Editorial: Eleições municipais, autoritarismo neoliberal e o fim da inclusão

Parece contraditório dizer que uma “eleição democrática” de prefeitos e vereadores reinaugura uma fase de autoritarismo na história do Brasil. Afinal, quando falamos em eleição democrática, remetemo-nos à escolha livre dos eleitores e imaginamos a participação do povo nas decisões. As eleições municipais de 2016 indicam o contrário. Ao analisarmos os resultados, vimos que a democracia foi usada como meio para instalação de uma ditadura.
O cenário político e econômico conduz a essa conclusção: a eleição foi realizada debaixo de um golpe institucional, caracterizado pela violação da Constituição, pela criminalização da política e dos movimentos sociais e sindical, centrada na eliminação da esquerda e na retomada de um projeto que arremessa o Brasil, não para um futuro de progresso, uma sociedade mais justa e uma nação soberana, mas para um passado sombrio, um país submisso e uma nação ajoelhada, como em 1964 (golpe militar) e na década de 1990, com o neoliberalismo do PSDB-PMDB-DEM (este último, era o PFL, na época).
A despeito de a vitória ter sido da abstenção e dos votos nulos e brancos – 32,5% dos 32,9 milhões de eleitores –, considerados também responsáveis pelo avanço conservador, o resultado traz a vitória do projeto neoliberal nas prefeituras. Uma chancela para o desmonte do Estado de direitos por meio, dentre outros, da Medida Provisória (MP) 746/16, da PEC 241/55, e de ações antidemocráticas, típicas de um Estado policial, como as Leis da Mordaça, todas inspiradas no Programa Escola sem Partido.
As eleições 2016 de prefeitos conservadores implanta um cenário autocrático de uma ditadura. Observa-se que não foi somente no Rio de Janeiro e em São Paulo que as candidaturas eleitas – financiadas pelos tubarões do petróleo, da educação e da saúde – asseguraram a vitória da negação da política, da diversidade, da pluralidade e garantiram a afirmação do conservadorismo e da metodologia do medo como instrumento de consolidação do fundamentalismo religioso e eliminação do Estado laico.
A prova, por exemplo, é que os prefeitos nos mais de 5,5 mil municípios não assinaram o compromisso com o projeto “Cidade 50-50: todas e todos pela igualdade”, da ONU Mulheres, que visa a instituir a paridade de gênero: uma política pública que deve começar a ser aplicada desde os vereadores e prefeitos para atingir uma rede nacional de comprometimento efetivo com a causa. O ressurgimento desse projeto sucessivamente recusado pelo povo em eleições recentes pode encontrar explicação no comportamento da nova classe trabalhadora.
Ela se travestiu de classe média e ajudou a promover o projeto conservador. Nos governos neoliberais do PSDB-PMDB-DEM da década de 1990, essa classe estava relegada ao desemprego crônico. No governo democrático-popular, retornou ao mercado de trabalho. Em vez de se vê como classe trabalhadora, enxerga-se como classe média. Aliou-se à ideologia da prosperidade e esqueceu que ela ressurgiu, nesses 13 anos, graças à política econômica de redistribuição de renda, do aumento real do salário mínimo, da elevação da oferta de emprego que, em 2008/9, levou o Brasil a pleno emprego. Esqueceu que voltou a ser classe trabalhadora, e não média, em virtude das políticas afirmativas de inclusão social.
Vestiu-se das ideologias da prosperidade e do empreendedorismo, segundo as quais, para se ter uma individualidade bem-sucedida é preciso seguir a teologia da prosperidade, apregoada pelo pentecostalismo; e, para ser classe média, é preciso ser neoliberal. Candidatos financiados por volumosas fortunas empresariais é o preço desse projeto que privatiza direitos sociais, impõe derrotas trabalhistas, descaracteriza a governança, desestrutura a Constituição Federal, mina a democracia representativa, dentre vários outros prejuízos. Ele é tão devastador que precisa de se apoiar na repressão para existir.
Por enquanto, ainda na carona da crise financeira mundial que afligiu todos os países do mundo em 2008, esse projeto ganha adeptos. Mas, em breve, dentro de muito pouco tempo, será veementemente repudiado. Esses políticos têm tanta certeza disso que já puseram em andamento táticas fascistas e o Estado de exceção. A repressão da polícia às ocupações estudantis nas escolas de Ensino Médio em todo o país, a invasão da polícia à Escola Florestan Fernandes, do MST, investimento em grupos terroristas de jovens neoliberais e a ameaça do Ministério Público contra o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, são exemplos do Estado autocrático.
O motivo do depoimento do reitor da UFRJ no MP é “esclarecer” a campanha “Em defesa da democracia” que a universidade promoveu, envolvendo debates e shows com personalidades políticas, acadêmica e artísticas. A universidade pública amordaçada. São fatos omitidos pela mídia e que estão conduzindo o país, muito rapidamente, para uma ditadura jurídico-parlamentar-midiática.
A decisão política do eleitor nas eleições municipais 2016 impõe ao Brasil uma regressão social que beira ao Brasil Colônia. Se em 13 anos o governo democrático-popular conseguiu modificar a base da pirâmide social com políticas afirmativas e salariais e transformar o Brasil em uma das 35 nações que conseguiram sair do mapa da fome; em 2016, em apenas seis meses, o governo Temer e seus aliados no Congresso Nacional iniciaram o desmanche de tudo o que promovia a inclusão social.
Chegamos no fim deste ano com mais  de 11 milhões de desempregados, com o fim da política de inclusão, sob ameaça de privatização dos direitos sociais essenciais, com privatização das riquezas biológica, minerais, como o pré-sal, as quais seriam o insumo para alavancar o nosso progresso. No Rio de Janeiro, o governador Pezão adotou pacote de austeridade e passou a taxar servidor em 30%, aumentou impostos e acabou com os programas sociais. Caminhamos para o retrocesso a passos largos.
Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial, Unicef, ONU, IBGE, publicados em 2014, compararam o ano de 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o ano de 2013. Confira os números a seguir e tire você mesmo a sua conclusão:
Comparando o Brasil de 2002 ao de 2013, segundo a OMS, a ONU, o Banco Mundial, o IBGE, o Unicef etc.  Confira e tire suas próprias conclusões

  1. Produto Interno Bruto:
    2002 – R$ 1,48 trilhões
    2013 – R$ 4,84 trilhões
  1. PIB per capita:
    2002 – R$ 7,6 mil
    2013 – R$ 24,1 mil
  1. Dívida líquida do setor público:
    2002 – 60% do PIB
    2013 – 34% do PIB
  1. Lucro do BNDES:
    2002 – R$ 550 milhões
    2013 – R$ 8,15 bilhões
  1. Lucro do Banco do Brasil:
    2002 – R$ 2 bilhões
    2013 – R$ 15,8 bilhões
  1. Lucro da Caixa Econômica Federal:
    2002 – R$ 1,1 bilhões
    2013 – R$ 6,7 bilhões
  1. Produção de veículos:
    2002 – 1,8 milhões
    2013 – 3,7 milhões
  1. Safra Agrícola:
    2002 – 97 milhões de toneladas
    2013 – 188 milhões de toneladas
  1. Investimento Estrangeiro Direto:
    2002 – 16,6 bilhões de dólares
    2013 – 64 bilhões de dólares
  1. Reservas Internacionais:
    2002 – 37 bilhões de dólares
    2013 – 375,8 bilhões de dólares
  1. Índice Bovespa:
    2002 – 11.268 pontos
    2013 – 51.507 pontos
  1. Empregos Gerados:
    Governo FHC – 627 mil/ano
    Governos Lula e Dilma – 1,79 milhões/ano
  1. Taxa de Desemprego:
    2002 – 12,2%
    2013 – 5,4%
  1. Valor de Mercado da Petrobras:
    2002 – R$ 15,5 bilhões
    2014 – R$ 104,9 bilhões
  1. Lucro médio da Petrobras:
    Governo FHC – R$ 4,2 bilhões/ano
    Governos Lula e Dilma – R$ 25,6 bilhões/ano
  1. Falências Requeridas em Média/ano:
    Governo FHC – 25.587
    Governos Lula e Dilma – 5.795
  1. Salário Mínimo:
    2002 – R$ 200 (1,42 cestas básicas)
    2014 – R$ 724 (2,24 cestas básicas)
  1. Dívida Externa em Relação às Reservas:
    2002 – 557%
    2014 – 81%
  1. Posição entre as Economias do Mundo:
    2002 – 13ª
    2014 – 7ª
  1. PROUNI – 1,2 milhões de bolsas
  1. Salário Mínimo Convertido em Dólares:
    2002 – 86,21
    2014 – 305,00
  1. Passagens Aéreas Vendidas:
    2002 – 33 milhões
    2013 – 100 milhões
  1. Exportações:
    2002 – 60,3 bilhões de dólares
    2013 – 242 bilhões de dólares
  1. Inflação Anual Média:
    Governo FHC – 9,1%
    Governos Lula e Dilma – 5,8%
  1. PRONATEC – 6 Milhões de pessoas
  1. Taxa Selic:
    2002 – 18,9%
    2012 – 8,5%
  1. FIES – 1,3 milhões de pessoas com financiamento universitário
  1. Minha Casa Minha Vida – 1,5 milhões de famílias beneficiadas
  1. Luz Para Todos – 9,5 milhões de pessoas beneficiadas
  1. Capacidade Energética:
    2001 – 74.800 MW
    2013 – 122.900 MW
  1. Criação de 6.427 creches
  1. Ciência Sem Fronteiras – 100 mil beneficiados
  1. Mais Médicos (Aproximadamente 14 mil novos profissionais): 50 milhões de beneficiados
  1. Brasil Sem Miséria – Retirou 22 milhões da extrema pobreza
  1. Criação de Universidades Federais:
    Governos Lula e Dilma – 18
    Governo FHC – zero
  1. Criação de Escolas Técnicas:
    Governos Lula e Dilma – 214
    Governo FHC – 0
    De 1500 até 1994 – 140
  1. Desigualdade Social:
    Governo FHC – Queda de 2,2%
    Governo PT – Queda de 11,4%
  1. Produtividade:
    Governo FHC – Aumento de 0,3%
    Governos Lula e Dilma – Aumento de 13,2%
  1. Taxa de Pobreza:
    2002 – 34%
    2012 – 15%
  1. Taxa de Extrema Pobreza:
    2003 – 15%
    2012 – 5,2%
  1. Índice de Desenvolvimento Humano:
    2000 – 0,669
    2005 – 0,699
    2012 – 0,730
  1. Mortalidade Infantil:
    2002 – 25,3 em 1000 nascidos vivos
    2012 – 12,9 em 1000 nascidos vivos
  1. Gastos Públicos em Saúde:
    2002 – R$ 28 bilhões
    2013 – R$ 106 bilhões
  1. Gastos Públicos em Educação:
    2002 – R$ 17 bilhões
    2013 – R$ 94 bilhões
  1. Estudantes no Ensino Superior:
    2003 – 583.800
    2012 – 1.087.400
  1. Risco Brasil (IPEA):
    2002 – 1.446
    2013 – 224
  1. Operações da Polícia Federal:
    Governo FHC – 48
    Governo PT – 1.273 (15 mil presos)
  1. Varas da Justiça Federal:
    2003 – 100
    2010 – 513
  1. 38 milhões de pessoas ascenderam à Nova Classe Média (Classe C)
  1. 42 milhões de pessoas saíram da miséria

FONTES:
47/48 – http://www.dpf.gov.br/agencia/estatisticas
39/40 – http://www.washingtonpost.com
42 – OMS, Unicef, Banco Mundial e ONU
37 – índice de GINI: www.ipeadata.gov.br
45 – Ministério da Educação
13 – IBGE
26 – Banco Mundial
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