Diretores ameaçam paralisar todas as escolas do Gama a partir de maio
Os diretores e vice-diretores das escolas públicas do Gama ameaçam paralisar as atividades das 49 escolas da região administrativa caso o Governo do Distrito Federal (GDF) não nomeie supervisores e não libere os professores eleitos para atuar como coordenadores pedagógicos imediatamente. Se paralisarem, mais de 40 mil estudantes, do Gama e do Entorno, ficarão sem aula a partir de maio.
A diretoria colegiada do Sinpro-DF reitera seu total apoio à luta dos diretores e vices eleitos e vê nessa ação do GDF a intenção de enfraquecer a Lei de Gestão Democrática no Distrito Federal. No entendimento da diretoria colegiada do Sindicato, os diretores e vices precisam de condições para administrar a escola a fim de fazer com que o projeto pedagógico possa fluir normalmente.
“Todas as escolas do Gama estão trabalhando no limite, com apenas um terço dos coordenadores que deveriam ter. Defendemos o fechamento das escolas antes que algum estudante morra dentro de alguma delas”, desabafa o vice-diretor do Centro de Ensino Médio (CEM) 2, Júlio Ferreira Campos.
Cansados da sobrecarga de trabalho e da falta de recursos financeiros, que deveriam vir do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF), eles e elas estão dispostos(as) a mobilizar todo o corpo docente e a comunidade escolar do Gama contra a situação generalizada de precarização, de falta de verbas e de péssimas condições de trabalho, o que tem estafado boa parte dos diretores e do professorado.
A precarização do trabalho afeta todas as escolas, sobretudo, os Centros de Ensino Fundamental (CEF) 8, 15 e 3, o Centro de Ensino Médio (CEM) 2 e o Jardim de Infância II. Todos enfrentam falta de mão de obra para cuidar da parte operacional. Por causa da falta de coordenadores e supervisores pedagógicos, bem como de diretores e vice-diretores, as escolas estão até mesmo vulneráveis ao tráfico de drogas.
CEF 15
A situação é tão grave que os diretores constituíram um grupo na rede social WhatsApp para discutir os problemas. Foi nesse grupo virtual que a diretora do CEF 15, Ana Elen Ferreira Moitinho, postou uma imagem que chocou os colegas. Ela mostrou nove receituários médicos com pedidos para 24 exames, comprovando, com isso, o adoecimento por excesso de trabalho.
Ela administra uma escola de ensino integral na qual falta tudo, desde coordenadores e supervisores pedagógicos até recursos financeiros para comprar o gás. “Só tenho verba para comprar o gás para este mês”, declara. Ela conta que em março trabalhou sozinha. “A vice-diretora e a secretaria estavam de férias, o supervisor pedagógico pediu afastamento para estudos e a escola não tem supervisor administrativo desde 2014″. Por ser ensino integral, os estudantes ficam das 7h30 até 17h e fazem as principais refeições na escola.
“Os estudantes almoçam no chão porque não temos mesas suficientes e metade da escola está estudando sentada em cadeiras e carteiras da educação infantil por falta de equipamento adequado”, informa Ana Elen. Ela diz ainda que “o CEF 15 recebeu uma parcela de R$ 10.800,00 e outra de R$ 25.000,00, ou seja, recebeu R$ 35.000,00 do PDAF, o que foi absolutamente insuficiente para o pagamento das dívidas oriundas de 2013 e 2014″, assegura.
Quando os funcionários da empresa terceirizada responsável pelo preparo da comida entraram em greve, a diretora não teve dúvidas: arregaçou as mangas, lavou os pratos e fez a comida. “Ela abraça essa escola como se fosse a própria casa. O governo passado prometeu total respaldo para implantar o Projeto Piloto de Educação em Tempo Integral (Proeiti) e disse que ela teria mais coordenadores, mais verba, um refeitório. Ela embarcou no sonho e não teve nada disso”, conta o vice-diretor Júlio Campos.
CEM 2
Em algumas escolas, diretores e vice encaram sozinhos a guerra contra o narcotráfico. Não que sejam super-heróis, é que não querem deixar a escola se tornar território do tráfico e de outros crimes. É o caso do diretor do CEF 03, Júlio Cerqueira, que também enfrenta a falta de mão de obra e de segurança, e do vice-diretor do CEM 2, Júlio Campos, que conseguiu identificar e retirar da escola três traficantes infiltrados entre os estudantes.
Nessa segunda-feira (27), por exemplo, o diretor do CEF 3 não pôde participar da entrevista para esta matéria porque teve de atender a uma demanda da escola na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), relacionada a um conflito entre estudante e professora. “Essa situação é a prova da falta de pessoal. Se a escola tivesse um supervisor pedagógico, eu teria podido ir ao nosso encontro”, comenta. A ex-supervisora pedagógica do CEF 3, Maria Gorethi, pediu exoneração por não aguentar mais a carga de trabalho. Professores estão assumindo sem nenhuma remuneração extra e nenhuma contrapartida do GDF a função dos supervisores e dos coordenadores por pena dos que estão desamparados na direção das escolas.
No CEM 2, uma das maiores escolas do Gama em metro quadrado e em quantidade de estudantes, a situação é das mais graves. Uma ilha rodeada de tráfico de drogas, a escola recebe todos os dias quase 2,6 mil estudantes. Além dos serviços operacionais administrativos e pedagógicos, diretor e vice têm de realizar rondas sistemáticas várias vezes ao dia, e todos os dias, acompanhados do Batalhão Escolar, para detectar situações suspeitas, como furtos, tráfico e até mesmo estupro, dentre outras.
“Na hora do intervalo fico de plantão na porta dos banheiros para impedir o consumo de drogas. Mas eu sozinho não tenho a menor chance de fiscalizar tudo ao mesmo tempo, ser bedel, ser vice-diretor e outras várias funções que exerço diariamente. Entro às 8h da manhã e saio às 23h30. Não dá tempo nem de ir em casa almoçar”, conta o vice-diretor.
CEF 8
Com 870 estudantes, o CEF 8 não tem nenhum supervisor nomeado, nenhum coordenador eleito liberado e nem sequer um diretor. Jamielton Amorim, vice-diretor eleito, teve de assumir todas as competências para gerir a escola assim que Fernando Freire foi designado para ser coordenador regional. Fernando e Jamielton, respectivamente, diretor e vice, foram eleitos e assumiram os cargos, mas, em janeiro deste ano, o diretor foi retirado do cenário para exercer o cargo de coordenador regional da cidade-satélite.
A partir da nomeação de Freire para a Regional de Ensino a vida de Jamielton se tornou um pesadelo. Sem diretor e sem coordenadores pedagógicos e com apenas uma única coordenadora administrativa, ele assumiu sozinho todas as atribuições de gestão da escola. O CEF 8 perdeu o supervisor pedagógico em outubro de 2013 e de lá para cá nenhum outro foi nomeado. Passaram o ano de 2014 com a promessa de que haveria, a qualquer momento, uma nomeação.
“Só para se ter uma ideia, abro a escola às 7h10 e encerro o turno matutino às 12h30. Saio para almoçar e, meia hora depois, às 13h, tenho de retornar para reabri-la para o turno vespertino. E fico até as 18h. Tenho uma supervisora administrativa, mas o cargo por si só já tem uma demanda muito grande porque ela cuida de folha de ponto, atestado médico, todas as demandas diárias, incluindo aí a merenda”, relata.
Ele diz que todas as outras responsabilidades estão sobre ele. “Qualquer coisa que ocorra na escola que envolva estudante e todas as outras demandas, hoje, quem responde sou eu. Somente eu tenho a competência e o carimbo oficiais para isso e, quando saio da escola por alguns minutos, meu celular toca o tempo todo e tenho de voltar imediatamente tanto para resolver problemas como para assinar pilhas de documentos porque somente eu respondo por eles”, afirma.
Jamielton Amorim conta que não tirou recesso de Natal nem de Ano Novo em 2013, suspendeu as férias de janeiro e não gozou o recesso de carnaval este ano. Além disso, tem de ir para a escola em todas as reposições dos fins de semana.
Essa situação tem ocorrido, sistematicamente, em todo o Distrito Federal porque, no início do ano, o GDF, arbitrariamente, editou a Portaria 284, de distribuição de turma com a qual suspendeu a nomeação dos coordenadores e supervisores pedagógicos, avisando que só os liberaria a partir do segundo bimestre deste ano.
O artigo 22 dessa portaria desamparou as escolas ao deixá-las sem nomeação de supervisores e sem a liberação de professores eleitos para serem coordenadores pedagógicos, bem como outros cargos necessários à organização, vigilância e gestão das escolas da rede pública.