Editorial | Obscurantismo chega ao  CED 01 da Estrutural e tenta apagar Mandela do inconsciente coletivo

Neste início de ano letivo, a primeira atitude da Polícia Militar (PM) no Centro Educacional nº 01, da Estrutural, uma das escolas públicas sob intervenção militar, foi apagar o grafite de Nelson Mandela e uma frase do ex-presidente da África do Sul, considerado, mundialmente, o ícone da luta em defesa da igualdade e contra o apartheid racial.

Esse vandalismo é o primeiro ato da militarização das escolas do Distrito Federal imposta pelo governador do MDB, ex-PMDB, Ibaneis Rocha, que começa a mostrar sua face: a tentativa de apagar, na escola pública, a história da humanidade e do humanismo protagonizada por lideranças políticas da classe trabalhadora.

Trata-se de mais uma tentativa de assassinar Nelson Mandela. O problema é que quando se mata um líder como esse, mesmo que seu corpo físico já esteja morto, ele renasce como mito nas consciências. Como disse o professor, teólogo e escritor, Leonardo Boff, quando Mandela morreu, em 2013, sua morte o “mergulhou no inconsciente coletivo da humanidade para nunca mais sair de lá porque se transformou num arquétipo universal, do injustiçado que não guardou rancor, que soube perdoar, reconciliar pólos antagônicos e nos transmitir uma inarredável esperança de que o ser humano ainda pode ter jeito”

Mandela é um ser humano que, depois de passar 27 anos de reclusão, foi eleito presidente da África do Sul, em 1994. Ícone da luta pela igualdade racial, “realizou o grande desafio de transformar uma sociedade estruturada na suprema injustiça do apartheid que desumanizava as grandes maiorias negras do país, condenando-as a não-pessoas, numa sociedade única, unida, sem discriminações, democrática e livre”.

Num movimento oposto ao de Mandela, o Governo do Distrito Federal (GDF),  com a PM, busca a eliminar qualquer lembrança dos métodos democráticos da construção da cidadania nas escolas da periferia de Brasília. No  projeto político dos conservadores, não basta assassinar lideranças comunitárias, como fizeram com a vereadora Marielle Franco, do PSOL, em março do ano passado. A ultradireita quer eliminar a memória coletiva viva e todos os vestígios de lideranças populares para colocar no lugar falsos heróis do conservadorismo excludente.

Um exemplo disso é o caso de Paulo Freire. Há meses grupos políticos de ultradireita no Congresso Nacional e fora dele se voltaram para o educador brasileiro na tentativa de apagar, diminuir e desqualificar a importância dele. Mas não conseguem porque ele tem legitimidade e, além disso, internacionalmente, Paulo Freire é reconhecido e aclamado como o melhor educador do mundo. Seu nome e seu método estão em uso, impressos nas mais diversas e melhores escolas de todo o planeta, desde os EUA até a China.

Outra tentativa de eliminar da História do Brasil e da memória coletiva popular ocorreu nessa segunda-feira (11) com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele contou, no programa Roda Viva, que desconhece a história da Amazônia e do líder Chico Mendes. Ao ser informado pelo apresentador Ricardo Lessa que o líder seringueiro foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como personagem importante para o meio ambiente, o ministro declarou: “O que importa quem é Chico Mendes agora?”

Faz parte da agenda conservadora de quem está no poder eliminar as lideranças populares e sociais para avançar com o projeto de destruição do meio ambiente, de privatização dos recursos naturais da Terra, como a água potável; patrimoniais de um país, como o Orçamento e a Previdência públicos e empresas estatais; de dominação das riquezas minerais e biológicas, como o pré-sal; o aporte cultural e de conhecimento da nação, como a modificação pervertida da história para adequá-la a seus interesses mercantilistas, e por aí vai uma lista de ataques à soberania de uma nação e ao direito de seu povo ao desenvolvimento autônomo.

É que, para esse projeto excludente dar certo, é preciso transformar os(as) jovens cidadãos(ãs) da classe trabalhadora em indivíduos autômatos, robotizados e alienados de conhecimento filosófico, sociológico, histórico, entre outros. É importante mantê-los adestrados, ignorantes de seus direitos sobre o planeta. Daí a urgência em apagar dos muros da escola os registros da identidade de uma liderança com a qual a juventude carente e excluída se identifica e procura, na escola e no aporte de conhecimento novo, tornar-se cidadã.

A empreitada conservadora de apagar os ícones da humanidade e do Brasil é um projeto educacional que visa, dentre outros absurdos, até mesmo a eliminar a subjetividade da juventude da periferia. É plano maquiavélico para evitar e impedir o surgimento de jovens capazes de lutar pela igualdade social, racial, de gênero; pela educação pública, gratuita, inclusiva, democrática, de qualidade e socialmente referenciada; pela distribuição justa da renda, pela justiça, pela paz.

A obra de arte pintada no pátio do CED 01 continha, além do grafite do rosto do líder africano negro, uma frase dele, motivacional e dedicada aos(às) estudantes: “Educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. Ao apagar a frase, a PM revela, sem cerimônias, o que veio fazer nas escolas públicas do Distrito Federal: a imposição da Lei da Mordaça (Escola sem Partido) e a implantação da obsoleta, fracassada e derrotada visão de mundo, da qual o planeta e, sobretudo, o Brasil e os países do terceiro mundo, têm sido vítimas constantes.

A PM também buscou apagar a identidade da juventude da classe trabalhadora ao retirar das paredes externas do CED 01 o “mural de inclusão”, pintado por artistas da região. Agora, pintado de branco, o muro lembra uma lápide na qual está grafada a última epígrafe: “Colégio da Polícia Militar”.

No fundo, transmite a tentativa de virar uma página da história do mundo, do Brasil, do Distrito Federal para pôr no lugar o nada, a alienação, a negação da história, o fim do pensamento crítico e das subjetividades, a adoção da Lei da Mordaça (Escola sem Partido) e a implantação da reforma do Ensino Médio à força.