Dia internacional da visibilidade trans

Por que um sindicato de professores deve falar de visibilidade trans? Aliás, o que a escola tem a ver com isso?

Um sindicato representa toda uma categoria. Na categoria do magistério, há pessoas negras, brancas, homens, mulheres, gays, lésbicas, cis e héteras. Há católicos, evangélicos, candomblecistas, cardecistas e ateus. É dever da entidade que representa a categoria abordar as particularidades, necessidades e anseios de cada um desses segmentos e das pessoas que compõem esses segmentos. É uma questão de representatividade. Além do quê, com relação à comunidade LGBTQIA+, o papel da escola no acolhimento, respeito e inclusão dessas pessoas é crucial.

No dia 29 de janeiro de 2004, foi organizado, em Brasília, um ato nacional para o lançamento da campanha “Travesti e Respeito”. O ato foi um marco na história do movimento contra a transfobia e na luta por direitos e a data foi escolhida como o Dia Nacional da Visibilidade Trans que vem, então para buscar a sensibilização da sociedade por mais conhecimento e reconhecimento das identidades de gênero, com o intuito de combater os estigmas e a violência sofridos pela população transexual e travesti.

Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a expectativa de vida da população trans no Brasil é a menor do mundo, em torno de 35 anos. Essa baixa expectativa de vida é resultado direto de outro dado bem alarmante: a cada 48 horas uma travesti ou mulher transexual é assassinada no Brasil, sendo que cerca de 70% das vítimas têm entre 16 e 29 anos. As pessoas negras são as que enfrentam os piores processos de precarização de suas vidas e tem menor escolaridade, assim como menor acesso à saúde, incluindo a saúde mental, sexual e reprodutiva.

Para se ter uma ideia de como a expectativa de vida dessa população é baixa, a expectativa de vida média no Brasil é de 76 anos. As mortes da população trans ficam ainda mais cruéis quando se lembra que são pessoas a quem a cidadania é negada, seja pela sociedade, seja pelo Estado.  

O dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2022, divulgado esta semana pela Antra, aponta uma ligeira queda no número total de homicídios de pessoas travestis e transexuais. Foram 131 pessoas assassinadas em 2022, contra 140 homicídios em 2021. Ainda assim o Brasil se mantém no triste ranking de país que mais matou pessoas trans e travestis no mundo. O primeiro lugar é nosso há 14 anos.

O documento apresentado pela Antra aponta uma série de causas para esses números tão tristes: “Nos últimos seis anos, especialmente durante o período pós-golpe de 2016, vimos o caminho da busca por direitos serem revertidos em falsas polêmicas que tentam a todo instante negar ou criminalizar a existência de pessoas trans, as colocando como responsáveis por uma suposta ‘desordem moral’ (sic), e ao impedir a possibilidade da construção de políticas públicas que atendam às reais necessidades dessa população contra a violência, que tem sido usada como o principal mecanismo de controle e poder sobre esses corpos, colocando pessoas trans como antagônicas aos direitos de pessoas cisgêneras.”

“As pessoas têm medo do desconhecido. O discurso do governo passado era de que éramos pecadores. É claro que não é isso. Somos pessoas como quaisquer outras. Se tivermos acesso à escola, condições mínimas de vida e dignidade, teremos um futuro melhor”, explica a psicóloga Fe Maidel, mulher trans e assessora de coordenação de políticas para a população LGBTI+ de São Paulo, em matéria publicada na Folha de S.Paulo.

 

Nome social

No Distrito Federal, o uso do nome social por travestis e transexuais é obrigatório nas escolas públicas desde 2010 para alunos maiores de 18 anos  e, graças à pressão da comunidade LGBTQIA+, em 2018 o MEC editou portaria estendendo o direito a alunos e alunas menores de idade, estando obrigadas as escolas a usar o nome social de travestis e transexuais nos registros escolares.

 

O papel da escola no combate ao preconceito

“A Escola é o local mais traumático para a comunidade LGBTQIA+. É o local onde mais se sofre LGBTQIAfobia. Mais ainda que dentro de casa”. A declaração, tão dolorosa quanto sincera, é de Ruleandson do Carmo, jornalista cis, ativista LGBTQIA+ e pesquisador do grupo de Estudos em Práticas Informacionais e Culturais (EPIC) da UFMG, que estuda os preconceitos e os afetos nas redes sociais.

Ele conta que, em sua época de estudante, não havia a consciência dos preconceitos de homofobia ou transfobia, e o tanto que ele penou com isso: “Quantas vezes não apanhei na escola por ser bicha afeminada e, ao reclamar com o professor, ouvia ‘é só virar homem que passa!’?”, recorda-se. Para Ruleandson, depois de tantas conquistas para a comunidade LGBTQIA+, é papel do professor ser o agente transformador, no chão de sala de aula, trabalhar e conscientizar os e as estudantes sobre a necessidade de respeito e acolhimento de indivíduos LGBTQIA+ por todos os colegas.

“Diante dos números apresentados, é importantíssimo que tenhamos todos, todas e todes a compreensão real de cada vez mais partirmos de uma ação de invisibilização para uma ação de supervisibilização de problemas que ocorrem no interior de todas as salas de aulas quando se tenta normatizar ou criar regras sobre estruturas que são alheias àquilo que pode ser considerado como atraso ou um grande problema”, diz a ativista trans Sarah Wagner York, graduada em Letras e Pedagogia, pesquisadora em transmigrações, movimentos LGBTQIA+ e Educação (Escola pública, infâncias, crianças e adolescentes) e formação para educação democrática.

Sarah complementa: “A população trans é ignorada, invisibilizada, e a todo tempo ela vai sendo marginalizada porque as notícias que as pessoas trans protagonizam de forma negativa são sempre em volume muito maior do que as notícias por elas protagonizadas de forma positiva. Uma pesquisa no twitter, recentemente feita, mostra que 77% das publicações que mencionam as expressões trans ou travesti o fazem de forma transfóbica. Isso mostra que nem sempre nossa visibilidade é boa. Lutamos para nos mantermos vivas, mencionadas e citadas como pessoas que produzem momentos bons, históricos, alegres, felizes, com nossas famílias. A escola tem o papel fundamental de acolher e socializar para que possamos adquirir o conhecimento para lidar com aquilo que nos compõem como cidadãos e cidadãs para o dia a dia e para o mundo.”

“É necessário questionarmos a hegemonia de um único modo de existência na escola e na sociedade, não devemos e não queremos viver na clandestinidade. O sindicato, por meio da secretaria de raça e sexualidade, junto com o coletivo LGBT do Sinpro, trabalhará para assegurar o direito à dignidade à liberdade de todes”, afirma o professor João Macedo, coordenador do Coletivo LGBT da CUT-DF.