Direito à creche em risco no STF. Entenda o que está em jogo na Educação Infantil

2022 09 21 site cnte nelson jr luiz fux 

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

direito à creche está em foco no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de uma ação pendente de julgamento que pode confirmar, rever ou fragilizar o direito das crianças de zero a três anos ao atendimento em estabelecimentos de Educação Infantil.

Trata-se da análise pelo plenário da Suprema Corte do Recurso Extraordinário (RE) 1008166, relatado pelo ministro Luiz Fux. Originado no município de Criciúma (SC), o recurso questiona o dever estatal de assegurar o atendimento em creche e pré-escola às crianças até cinco anos de idade.

De acordo com site do STF, o município alega que o Judiciário não pode interferir na esfera de atribuições do Executivo e impor a destinação dos recursos a situações individuais. Sustenta, ainda, que a disponibilidade de vagas em estabelecimento pré-escolar é meta programática que o poder público tem o dever de implementar na medida de suas possibilidades. Como se trata de um tema de repercussão geral – ou seja, o que for decidido passa a valer em todo o Brasil – passou a ser chamado de Tema 458.

De acordo com o voto de Fux, serão estabelecidos dois requisitos. O primeiro deles é usual e justificado: que as famílias primeiro procurem o atendimento da creche pública em seus municípios antes de entrar com um pedido no Judiciário. Já o segundo é atípico e pede a comprovação de pobreza.

Para Salomão Ximenes, professor de Direito e Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC (UFABC), o risco é real e inversamente proporcional à atenção que vem recebendo em pleno período eleitoral.

“Há um receio grande de segregação e de desconstruir a perspectiva de igualdade de acesso à creche no Brasil. Trata-se de transformar o que é hoje é um direito incontestável em um tema que precisa agora passar por discussão probatória, isto é, se aquela família teria ou não condições de pagar uma creche privada, o que está fora do previsto na Constituição, que afirma o direito à creche como fundamental”, explica o especialista.

Em outras áreas do serviço público, a experiência de restringir uma política aos mais pobres, como na Saúde, não resultou em aprimoramento dos serviços ou ampliação do atendimento. “Que todos possam acessar serviços públicos de qualidade, em condição de igualdade, é o que assegura a qualidade do serviço em qualquer lugar do mundo. Quando é construído para atender a pobreza, a tendência é aumentar a desigualdade”, pontua Salomão.

Hoje, apenas 24,4% das crianças de até 3 anos que precisam de creche por estarem no grupo econômico mais vulneráveis estão matriculadas nessa etapa, de acordo com dados da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Não fosse o entendimento do STF, a partir de 2005, da obrigatoriedade do poder público garantir vagas em creches e pré-escolas, bem como a mobilização de entidades da sociedade civil e movimentos sociais, sobretudo liderados por mulheres, esse percentual seria ainda menor. “Entrar na Justiça para exigir vagas é um processo justo de mobilização social por um direito fundamental. O risco é revisar esse posicionamento que tem sido positivo historicamente”, alerta o docente.

Entenda o caso

A Constituição Federal de 88 assegura que a Educação é um direito prioritário da criança desde a Educação Infantil e é dever do Estado ofertar vagas para matrícula nas creches (que atendem a população de zero a três anos). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina a destinação de recursos públicos para a proteção à infância. Além disso, o Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleceu metas específicas para aumentar o atendimento para a etapa.

Com base nisso, o entendimento jurídico tem sido que o Estado deve prover vagas e condições de acesso à Educação Infantil, explica Alessandra Gotti, doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, em artigo no UOL.

Na última sessão sobre o tema, realizada no início de setembro, Fux afirmou que a negativa ao efetivo acesso a esse atendimento, em creches ou pré-escolas, configura “inaceitável omissão estatal”, de acordo com o site do STF.

Segundo Fux, o Poder Judiciário pode determinar à administração pública a efetivação desse direito quando ficar comprovado que não foi possível conseguir a matrícula pela via administrativa, em razão de negligência, negativa indevida ou demora irrazoável. Ainda segundo o ministro, é necessário demonstrar que o autor do pedido não tem capacidade financeira para arcar com o custo da manutenção da criança em instituição privada.

Acompanhe a sessão

O julgamento está pautado para acontecer na quarta 21. Você pode acompanhar a discussão por meio do canal do STF a partir das 14h. Para Ximenes, uma das ações que a sociedade pode tomar é, além de se manter informada, manifestar-se diretamente aos magistrados por meio dos contatos disponíveis no site oficial da Corte.

(Centro de Referência em Educação Integral, Ingrid Matuoka, 21/09/2022)

 

Fonte: CNTE