Educação de qualidade, democrática e inclusiva em época de pandemia

Este momento de pandemia está demandando de nós pensarmos quem éramos e quem seremos, os valores que norteavam e nortearão nossa vidas e a sociedade, o que tínhamos e o que teremos como realidade. Isto está, agora, submetido a questionamentos e a um novo paradigma societal, educacional e político. Neste sentido, os governos federal e muitos estaduais e municipais tentam impor um projeto de educação básica para ser implementada à distância sem qualquer legitimidade e representatividade, representada inclusive no que disse o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,

 

“Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui (do Governo Bolsonaro) enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.” (Grifo nosso).

 

            Este pensamento expresso nas palavras do Ministro revela uma visão e concepção desumana, antidemocrática, autoritária e reacionária desse governo e dos que a ele se alinha na elaboração e implementação das políticas públicas, em especial na área da educação. Para esta área, eles insistem em um projeto de controle dos conteúdos e das ações dos/as profissionais, culpabilizando docentes e estudantes pelo fracasso, na unificação dos conteúdos, anulando a diversidade, excluindo os mais pobres e entregando as políticas públicas educacionais para a iniciativa privada, na mesma linha do que defendia e defende o projeto conhecido como “Escola sem Partido”.

            Entendendo que o povo não aceitará essas medidas, com desmonte do Estado, com o sucateamento da educação e com a ampliação da desigualdade social, aplicam processos de consulta pública pseudodemocráticos e açodados, superficializando a participação popular para sua legitimação e excluindo a maioria do povo por meio da falta de diálogo com as instâncias representativas e participativas previstas em leis. Na educação pública, estes espaços representativos e democráticos são os Fóruns de Educação e Conselhos Escolares. Este último, responsável por referendar o projeto político-pedagógico de cada escola.

            Diante disto, nossa tarefa é afirmar tanto ao Governo Bolsonaro quanto ao Governo Ibaneis, do Distrito Federal e fiel aliado de Bolsonaro, que nós, profissionais da educação, temos um projeto de educação e iremos lutar por ele por ser de qualidade, democrático, inclusivo e baseado na realidade onde atuamos. Seus princípios estão fundamentados no Artigo 206 da Constituição Federal, especialmente nos itens I, VI e VII para o enfrentamento deste momento de pandemia. Princípios que orientam que qualquer projeto educacional deva cuidar e garantir que todos/as profissionais da educação e estudantes tenham igualdade de condições para o acesso e o sucesso no processo educacional, além da necessidade do diálogo com toda a comunidade escolar quanto a sua forma, implementação e avaliação, buscando alcançar a qualidade socialmente referenciada nas demandas educacionais dos sujeitos da escola.

            Os governantes apresentam seus projetos “milagrosos” que frontalmente tem negado esses princípios, invisibilizando-os e descartando-os, e ainda excluem os/as profissionais e estudantes como sujeitos de ação, criando, assim, um verdadeiro “apartheid” educacional. Além disto, muitos destes sujeitos encontram-se sem condições para o letramento, uso e práticas com as tecnologias, sem formação continuada e sem acesso aos equipamentos e serviços de internet. O quê nos indica, claramente, que esses projetos “milagrosos” se apresentam sem probabilidade de exequibilidade com igualdade e equidade e, portanto, sem qualquer qualidade que exige o direito subjetivo à educação. Neste momento, o Governo Ibaneis chama seu projeto ou programa educacional de educação híbrida com atividades remotas e mediadas por tecnologias.

            Para o projeto de educação que defendemos, buscamos também apoio no Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu Artigo 53 vai além e expressa a obrigação da participação dos familiares e responsáveis pelos estudantes na definição das propostas educacionais, em um processo verdadeiramente democrático na formulação da política pública. No entanto, o projeto ou programa educacional que o Governo Ibaneis impõe para a educação básica do DF está longe de ser democrática, inclusiva e de qualidade. Ele também não oferece condições objetivas de igualdade ao acesso e a permanência na escola, o quê provocará, dessa maneira, a evasão. Diante disto, não tenhamos dúvidas, o governo responsabilizará as famílias, estudantes e docentes por este fracasso escolar, assim como por arcar com os custos de acesso às tecnologias e aos serviços de internet.

            Ainda insistem em querer disfarçar ou mistificar o nome da modalidade de educação em sua proposta, afirmam como não presencial, remota, hibrida, mediada por tecnologias, entre outros. No entanto, a única modalidade reconhecida pela legislação e que se contrapõem aos processos presenciais é a famosa Educação à Distância (EaD) e isto é o que eles querem realmente implantar, num processo de uberização da educação escolar. Historicamente, a EaD teve seu início por correspondência, em cartas enviadas pelos Correios, principalmente no ensino técnico, por televisão, nos telecursos para adultos e trabalhadores e, ultimamente, tem sido feita pela internet, muito utilizada em cursos de graduação e pós-graduação. A legislação que regulamenta todo tipo de educação não presencial é o Decreto da Presidência da República nº 9.057, de 25 de maio de 2017, e em seu Artigo 1º indica que toda educação não presencial é EaD.

            Nosso projeto, não nega a importância das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para as aprendizagens e do acesso de estudantes às múltiplas linguagens do mundo contemporâneo. Pelo contrário, foi e é pauta de nossa luta, como forma de garantir a inclusão e democratização da informação e do acesso aos bens tecnológicos para todos/as, conforme expresso no item XII do Artigo 2º, na estratégia 3.1, 4.12, 4.21, 5.2, 5.8, 7.2 e em outras partes do Plano Distrital da Educação. Plano que foi fruto de um grande debate, um movimento democrático desde o chão da escola, envolvendo profissionais da educação, comunidade escolar, entidades representativas da educação e o parlamento distrital, envolveu toda a sociedade de Brasília, resultando na sua aprovação por meio da Lei Distrital nº 5.499/2015.

            Ressaltamos que uma de suas estratégias, a 7.2, já orientava e determinava uma política pública de investimento na educação, destinando recursos para aquisição de computadores e internet de banda larga para todas as escolas públicas do DF e ser universalizada até 2017, porém, nada foi feito visando essa garantia. Simplesmente, os Governadores do DF, entre 2015 e 2020, não obedeceram as leis e não atenderam as reivindicações da população do DF. Caso tivessem, incluindo equipamentos assistivos às pessoas com deficiências e a formação continuada de docentes, estaríamos em condições para, neste momento, enfrentar a pandemia com vista na mitigação dos prejuízos educacionais.

            Como sempre, não cumprem e querem exigir, impositivamente, que executemos um projeto educacional “milagroso”, antidemocrático, excludente e submetido aos interesses econômico e empresarial. E ainda, junto a este projeto, sob a falsa alcunha de Ensino Híbrido, vem a aquisição de plataformas e pacotes educacionais padronizados pelo governo e acabam por nos obrigar a comprar softwares e equipamentos tecnológicos com pacotes de internet. Quem ganha, verdadeiramente, são os grandes empresários e seus interessem em ficar com as verbas da educação pública, enquanto nossas escolas não tem dinheiro nem para impressão de atividades e outros materiais essenciais para os processos de aprendizagens.

            Noutro caminho, nosso projeto educacional defende e afirma que, neste momento de interrupções dos encontros presenciais, as ações da escola devam criar as oportunidades para que todas as crianças, adolescente, jovens, adultos, idosos e trabalhadores/as vinculados/as a rede pública de ensino se desenvolvam físico, social-cognitivo, afetivo, emocional, motor, entre outros, junto aos seus familiares, na perspectiva da garantia da vida e da manutenção de vínculos educativos.

É o momento de revisitarmos nossos projetos políticos-pedagógicos, em cada Unidade Escolar, buscando reformulá-los para o enfrentamento desta pandemia. Não perdendo de vistas as instâncias democráticas do ambiente escolar, como os Grêmios e os Conselhos Escolares, dentre outras, no processo de decisão, implementação e avaliação das estratégias educacionais. Isto deve ser feito em intenso dialogo e transparência. É imprescindível lembrar que são os projetos políticos-pedagógicos que legitimam as práticas pedagógicas com vistas nas aprendizagens e na certificação de estudantes, sem isto, as certificações podem ser questionadas quanto a validade do histórico escolar e do cumprimento das normas vigentes.

            Neste sentido, as Unidades Escolares devem buscar desenvolver e refletir, coletiva e criativamente, o currículo, como forma de atender a demanda social, conectando aos desafios postos por esta pandemia. Tal como sugerir aos estudantes, juntos a seus familiares, atividades pedagógicas, lúdicas, com vistas, principalmente, aos direitos humanos; ao autoconhecimento dos seus sentimentos, da sua saúde e do seu estado de espírito; ao enfrentamento da violência familiar e das desigualdades sociais; à conscientização da situação de pandemia que vivemos e a sua superação; entre outros. Que tenha como centralidade a união entre o conhecimento cientifico e os desafios vividos na comunidade escolar, sempre ouvindo e envolvendo estudantes e seus familiares na sua formulação, implementação e avaliação do processo. Aqueles/as estudantes e/ou familiares que não quiserem ou não puderem participar das atividades escolares, não devem ser obrigados/as, punidos/as e/ou reprovados/as, mas respeitados/as, acolhidos/as e olhados/as e suas singularidades, com uma abordagem escolar específica no retorno dos encontros presenciais.

            Com isto, é ainda mais importante, neste momento, que as Unidades Escolares e docentes abandonem a avaliação para classificação e aprovação ou reprovação, mas, que se programem e busquem aprofundá-la no sentido de cotidianamente entender o que está ocorrendo nos processos de aprendizagens. Precisamos, cada vez mais, de um planejamento docente que inclua indicadores acerca do alcance dos objetivos de aprendizagem e o desenvolvimento cognitivos, motor, afetivo, emocional e das relações sociais dos/as estudantes. As avaliações devem ser para as aprendizagens e diagnósticas. Igualmente importante é avaliarmos como a Educação à Distância (EaD), na sua essência legitimada, irá influenciar as aprendizagens e o desenvolvimento dos estudantes, uma avaliação, portanto, da modalidade aplicada nas etapas da educação básica.

            Dessa forma, reafirmamos que as Unidades Escolares devem buscar o fortalecimento dos vínculos entre a escola, a família e a comunidade, de forma a implementar os princípios contidos na Lei de Gestão Democrática (Lei Distrital nº 4.751/2012). Conduzindo ao efetivo cumprimento do direito à educação e da qualidade social do ensino, com igualdade de condições e inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais, em consonância com a Constituição, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e com o Currículo em Movimento da Educação Básica, currículo oficial no DF.

            A partir desses elementos, o GDF e a SEEDF deve de fato assumir seu papel e implementar políticas públicas articuladas e intersetoriais, dialogadas com as comunidades escolares e democráticas, direcionadas e dando condições tanto a estudantes, principalmente em situação de vulnerabilidade social, alimentar e econômica como aos/às profissionais da educação, referente à formação continuada e a acessibilidade, zelando por sua valorização e garantia das condições de trabalho. Por isso, é fundamental e urgente perguntar ao Governo Federal e ao GDF, onde estão as verbas/recursos educacionais da rede pública e das Unidades Escolares para implementar qualquer projeto? Onde estão os equipamentos e serviços de internet para profissionais da educação poder trabalhar e para os/as estudantes manter os vínculos educacionais?

            Vale lembrar que nenhuma tecnologia promove aprendizagens. As aprendizagens são concretizadas por pessoas nas suas relações sociais, familiares, escolares e por aqueles/as que inserem conteúdos nas tecnologias de comunicação e informação. Na escola isto acontece por um processo intencional, planejado, que deve ser democrático e que passa pelos momentos cíclicos, contínuos e ininterruptos do ensinar, aprender e avaliar, numa práxis. Portanto, quem media as aprendizagens na escola são os/as profissionais da educação, docentes e que qualquer projeto que indique que as mediações das aprendizagens serão feitas por tecnologias, querem dizer que um terceiro irá controlar os conteúdos e as ações de docentes e estudantes, levando o processo de aprendizagem ao nível pragmático, depositário e mecanicista.

            Diante da peculiaridade desta pandemia, entendemos também que o momento requer que reorganizemos as horas letivas para além do ano civil, de modo a garantir o acesso, permanência e pleno aproveitamento das aprendizagens no ensino presencial para todos/as. O quê significa que devemos ter especial atenção às pessoas em vulnerabilidade social, econômica e as com necessidades educacionais especiais, assegurando que não haja discriminação devido às condições de vida dos/as estudantes.

            Neste contexto, vemos a plena necessidade da reorganização dos calendários escolares, assegurando o alcance dos direitos e objetivos de aprendizagens previstos para este ano. Isto não quer indicar o comprometimento de finais de semana, feriados e recessos, estes são direitos trabalhistas e importantes momentos de descanso e internalização das aprendizagens. É preciso reconhecer que alcançaremos isto pensando em um ciclo letivo 2020-2021 e, se necessário, abrangendo mais anos civis, sem a realização de quaisquer avaliações de larga escala em 2020. O ENEM e demais vestibulares precisam ser cancelados em 2020 para que tenhamos a tranquilidade de pensar e dialogar coletivamente como faremos com as turmas dos últimos anos do ensino fundamental e médio, assim como das famílias que necessitarem ou quiserem transferir estudantes de escola. O cancelamento das avaliações de larga escala e dos vestibulares em 2020 e a discussão coletiva se fazem necessárias para não provocar desigualdades de condições e tendo como princípio basilar a isonomia nos processos de entrada em universidades e a continuidade do percurso escolar.

            Dessa forma, a imposição e o autoritarismo do Governo Ibaneis em implementar a Educação à Distância na educação básica levará a uma grande evasão escolar, ao adoecimento mais intenso dos/as profissionais da educação, mas também, a exigências e metas desumanizantes, precarizando ainda mais as condições e o ambiente de trabalho. Para combater isto, precisamos formar, cada vez mais, um sentimento de comunidade e de cuidado mútuo. Onde, gestores/as precisam dialogar com todos os setores e defender, sempre, os interesses da sua comunidade escolar, identificando estes interesses no projeto político-pedagógico e no Conselho Escolar. Com isto, buscaremos evitar casos de assédio moral no trabalho, na escola, que tomam corpo neste contexto de processos verticalizantes. Nesta linha dialógica, casos de assédio moral no trabalho e nas relações escolares devem ser denunciados à ouvidoria do GDF e ao Sindicato dos professores e professoras, orientadores e orientadoras do DF (SINPRO-DF) para averiguação, mediação e, se necessário, encaminhamento às autoridades competentes.

            E assim, defendemos que, tão logo acabe esta necessidade de distanciamento social, o retorno das atividades escolares e acadêmicas presenciais devem iniciar mediante os cuidados, instrumentos e protocolos sanitários adequados e formulados em cada Unidade Escolar. O retorno de trabalhadores e estudantes no ambiente escolar deve ser feito com acolhimento, afetividade, diálogo, participação e amparada inicialmente em avaliações diagnósticas, não classificatórias, dos estágios de aprendizagem de cada estudante. Após isto, as atividades pedagógicas devem visar uma adequada abordagem a cada necessidade de aprendizagem.

            Para que novos ciclos de aprendizagens sejam iniciados, novas avaliações diagnósticas devem ser feitas rotineiramente e o reagrupamentos será uma boa estratégia de desenvolvimento coletivo, até que tenhamos condições pedagógicas de dar continuidades aos percursos formativos previstos para cada ano escolar e acadêmico.

            Por fim, avaliamos que, o retorno das aulas presenciais necessita de um alto grau de unidade, de coletividade e de permanente solidariedade, humanização das relações, dialogo e democracia. Pois, este será um momento em que deveremos exigir o cumprimento imediato do Plano Distrital da Educação e que as Tecnologias de Informação e Comunicação sejam universalizadas nas escolas e utilizadas como suporte e instrumento de docentes para alcançar as aprendizagens, seguindo os parâmetros dos Artigos. 22 e 32, §4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, por uma educação onde caiba todos/as, com qualidade e equidade.

 

Henrique Rodrigues Torres – Secretário de Meio Ambiente da CUT/Brasília

Melquisedek Aguiar Garcia – Diretor de Assuntos Jurídicos, Trabalhistas e Socioeconômicos do Sinpro-DF