Editorial 3 | Golpe está na origem da perda de renda das classes média, média-alta e pobre

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) compilados pela empresa de consultoria IDados e divulgada na imprensa, na semana passada, dá conta de que oito em cada dez famílias em que o rendimento mensal com o trabalho fica acima de cinco salários mínimos perderam renda no quarto trimestre de 2020 ante igual período do ano anterior já considerada a inflação. Jornais como O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, dentre outros da mídia comercial, destacaram, da análise da consultoria IDados, que a maior parte das famílias de classe média teve perda de renda em razão da pandemia do novo coronavírus e precisou se adaptar. Afirmaram que essa foi a principal conclusão da IDados sobre a Pnad Contínua.

 

“A maior parte desses domicílios de maior renda perdeu entre 20% e 50% do que costumava ganhar por mês e 7% dessas famílias perderam tudo o que habitualmente recebiam – ou seja, quem trabalhava naquela família ficou sem trabalho”, informa a mídia.  Como sempre, deixaram os resultados da Pnad Contínua sem todas as informações que ela traz. Contudo, o Instituto Locomotiva, que também analisou os mesmos dados da Pnad Contínua, além dos da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), explica melhor a situação.

 

A análise dos dados do Locomotiva aponta para uma informação que não aparece na mídia que apoiou o golpe de 2016. Mostra que a origem da queda da renda está no golpe de Estado de 2016, aplicado no País para impor a política econômica neoliberal, que se baseia na exclusão social, fechamento de mercado, desemprego em alta, usurpação dos recursos financeiros públicos para favorecer o grande capital, concentração de renda numa minoria muito rica, dentre outras ações antipopulares, semelhantes as que ocorreram nos anos 1990, sobretudo no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

 

Repete-se, agora, a política do desemprego e perda de poder aquisitivo, largamente conhecida por quem viveu na ditadura militar e nos governos posteriores até Fernando Henrique Cardoso. A economia neoliberal imposta em 2016 fez 4,9 milhões de famílias migrarem da classe C para a D em 2020, num movimento inverso ao que ocorreu nos governos Lula-Dilma, na primeira década dos anos 2000. O Locomotiva aponta para o fato de que a pandemia do novo coronavírus acelerou os resultados de uma situação que já vinha ocorrendo desde 2016, com o aumento do número de brasileiros na extrema pobreza e a reintrodução, pelo governo Jair Bolsonaro (ex-PSL) do Brasil no Mapa da Fome. A economia neoliberal sim, reduziu a classe média ao menor patamar em 10 anos, em relação ao total da população, e o percentual da população brasileira pertencente à classe média tradicional caiu de 51%, em 2020, para 47%, em 2021 – mesmo percentual da classe baixa.

 

Segundo o Locomotiva, o maior percentual de pessoas vivendo na classe média foi registrado, em 2011, quando essa classe formava 54% da população. O IBGE considera classe média famílias com renda mensal per capita entre R$ 667,87 e R$ 3.755,76. Em números absolutos, a “classe média tradicional” foi estimada em 100,1 milhões de pessoas, em março de 2021, contra 105 milhões, no mesmo mês em 2020. E informa ainda que seis em cada dez brasileiros de classe média afirmam ter perdido renda no último ano. São 19% as famílias de classe média que estão sobrevivendo com metade ou menos da metade da renda de antes da pandemia.

 

“Essa camada da população não tinha poupança nem os recursos da elite para passar bem por essa pandemia. Também não contaram com auxílios emergenciais ou políticas voltadas para a base da pirâmide, que é quem mais sofre na crise”, explica o economista Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. Um dos grupos mais afetados é o dos donos de pequenos negócios, após a suspensão do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) e do BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda) pelo desgoverno Bolsonaro.

 

Outro dado levantado na Pnad Contínua pelos institutos é o de que as famílias brasileiras mais afetadas pela inflação em março foram as de classe média (que ganham entre R$ 4.127,41 e R$ 8.254,83) e de média-alta (de R$ 8.254,83 a R$ 16.509,66). O grupo que mais contribuiu para a alta dos preços no período foi o de transportes, que registrou aumento significativo, de 11,2%, no valor dos combustíveis. Ou seja, os dados revelam que a origem da queda de renda e o achatamento de todas as classes sociais na base da pirâmide social não é culpa da pandemia da Covid-19.

 

A crise sanitária entra no cenário econômico para piorar a situação, mas não é a condição determinante. A culpa disso é da economia neoliberal imposta pelo golpe de Estado de 2016, que, embora largamente denunciado, a classe média fez ouvidos de moucos e o apoiou. O que está acontecendo no País é o resultado da política econômica neoliberal e o golpe está na origem dessa queda de renda. Numa matéria divulgada na mídia alternativa, Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cunhou o termo “nova classe média” para se referir à parte da população anteriormente classificada como classe de renda D e que, na segunda metade da década de 2000, ascendeu à classe de renda C.

 

“Entre 2003 e 2008, o número de brasileiros estatisticamente considerados como pobres se reduziu em 3 milhões. Segundo pesquisa do Instituto Data Popular, mais de 42 milhões de brasileiros ascenderam à nova classe média até 2014. O consumo dessa classe que finalmente ascendeu socialmente injetou anualmente cerca de R$ 1,1 trilhão na economia brasileira, ajudando o País a minimizar os impactos da crise internacional de 2008-2011”, informa o Neri.

 

Ele lembra que, em 2014, a classe C brasileira, isoladamente, seria o 18º maior mercado de consumo do mundo. Após o primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), a crise promovida pelos derrotados, em 2014, fez com que 6 milhões de brasileiros deixassem essa faixa de renda entre 2015 e 2018. “As pessoas que vivem na pobreza, com renda mensal média de R$ 233, representam 12,2% da população do país. Em 2014, eram 9,8% da população, o menor índice da série. Pelos cálculos de Marcelo Neri, mesmo que o Brasil cresça, em média, 2,5% ao ano, só voltaremos a ostentar índices de pobreza semelhantes a 2014 em 2030”.

 

A Pnad Contínua mostrou que, no balanço geral do resultado do golpe neoliberal, as famílias que ganham até um salário mínimo perderam renda imediatamente após o golpe e, por causa dele, quase 60% da população pobre perdeu tudo o que ganhavam até o fim de 2020, segundo a IDados. Antes da pandemia, no primeiro semestre de 2019, a taxa de desemprego, segundo o IBGE, superava 13,9%. Um ano antes de a pandemia aparecer no mundo, cinco em cada 10 pessoas formadas em universidade estavam sem trabalhar e 28% deles desempregados. Em 2020, esse número cresceu e, com isso, o Brasil iniciou 2021 com número recorde de desempregados. No trimestre encerrado em janeiro, eram 14,272 milhões de desempregados.

 

O Brasil, que havia saído do Mapa da Fome pela primeira vez nos governos petistas, voltou, de forma vergonhosa, para ele em 2016. Enquanto a classe média, que votou em peso nesse modelo econômico que arranca dela mesma de 20% a 50% da renda e do poder aquisitivo, há mais de 125 milhões de brasileiros enfrentando a insegurança alimentar em 2021. Essas pessoas não sabem se terão comida no fim do dia.

 

Dados projetados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em março deste ano, dão conta de que, entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021, cerca de 17,7 milhões de pessoas voltaram à pobreza, apesar da volta do Bolsa Família. Em agosto de 2020, a população pobre era cerca de 9,5 milhões: 4,52% do total de brasileiros, 210 milhões. Em fevereiro, passou para 27,2 milhões: 12,83%. O pagamento do auxílio emergencial (que foi de R$ 600, em abril de 2020, e deixou de ser pago em dezembro, quando a parcela já era de R$ 300) ajudou a amortecer a queda na renda dos mais pobres. Para este ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reduziu o auxílio para R$ 150 a R$ 375 e distribuiu para os banqueiros quase 54% do Orçamento público de 2021 e, em 2020, distribuiu R$ 2,8 trilhões para o sistema financeiro.

 

Se em 2016 e em 2018 a classe média brasileira protagonizou, manipulada pela classe rica, um golpe de Estado contra o desenvolvimento e a distribuição de riquezas no País, hoje ela começou a pagar a conta dessa irresponsabilidade e delírio. O segundo momento, que é o pagamento da conta do golpe, chegou. A sua renda caiu de novo! Alguns já começam a ver o horizonte da pobreza: os 7% mencionados na Pnad do IBGE.

 

O golpe de Estado midático-empresarial de 2016 não foi só um golpe contra a democracia, contra a ex-presidente Dilma, contra uma política econômica democrático-popular de inclusão social, contra o governo petista de coalização com outros partidos políticos e com todos os setores da sociedade brasileira. O golpe de 2016 foi contra o progresso e o desenvolvimento do País. Diante desse quadro de volta à miséria e à fome, nada mais justo do que a classe que apoiou o golpe também ter a sua cota de pagamento pela situação e não somente a classe mais pobre.

Leia aqui a primeira parte deste editorial:

Editorial 1 | Com queda do poder aquisitivo, classe média começa a pagar a conta do golpe

Editorial 2 | Classe média que apoiou os golpes de 1964 e 2016 perde renda e paga o “pato”

Editorial 3 | Golpe está na origem da perda de renda das classes média, média-alta e pobre

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