educação física escolar à luz de pressupostos teórico-metodológicos, envolvendo pesquisadores que debatem a educação física a partir de uma perspectiva crítica;
4. Problematizar as diretrizes pedagógicas elaboradas pela coordenação de educação física da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, bem como apontar caminhos de superação das mesmas, a partir da elaboração coletiva de um documento síntese do encontro.
5. Iniciar um processo de formação dos professores de educação física do Distrito Federal com a perspectiva de continuidade para todo o ano de 2010.

Nesse contexto, o seminário teve o desafio de – além de debater as possíveis conseqüências da proposta de diretrizes – apresentar uma discussão contemporânea sobre aspectos teóricos e metodológicos que possam qualificar a intervenção do professor de educação física no contexto escolar. Para isso, utilizou-se de uma metodologia envolvente, a fim de articular a realidade dos professores do Distrito Federal à produção acadêmica de inspiração crítica sobre o cotidiano da educação física escolar.
Nessa perspectiva, discutiu-se a educação física como componente curricular obrigatório no turno e/ou no contraturno da escola e, ao mesmo tempo, sua inserção nos primeiros anos do ensino fundamental, bem como sua relação com outros espaços de intervenção profissional (lazer, saúde e alto rendimento).
Metodologia do Seminário
Inicialmente, procurou-se construir um diagnóstico destacando a concepção dos professores sobre a circular nº 140/2009, seguido de questionamento e debate sobre a mesma.
Posteriormente, dois palestrantes expuseram suas concepções teórico-metodológicas sobre a Educação Física Escolar, objetivando instrumentalizar o debate.
Após este momento, houve uma divisão dos participantes em três grupos, a fim de aprofundar e contextualizar a discussão contemporânea no campo da Educação Física Escolar com a realidade dos professores do Distrito Federal, diante da circular em questão.
A partir das discussões realizadas nos três grupos de trabalhos, foram apresentadas as críticas à Circular 140/2008, bem como propostas de superação da mesma, que serão apresentadas a seguir:

Críticas à Circular 140/2009
A circular nº 140 se contradiz em suas propostas e operacionalizações, é paradoxal. A freqüência, o interesse, a motivação do professor e dos alunos não melhorarão em função da troca, ou da oferta da disciplina educação física no contraturno. Concluímos que se houver essa mudança, a dispensa dos alunos se dará com mais freqüência, pois eles realizam várias outras atividades no contraturno escolar. Baseado em experiências anteriores no Distrito Ferderal, .a Educação Física oferecida no contraturno favorece condições para o isolamento dos professores de educação Física do contexto mais amplo da escola, contraditório com a nova tendência da Inclusão: todos na escola regular, agrupando as diversidades, as diferenças humanas enriquecendo o indivíduo em seu aspecto integral;
A Educação Física no contraturno, na perspectiva pedagógica pautada na circular 140 desmonta o Projeto Político Pedagógico da escola à medida que é antagônica à educação inclusiva, além de não apresentar fundamentação cientifica dos dados apresentados no documento;
Essa proposta favorece a fragmentação do desenvolvimento da matriz curricular comprometendo a autonomia do projeto político pedagógico da escola;
O documento privilegia o espo
rte como fim, a formação de talentos e não uma educação física escolar inclusiva, lúdica, cooperativa, formadora de cidadãos críticos e participativos;
O professor de educação física se vier a trabalhar no contraturno irá ficar afastado das discussões dos demais professores da escola, proporcionando um isolamento e dificultando o trabalho interdisciplinar; causaria, portanto, um afastamento do cotidiano da educação física das outras disciplina;
A proposta já se torna equivocada por não ter sido construída com a participação dos professores de educação física e sim por gestores que não conhecem a realidade desta disciplina na escola. Neste ponto, observa-se a importância de vários segmentos nesta construção: Sinpro, SEE/DF, CBCE, UnB entre outros;
Acarretaria em exclusão de alunos, pois haveria muitas “dispensas” (trabalho, estágio, cursos);

Abriria a possibilidade da equivocada tese de se separar os alunos por gênero (masculino e feminino), como no passado ocorria;

A concepção da proposta tem uma visão de Educação Física meramente tecnicista (criar atletas) e anacrônica, pois acarreta um retrocesso a um tempo histórico em que havia exclusão de alunos menos habilidosos, colocando o esporte como fim e não como meio;

A circular desqualifica os professores de educação física em seu texto;
Grande possibilidade de haver uma maior evasão dos alunos das aulas de Educação Física. Alguns professores relataram suas experiências quando trabalharam no contraturno. Somando-se a isso, observa-se uma tendência a considerar a educação física na escola como treinamento esportivo, o que ocasionaria a exclusão dos menos habilidosos;
O esporte, na ótica das “Diretrizes Pedagógicas de Educação Física”, para 2010, transformar-se-ia em apenas Treinamento Esportivo;

Corre-se o risco de se terceirizar a Educação Física Escolar da rede pública de ensino, processo que já ocorre em escolas particulares;

Além de ser inviável para a escola atender mais alunos nos dois turnos, pois aumentaria consideravelmente a quantidade de alunos dentro dos equipamento escolar, tem-se que se pensar nos custos de o aluno pagar duas passagens para voltar à escola no contraturno. Portanto, para se discutir qualquer proposta para a educação física deve-se investir primeiro na infra-estrutura das escolas. A proposta de mudança de turno não resolve a problemática da Educação Física;

Falseia a proposta da escola integral implantada pelo atual governo que carece de mais discussão;

Apresenta um caráter impositivo e verticalizado;

O Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) da Secretaria de Educação não irá cobrir as necessidades estruturais da escola, que demanda a proposta de diretrizes;

Nega o direito à educação física aos alunos que não poderão comparecer no contraturno;
Os professores consideraram o documento um desrespeito e uma ofensa moral à categoria;
O documento não inova e se contradiz quando não aborda a educação física nos anos inicias (Escola-parque), a EJA, a Educação de ensino especial e a diversidade;
A dita redução da carga horária aponta casuisticamente a extinção da jornada ampliada e favorece proposta governamental de “educação integral” com indícios de terceirização;
A precária infra-estrutura atual não comportaria o atendimento de alunos oriundos de outro turno, pois, haveria uma sobrecarga de trabalho para o pessoal de secretaria e direção. Nem mesmo a questão da vestimenta adequada seria contemplada na troca de turno devido à falta de vestiários;
A questão da infra-estrutura seria mais importante para a concepção da educação física no turno (cobertura, banheiros, vestiários);
A proposta aponta para uma diminuição dos alunos atendidos pela educação física escolar, pois no contraturno, aqueles que trabalham, ou praticam qualquer outra atividade física em academias ou escolinhas seriam dispensados. Deste modo, haveria uma diminuição da quantidade de professores de educação física nas escolas;
O CEF 14 do Setor P Sul tem a experiência da Educação Física no contraturno e não são positivas, pois foram detectados mais problemas do que quando acontecia no próprio turno;

Poderia causar pouca assiduidade dos alunos – problemas com transporte, chuva;

O Passe livre não existirá como direito dos alunos para ampliarem sua formação cultural;
A Educação Física é manipulada com uma pseudo-desculpa para justificar o passe livre;
Muitos alunos cuidam dos irmãos no horário contrário e ficariam impedidos de participar das aulas no contraturno;

Propostas extraídas do Seminário:
Manter a educação física no turno das escolas para possibilitar o trabalho interdisciplinar e sustentar o professor de educação física no convívio dos demais professores de suas turmas, nos conselhos de classe e nas coordenações.
As diversas ações e propostas pedagógicas devem ser problematizadas e construídas com a contribuição dos professores que estão no ”chão da quadra”, e não de forma autoritária e verticalizada;
Definir a função social e o papel da educação física escolar a partir de processos de formação continuada: grupos de estudo, seminários, discussões, palestras, reuniões pedagógicas;
O perfil do professor de educação física deve estar em consonância com as diretrizes a serem definidas pelo coletivo de professores, diferenciando-se do profissional da educação física. Conscientizar e reforçar o papel do professor no Projeto Político Pedagógico da escola;

O professor de Educação Física precisa desenvolver todas as dimensões da cultura corporal, repensando a sua práxis pedagógica, concepção negada nas diretrizes;

Composição dos currículos de ensino superior voltados para as necessidades apresentadas na realidade escolar;

Inserir atividades de Educação Física Extracurriculares no contraturno com professores de Educação Física;

Matrizes Curriculares para a disciplina Educação Física definindo os conteúdos/conhecimentos para cada etapa do desenvolvimento humano;

Melhoria da infra-estrutura das escolas para a prática da educação física;

Fazer, no mínimo um encontro anual pedagógico/ filosófico da área educação física escolar no DF;

A prática pedagógica necessita uma mudança, o professor precisa construir juntamente com a escola um projeto político pedagógico pra a Ed. Física;

Cabe então à Secretaria de Educação oferecer mais oportunidades para uma formação continuada. E esta formação contribui para a motivação do professor;

A escola deveria oferecer a prática do esporte fora da grade horária, para além das aulas formais de educação física, pois assim o aluno teria oportunidade de escolha de modalidade sem interferir na disciplina;
Incluir o tema Educação para o lazer no currículo e inserção do Tema: mídia e educação física nas aulas;
Aplicação dos Parâmetros Curiiculares Nacionais;
Realizar uma carta-resposta à circular 140 (item já contemplado com esse documento);
Implantar e fortalecer os CID`s como um espaço extracurricular de prática esportiva, estabelecendo critérios de acesso e permanência dos professores por processos seletivos (provas e titulo), de forma transparente e democrática;
Envolver os professores de educação física na formulação de uma outra proposta para esta disciplina;
Ampliar as possibilidades de os alunos compreenderem a importância da educação física de forma plena que contemple os aspectos cognitivo, afetivo, sociocultural e motor de cada um, como prática de lazer, como iniciação desportiva e treinamento físico, Como meio de promoção da saúde e da qualidade de vida e como área do conhecimento importante para a form
ação do cidadão crítico e autônomo.
Investir na melhoria da qualidade da infra-estrutura das escolas (construção de quadras onde não exista e cobertura onde já existem (materiais, sala ambiente, vestiários, bebedouros).
Possibilitar meios para ampliar a participação da diversidade de alunos (cadeirantes, trabalhadores, mais e menos habilidosos, aqueles com baixas condições socioeconômicas)
Criar uma proposta que valorize os CID’s, melhorando sua estrutura e relacionando-o com a educação física escolar no turno.
Após os investimentos na infra-estrutura das escolas, criar atividades complementares no contaturno que compreendam práticas de lazer e de treinamento esportivo. Ou ainda, transformar os Caíques em escolas-parques contemplando suas concepções originais. Neste caso, deve-se sancionar a Lei do Passe Livre para os estudantes.
Exigir que a legislação em vigor seja cumprida, com a introdução da educação física nas séries iniciais e, com isso, a contratação, por concurso, de professores de educação física.
Aplicação na íntegra dos artigos da Lei Orgânica do DF referentes à educação e desporto;

Propor a execução de pesquisa na rede pública sobre as vantagens e desvantagens da educação física no contraturno, envolvendo escolas e professores de todas as regionais de ensino;

Abrir um canal periódico de discussão;

Proporcionar atividades opcionais de educação física no contraturno com professor de Ed. Física.

Rediscussão das Matrizes Curriculares de Ed. Física;

Garantir a qualidade de infra-estrutura adequada a Ed. Física Escolar;

Garantir a Ed. Física integrada (voltada para a cidadania) como política pública de Estado e não de Governo;

Integrar a Ed. Física escolar à discussão em diversos setores (UnB, Sinpro, Sinproep CBCE, IES, etc);

A inclusão como foco de toda ação pedagógica. Educação inclusiva e que proporcione a integração;
É necessária uma proposta que reconheça a realidade atual (infra-estrutura) das escolas e que assim possa promover uma verdadeira mudança na concepção de educação física dentro do turno das escolas;
Seria necessário que a Secretária de Educação oferecesse possibilidades para formação continuada, pois os professores que buscam essa formação possuem uma prática melhor.

É necessária uma maior organização por parte dos professores de educação física para discutir as questões específicas da área, o que pode acontecer por dentro do próprio sindicato;

Precisa-se discutir criticamente e alterar a lei que estabelece a facultatividade na prática da educação física (LEI No 10.793 – DE 1º DE DEZEMBRO DE 2003 – DOU DE 2/12/2003) e também o Projeto de Lei nº 473/2007 que trata da presença do profissional de Educação Física nos anos iniciais. Cabe ressaltar que o termo profissional foi rejeitado pelo conjunto dos participantes do Seminário. Enfatizou-se que a terminologia correta seria PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA.

Considerações finais
Na plenária final, a quase totalidade dos participantes manifestou sua posição contrária à tese apresentada na circular no 140/ 2009 que impõe a educação física no contraturno de aula.
Apenas um professor foi a favor de que a escola tenha autonomia para decidir a Educação Física no turno ou no contraturno.
A compreensão da categoria é que mudar para o contraturno é um retrocesso político, pedagógico, pois enfraquece a Educação Física Escolar, amplia o isolamento do componente curricular e do professor do contexto escolar, privilegia o viés da esportivização, é excludente, e não garante a qualidade estrutural e pedagógica.

O conjunto de Trabalhadores em Educação presente no 1º Seminário de Educação Física Escolar do Sinpro/DF, majoritariamente composto por Professores de Educação Física, entendem, reconhecem e manifestam que são o SINPRO, no âmbito público, e o SINPROEP, no privado, os legítimos representantes dos Professores de Educação Física que atuam na escola.

Brasília, DF 20 de Dezembro de 2009.